Anjo Salvador - 01  

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A mais de mil anos atrás, o império de Konstrow governava muito dos seis territórios com um punho de ferro e magia. Monstros, feitiços e tecnomagia eram as armas para controlar um povo ignorante, medroso e supersticioso. De origens humildes surge uma heroina do povo, uma guerreira filósofa incentivando cultura, estudo e filosofia, que junta as cinco Jóias das Estrelas para derrotar os demonologistas do império.

Traída por seu marido e queimada como herege, ela marcou o início de uma nova era. Uma era em que o homem escapou dos grilhões da superstição e do medo. Uma era onde o homem governa seu destino.

Ela era Alene. Nosso Anjo Salvador.


 Sessão 01



Prólogo 
 

Monastério de Gofren - Fronteira de Himline - Ladrão 12 de 589E

Era um frio e nublado dia de outono. O Monastério de Gosfren, uma isolada construção próxima do acidentado litoral de Himline. Estudando seus textos sagrados em um regime de clausura a princesa Valerie Mithras era protegida pela guarda do dragão, bem como mercenários liderados pelo infame Zackary Le’Berry. Os mercenários espalharam-se pelas premissas e arredores, mantendo nervosa guarda: O comandante tinha um mau pressentimento, e acreditava que a princesa deveria ser levada para algum lugar mais seguro.

Guardando uma colina, o batedor Ivdan, um homem de quase 30, cabelos e olhos escuros e portando um arco curto, recostava-se entre as pedras da colina que subia. Eventualmente seus olhos notam movimento saindo da floresta colina abaixo, talvez a uns quinze minutos de distância: Homens armados, pelo menos uma dúzia deles, e três à cavalo. Eles tinham vindo pela floresta, evitando se mostrar pela estrada, e Ivdan sabia que isso significava problemas. Rapidamente ergueu-se e correu colina acima, adentrando pela igreja em direção à seu salão principal.

***

“Senhor, ilumine nossos caminhos, nos providencie a sabedoria para guiar nossas decisões, e acima de tudo, livrai-nos da tirania do mal”, sussurra a princesa Valerie, uma jovem senhorita de cabelos loiros como é comum da família real, ajoelhada perante o altar.

“Milady, já é hora...”, lhe chamou a atenção a consternada capitã Karissa, uma cavaleira da Guarda do Dragão, de cabelos curtos castanhos.

“Não vai demorar muito, capitã”, responde a princesa, voltando a fechar os olhos em oração.

A porta se abre subitamente, a passos largos entrando o comandante Zackary Le’Berry, um homem em seu crepúsculo, portando armadura escura e um elmo que deixa à mostra sua barba branca. Ao lado dele Alan, um severo cavaleiro negro em armadura igualmente pesada, seu rosto coberto por um largo elmo com viseira em caveira, que adentra observando com o ambiente.

“Ainda aqui? Já é passada mais de hora”, esbraveja o idoso mas imperioso comandante.

“Vós estais na presença da princesa, sirs”, exclama a capitã, colocando-se no caminho dos mercenários.

O comandante imediatamente se ajoelha e abaixa a cabeça. O cavaleiro negro a seu lado faz o mesmo.

“Talvez cabeças prostradas não ofendam tanto tais sensibilidades... milady. Ainda assim, solicito que vos apressai...”, mas é interrompido por passos rápidos que se fazem, e o batedor Ivdan irrompe pelo salão. Notando-se à presença da princesa ele imediatamente se põe de joelhos, ao ponto que o comandante se levanta e o urge a falar. “Fale homem, e depressa”.

“Homens, senhor”, diz o batedor, engolindo palavras. “Mais de uma dúzia. Portando armas e cavalos. Eles vieram ocultos pela mortalha da floresta, senhor”, e é interrompido por Lady Alyssas, uma das guardas do dragão, de cabelos loiros em longa trança, que vem trazer a mesma notícia. “Invasores milady. Portam as cores da Lótus”, diz, abaixando o rosto em respeito.

Os presentes se preocupam, e os mercenários se entreolham. “A Ordem da Lótus? Drewsav deseja começar uma guerra?” diz a exasperada capitã. O comandante esbraveja ordens, aos presentes, e se dirige para fora. “Vamos logo rapazes, nós não somos pagos por hora”.

O batedor corre para fora onde ordena tanto o ferreiro quanto o escudeiro de Le’Berry a protegerem a porta principal pelo lado de dentro. O cavaleiro negro repassa as informações ao soldado Cormac, um nevastriri imenso portando proteções leves, kilt e uma espada de duas mãos típica da tradição de seu povo, que parte em busca do druida Verner, que protegia o lado de trás do monastério.

Lady Karissa confidencia com um homem bonito, de barba bem feita e igualmente escura como seus cabelos curtos. Mesmo por trás do elmo seus olhos cerúleos parecem brilhar como jóias. “Sir Calhart”, diz ela, pegando um escudo que Lady Alyssas a entrega, “Tome suas armas, mas mantenha vossos olhos nos mercenários. Não tencionamos criar um desastre diplomático”.

Do lado de fora tanto mercenários quanto guardas do dragão se reúnem ao final da estrada que sobe a colina. A chuva começava a pingar grosseiramente sobre suas armaduras. Ali também estavam o druida Verner, uma Selvagem de cabelos ruivos trançados, e usando assustadoras pinturas de guerra nos olhos, bem como Sir Dryfolk, outro guarda do dragão, também em armadura dourada, erguendo um arco curto trabalhado.

Os homens armados colina abaixo chegam ao alcance de arco, e Ivdan e Sir Dryfolk preparam tiros. Dessa distância podiam ver com mais clareza as cores dos oponentes: Armaduras bem feitas cobertas por tabardas de púrpura e branco; homens da Ordem da Lótus, com certeza. Não apenas isso, mas três deles estavam montados em cavalos de guerra; guerreiros treinados, experientes, o terror de um campo de batalha: Cavaleiros.

“Alto, quem se aproxima, e com que objetivo?”, demandava a capitã Karissa, tomando um passo à frente.

“Um punhado de vermes no caminho homens. Acabem com eles”, ordenava um dos cavaleiros, que portava uma bandeira de Falonde, antes de esporear seu garanhão para uma investida colina acima.

No topo da colina o general Le’Berry segura a montante com determinação. “Que assim seja. Cortem-nos como cães, não deixem nenhum de pé, senhoras e senhores”, gritava, mandando gotas de chuva e de saliva para todo lado.

“Estás louco, sir? Desejas começar uma guerra?”, reprimiu a capitã Karissa, “Bastará provocar-lhes a fuga ou rendição. É uma ordem, sir”.

O comandante cerra os olhos por um instante, e diz baixo “Em minha experiência homens mortos são rendição o bastante”, mas logo grita aos seus comandados “Vós ouvistes a lady. Ordens são ordens”.

Os poderosos cavalos sobem rápido a colina, lançando pedras e terra molhada abaixo. Quatro besteiros, portando bestas pesadas e paveses, um tipo largo de escudo, posicionam-se atrás e preparam uma saraivada. Um grupo de oito homens de armas, portando armaduras leves e lanças longas, correm acima atrás dos cavaleiros, gritando a plenos pulmões por sobre o som da chuva e do galope.

Espadas, lanças e machados se cruzam, e os defensores lutam heroicamente. O poderoso Cormac lança-se colina abaixo, enfrentando lanceiros e desafiando os cavalariços a combate honrado, prendendo sua atenção e manteando múltiplos homens presos no alcance da sua espada, sua ameaça protegendo colina acima de besteiros. Sir Dryfolk permanece no topo da colina, murmurando orações antes de cada disparo. Verner sorri para a chuva e convoca a ira dos espíritos, emprestando a forma de um lobo selvagem que salta atrás de braços e gargantas desprotegidas. Lady Karissa ora em nome da Santa Alene, sua bonita espada fulgurante enquanto ela lidera seus homens e duela com os cavaleiros. Alan mantêm-se ao topo da colina, lutando com táticas pouco honradas, mas efetivas, desviando das investidas dos cavaleiros e mantendo-os ocupados. Ivdan escolhe bem seus alvos, disparando em cavaleiros quando fazem sua passagem, e derrubando besteiros que se colocam para fora da proteção de seus paveses. Le’Berry enfrenta as investidas dos cavaleiros com golpes largos, lançando-os ao chão e mostrando sua brutalidade eficiente, que causa baixas mesmo contra os desejos de Lady Karissa. Lian guia de frente, encarando lanceiros e besteiros ao lado das guardas do dragão, suas duas espadas zunindo pelo campo de batalha, trabalhando em uníssono com as Ladies Karissa e Alyssas.

Abaixo na colina o embate torna-se cerrado, com Verner e Cormac presos entre lanceiros e homens em armas, até o feiticeiro ser golpeado. Em um momento de fraqueza sua mente se toma de ira e ele busca ajuda do outro lado do véu, mas rapidamente consegue clarear a visão e notar que colocava-se em possível perigo. Como um eremita, até de certa forma um monge, ele se abaixa no campo de batalha, protegido por Cormac, para focar sua mente em afastar os fantasmas sombrios. O imenso homem, por sua vez, vocifera “Vós pensais que nos encurralaram? Estão enganados, pois sois vós que estão presos conosco!” em desafio, antes de o cavaleiro negro Alan descer a colina em seu auxílio.

Eventualmente, os duelos aproximam-se do fim, e os defensores asseguram vantagem. Sir Lian nota, então, um movimento no teto do monastério, e imediatamente grita por Dryfolk lhe dar cobertura. O cavaleiro reage rápido, arco virado ao vulto no topo da construção.

“Não!”, grita o batedor Ivdan, que mal tem tempo de empurrar o arco do cavaleiro para longe, fazendo com que a flecha disparada não acerte o homem no topo, que se revelava como Willen, um homem sombrio que mirava um virote envenenado no cavaleiro que duelava contra Lady Karissa. Confrontado com a ordem de não atacar e evitar baixas, o homem grunhe, e deixa o embate continuar.

Por fim os defensores possuem ferimentos menores, alguns besteiros e lanceiros com ferimentos letais, enquanto outros rendem-se perante o poderio dos nove defensores, e os cavaleiros estão feridos, desmaiados e derrubados de suas montarias. Ivdan rapidamente acalma os cavalos de guerra que, treinados, obedecem prontamente seus comandos. Conforme Le’Berry começava a dar ordens, um grito veio do outro lado do monastério, um grito agudo, não de dor ou desespero, mas sim como um aviso o mais alto que a pessoa conseguiu fazer, grito o qual é bruscamente silenciado.

Os outros tentam pensar e reagir, mas antes que possam de fato fazer algo o veloz Willen já está correndo pelo topo do monastério como um vulto, suas pesadas botas espirrando água onde seus pés velozes tocam. Seu esforço é recompensado com a visão de um cavaleiro em armadura cinza e portando tabarda nenhuma, que termina de colocar uma desmaiada princesa sobre a cela de um cavalo corredor. O cavaleiro o nota, Willen prepara-se para erguer sua besta leve mas é surpreendido pelo cavaleiro puxar uma pistola militar e disparar contra ele.

Um trovão de arma de fogo corta o ar, quando Sir Lian chega à parte de trás do monastério, acompanhado pelo arqueiro Ivdan, e são recompensados com a imagem de Willen, baleado e caído no chão enlameado, enquanto o homem a cavalo foge com a princesa em sua garupa.

“O que pensas que estás fazendo, homem?”, esbraveja o cavaleiro, “Tu podes acertar a princesa com isso”.

O cavaleiro negro já perguntava baixo a Ivdan se ele conseguiria acertar um tiro em um alvo distante, em movimento, e sem acertar a princesa, ao que ele responde que apenas aguarda as ordens do comandante, que ao ver a reação da capitã recomenda que abaixe o arco.

Os cavalos dos mercenários, que haviam sido postos para descansar no estábulo ao fundo do monastério, não estavam mais lá, e sim apenas rédeas cortadas e um estábulo aberto, Ivdan se culpando por não ter percebido o plano do oponente. Verner e Dryfolk rapidamente se unem a ele à procura dos animais, quando Lady Karissa nota Sir Lian pálido, olhando o cavaleiro se afastar à distância.

“Eu... eu conheço esse cavaleiro... Ian...”, murmura Sir Lian Calhart.

“E quem diabos é Ian???”, vocifera Le’Berry.

Ian Mouldon


***

É o quingentésimo octagésimo oitavo ano de Nossa Senhora. A perda da Guerra dos Cinquenta anos viu muitos cavaleiros e soldados voltarem das linhas de frente sem suas posses, sua lealdade à coroa e nobreza balançados e abandonados. Era uma época de grandes revoltas em Eimland - assassinato e roubo eram comum, conforme fome e desconforto é generalizado. Muitos aventureiros e mercenários jovens se ergueram para enfrentar essa ameaça. Nem mesmo a nobre cidade de Banford onde fica a Academia de Oficiais de Nigallin viu-se livre de sua parcela desses perigos...


Ato 1


Cidade Mercante de Banford - Nigallin - Rei 2 de 588E

Diversos cadetes reúnem-se no salão principal da Academia de Oficiais de Nigallin. Dos dois grupos presentes um em particular tem entre seus membros um Lian mais novo. Seu nome completo é Lian Calhart, filho do General Sigrard Calhart, o Cavaleiro Galante, e terceiro rebento da família de alta nobreza. Seus companheiros de formação são todos jovens rebentos de famílias nobres de Nigallin, exceto por um deles, Ian Moldon, um jovem de mesma idade, com cabelos loiros presos em rabo de cavalo.

Ian é seu amigo de infância, filho de uma família plebeia que tratava dos cavalos da família Calhart. Quando os pais Moldon morreram da Praga Vermelha, os Calhart se responsabilizaram pelos infantes, graças aos pedidos da segunda esposa do general, Leona Luggon, também era de origem plebeia, mãe de Lian e Lannia.

Murmúrios corriam pelo salão de qual a razão pela qual estariam ali, chamados às armas para se apresentar. Não haviam terminado seu treinamento ainda, então algo excepcional ocorria. Corriam-se os boatos que mais e mais caravanas de mercantes e nobres eram atacadas pelos terroristas da Brigada dos Homens Mortos, um bando de ex-soldados veteranos descontentes com a nobreza, e estimava-se que essa era a razão.

“Pelo visto o próprio marques Bartholomeu Darney está vindo para Banford”, dizia a sorridente Mildred Bresnow, de descendência estrangeira, enquanto brincava, displicente, com uma espada. “E por que ocorreria isso?”, pergunta Elizabeth Vorel, uma jovem que ajeitava uma aljava de fechas às costas.

O jovem Lian, de cabelos mais compridos e espírito mais animado, responde: “Certamente a Ordem pretende usar nossas forças para alguma missão contra a Brigada. Esses cães não podem ser permitidos de continuarem livres”.

“A mão que ataca, faz bem em segurar a espada antes de passar julgamento”, diz solenemente a belíssima Marjorie Volksan, de ruivos cabelos cacheados, uma beldade contemplada com a dádiva tríplice da habilidade em armas, dom para o arcano, e beleza desarmante, e uma exemplar aprendiz de maga de guerra. “Piedade é um dom, e retidão uma técnica difícil, mas que rende bons frutos”.

“Algo grande está para acontecer, Lian, isso é certo”, diz Ian, seus braços cruzados e sua expressão séria. “Revoltas ocorrem por todo o interior. E as Lâminas Gêmeas não possuem homens o suficiente para lidar com tudo isso.”

“Já não era sem tempo. Será uma chance de sairmos dessa academia e provarmos nosso valor”, responde a animada Mildred, que encontra o olhar de concordância do jovem Calhart.

“Haverá chance para glória”, brada o poderoso Hector Drakenhart, que recebe um olhar de desafio de Mildred.

“Fácil dizer quando se é um Drakenhart. Nós Bresnow precisamos de toda chance que temos para mostrar o valor de nosso nome!”

“Talvez não devesse tencionar jogar-se à peleja tão rapidamente, lorde. Lembre-se, um golpe bem aplicado corta tanto malha quanto carne...”, começava Ian se aproximando de Lian, ignorando as palavras de Mildred e Hector, antes de ser cortado.

“Atenção cadetes. Formação”, grita uma voz da porta, impulsionando dos jovens a ficarem firmes e atentos conforme um cavaleiro de armadura prateada, portando as cores de Nigallin, da cidade e da Academia entra pelo salão. O homem de pele negra e cabeça raspada é Sir Wisym Folcey, um cavaleiro veterano da Guerra, que ferido gravemente em batalha agora só consegue andar mancando, e que foi retirado do campo de batalha para treinar jovens comandante. De um ponto central ele inspeciona os jovens por um instante, antes de discursar.

“A Ordem das Lâminas Gêmeas tem uma missão para seus cavaleiros-aprendizes. Como eu sei que vocês sabem o número de assaltantes em Nigallin está aumentando. Entre eles a Brigada dos Homens Mortos, um grupo ensandecido e com raiva da Coroa. Ladinos como esse precisam ser esmagados. A Ordem foi comandada a fazer uma missão de larga escala para desmantelar a Brigada. Nós não agiremos sozinhos, porém. A Ordem irá ser ajudada por, entre outros, a Guarda Real da nossa Excelência Duque Cydrion, estacionados no Castelo Blackfen. Vossa missão será direcionar-se até lá e ajudar nossas forças, e o farão protegendo nossa retaguarda de uma possível retaliação.”

Quando uma cavaleira entra e sussurra algo ao instrutor, os jovens discutem entre eles em sussurros, e alguns trocam sorrisos ou expressões de decepção por receber uma missão de “retaguarda”.

“A hora de erguer as armas chegou, jovens aprendizes”, os corta novamente Sir Folcey. “Eu recebi notícias que um bando de bandidos -fugidos de uma derrota sofrida nas mãos de nossos cavaleiros das lâminas gêmeas-, fogem em nossa direção em busca de refúgio em nossas vilas. Interceptaremos-os, e vós nos acompanharão. Essa é uma mera garoa perante a tempestade vindoura, portanto preparem-vos. Dispensados.”

***

Portando armas e montados em cavalos leves de combate, os cadetes são postos a interceptar uma força menor que avança para os portões Sul, tendo se separado do contingente maior de fugitivos. Não demora para que vejam os homens da Brigada se aproximando pelas fazendas de trigo em direção as vilas não muradas das partes mais pobres da cidade.

“Enfim, uma chance!”, braveja a jovem Mildred, que se põe em investida, seguida de seu irmão Fernando.

“Essa escória irá se misturar com as massas descontentes caso tenham uma chance. Não podemos permitir isso. Cadetes, atacar!”, ordena Lian, sacando suas duas espadas e esporeando seu cavalo. O jovem acelera, ultrapassando os Bresnow. À sua cola Ian esporeia o cavalo, tencionando o seguir de perto.

Juntos os quatro preparam uma formação de pinça, forçando os inimigos, a maioria deles recrutas com pouca experiência, a pé e com equipamentos inferiores, a uma posição desvantajosa. Marjorie e Elizabeth cavalgam em arco, bloqueando os flancos dos oponentes, uma preparando feitiços, outra mostrando sua habilidade de arqueira montada. Vendo a situação, um dos homens a cavalo grita “Mandam filhotes para nos parar. Façam esses cães nobres em pedaços rapazes”, antes de avançar sobre os cadetes.

A luta que se segue banha os campos baixos de trigo recém-plantado de vermelho escarlate, conforme os cadetes, mesmo em desvantagem numérica de 2 para 1, fazem pouco de oponentes desorganizados, feridos e cansados, com ferimentos mínimos. Um dos bandidos, porém, é um homem mais velho, experiente, usava uma armadura de placas velha, mista, e portava uma espada de duas mãos. Esse homem duela com Lian, demonstrando que o peso de sua idade, e os anos de experiência, o separavam de um bandido comum. Eventualmente o homem se vê cercado, porém, seus colegas caídos ou mortos, mas mesmo com seu torço perfurado por um golpe de espada do Calhart ele se recusa a render-se, preferindo a morte do que o cadafalso.

O embate é vitorioso para os cadetes. Outro grupo maior fora enfrentado pelos instrutores da academia e uma parte da milícia local, e fragmentou-se em diversos pedaços com seus fugitivos espalhando-se pelo campo e fazendas locais. Os sobreviventes foram enforcados em praça pública, um aviso para todos os terroristas da Brigada e uma vitória fenomenal para a Academia. Os cadetes são parabenizados, e os feridos recebem medalhas de honra ao mérito. O embate e as honras servem para acalmar o coração fervoroso de Lian, que havia ficado descontente com o prospecto de proteger um castelo enquanto embates importantes ocorrem.

Logo, munidos de cavalos velozes de viagem, os cadetes deixam Banford em direção à Cidade de Nigallin.


***

Estrada de Lonaven - Nigallin - Rei 4 de 588E

Com as opções de seguir para a Cidade de Nigallin pelas estradas ou através do ermo, os cadetes escolhem pelo cuidado, seguindo pela Estrada de Lonaven. A região é repleta de colinas suaves com alguns poucos bosques, riachos e fazendas, uma região que outrora fora calma, mas que agora como todo o interior de Nigallin sofre com ataques de bandidos e outros malcontentes.

Seguem a ritmo tranquilo, a fim de não exaurir as montarias para uma possível emergência, e acampam sob as estrelas, dividindo raros momentos de amizade e confidência, algo que tem tão pouco tempo para fazer com a rotina ocupada, dedicada ao trabalho e treinamento, que passam na rígida Academia de Oficiais.

A monotonia de sua viagem é quebrada, e a decisão de manter os cavalos frescos recompensada, quando em uma colina ao longe eles veem uma figura correndo de um potencial perseguidor desconhecido. Um adulto jovem brandindo uma espada e acenando para eles, vestindo uma leve malha coberta por um gibão com as cores de Honorest, grita por socorro e ajuda. As preocupações com uma possível emboscada são apagadas das mentes dos jovens tão logo os perseguidores se fazem fazer: Bandidos de estrada, em armaduras de couro e malha, e não portando cor algum, correm atrás do jovem ferido.

Um dos bandidos foca o olhar em Lian, e concentra um feitiço. Fagulhas de luz são puxadas do outro lado do Véu, concentradas em suas mãos enquanto ele murmura palavras mágicas, antes de que uma linha de eletricidade corte o ar em direção ao jovem Calhart. Por mais que tenta vencer a magia em velocidade, mesmo a cavalo ela logo o alcança, e Lian tem sua vida salva apenas por uma reação de Lady Marjorie, a maga de guerra, que convoca uma barreira furta-cor perante o jovem, descarregando o choque da magia entre os dois. Ela é arremessada de seu cavalo, que foge assustado, mas logo é pega por Ian, que a galopa em direção do feiticeiro. Fernando e o feiticeiro inimigos trocam feitiços elétricos rápidos, trovões ressonando pelo campo de batalha, antes que Marjorie esteja a alcance de disparar com uma pistola militar em seu peito.

Esporeando seu cavalo Lian e Hector partem atrás dos ofensores, em meros instantes cruzando com o jovem e quebrando as fileiras dos oponentes. Os bandidos tem alguma disciplina em seus ossos, e não fogem, mas sim preparam-se para uma luta. Ali no meio do ermo e contra homens a cavalo, mesmo o fato de estarem enfrentando meros cadetes ainda os bota em desvantagem, mas eles lutam como se não o fosse. Os cadetes jogam-se em meio à luta, ajudando o homem de Honorest, que mostra-se forte e perfeitamente capaz de lutar.

Não demora muito para que a mobilidade superior dos cadetes coloque-os em vantagem, e os oponentes caiam, ainda brandindo espada e lança com ferocidade, sem fugir.

“Larguem suas armas. Metade de vocês está no chão, e a outra metade ainda pode sair viva disso”, grita Ian enquanto dá meia-volta com o cavalo, assistindo a luta.

“Morreremos com honra se tivermos de morrer”, grita um dos homens.

“Insanidade. Não há honra nisso. Vós não precisais morrer como animais assim”, esbraveja novamente o cadete, enquanto as fileiras dos oponentes são cada vez mais dizimadas pelas investidas a cavalo de Hector, flechas de Elizabeth e golpes ferozes do homem de Honorest.

“Antes uma morte no campo de batalha do que balançando no cadafalso”, grita o último homem de pé, em uma concentração digna de um verdadeiro guerreiro. Postado de frente para com o hábil Hector, ele entrega-se a um duelo até a morte. “Vós sois meros filhotes recém desmamados. Não sabem o que é honra. Pois eu não sou bandido de estrada, eu sou um soldado de Nigallin. Se for para morrer hoje, eu morrerei, mas será no campo, e não na forca”, ele braveja, e silêncio recai sobre o campo de batalha.

Tão rápido começa o embate termina, pois quando um cavalo relincha Hector perde a atenção, o soldado parte sobre ele os dois trocam alguns rápidos golpes de espada, terminando por um golpe no ombro de Hector e então uma rápida e indolor finalização com uma estocada na garganta do soldado.

***

O jovem loiro chama-se Reiny Pyle, e desesperadamente se apresenta como um soldado do marquês Bartholomeu Darney, cuja carruagem fora atacada pela Brigada dos Homens Mortos. Eles estavam em maior número, talvez quatro por um, e ferido ele tentou escapar atrás de ajuda. Ele implora pela ajuda dos cadetes, que limpam rapidamente o campo de batalha antes de colocá-lo sobre uma garupa e levá-lo para o local.

Elizabeth parte antes, a fim de averiguar o terreno, e é a primeira a chegar. Quatro colinas à frente e abaixo, em meio a uma estrada de terra que certamente conecta algum lugar de Honorest com o forte mais próximo de Nigallin, jaz uma carruagem que viu o meio de uma batalha. Há sangue e soldados mortos para todos os lados. O cocheiro está pregado na carruagem por pesados quadrelos, três homens com armaduras semelhantes à Reiny encontram-se mortos em volta, com ferimentos de batalha e golpes de finais de lança, certamente para lhes tirar o sofrimento, além de dois cavaleiros em armadura pesada e tabardas de Honorest.

Elizabeth observa a região, notando pegadas demais para conseguir tirar algo útil. Talvez uma dúzia de pessoas correndo para lá e para cá, além de cavalos para todos os lados. Fica claro porém que os atacantes tinham pelo menos duas dúzias de homens, e atacaram a carruagem pesadamente protegida atrás de um objetivo: O sequestro do marquês, que parece ter sido levado com vida. Mais que bandidos de estrada, esse foi o movimento de uma força inteligente, propositada.

Enquanto estudavam o ambiente ouvem um grunhido próximo, assustando-se e virando para ver o que faz o som. O horror de que um dos corpos recém-mortos tivesse sido tomado por um espectro sombrio passa quando um dos cavaleiros, sentado encostado na carruagem, revela que não estava morto, e vomita um pouco de sangue no elmo. Marjorie corre até ele para ajudá-lo, e pensa em tirar seu elmo para que possa respirar melhor, mas nota um enorme ferimento de machado que lhe abriu entre pescoço e ombro direito, e teme fazer mais mal do que bem.

Lian segura a mão do homem, enquanto Fernando abre a viseira, para que ele possa respirar e dizer suas palavras finais. “...o... mar... quês...”, ele então grunhe, com um último sopro pesado, antes da vida finalmente deixar seu corpo.

***

Os cadetes estudam com cuidado o campo de batalha enquanto Fernando cuida do ferido Reiny que explica o que viu. O marquês, mesmo servindo ao Duque Drewsav estava se dirigindo à Blackfen para um esforço conjunto da Ordem do Grifo com a Ordem das Lâminas Gêmeas de Duque Volstan, quando foram atacados por diversos homens armados e a cavalo que mataram todos e capturaram o marques com vida.

Reiny se alegra ao ouvir que Lian é um Calhart, implorando que ele interceda com a Ordem das Lâminas Gêmeas a favor de reaverem o mais rápido possível o Marquês.

“Se o marquês morrer eu perderei tudo o que possuo. Tu precisas me ajudar”, diz Reiny, desesperado.

“Acalme-te, homem. A Brigada não tomaria um homem vivo se não tivesse a intenção de fazê-lo”, responde Ian, de braços cruzados a alguns passos.

“Ian tem razão. O marquês vive, por hora. De certo que esses cães tencionam executá-lo publicamente para mostrar um ponto, porém.”, fala calmamente Mildred, que procura confirmação visual de sua colega Elizabeth.

“Tal não pode ocorrer, ou estarei arruinado”, responde Reiny, que se levanta de seu tratamento deixando para trás um Fernando que se esforça em não se irritar.

“Intercederemos perante meu lorde-irmão. O marquês ficará bem, Pyle.”

“Obrigado meu lorde”, diz o escudeiro de Honorest, segurando fortemente a mão de Lian.

“Muito bem, então eu irei na frente. Rastrearei esses bastardos e localizarei onde estão escondendo o marquês”, prontamente interrompe a batedora Elizabeth, que é recebida por reações mistas.

“Parece um plano”, comenta Mildred.

“Não, não parece um plano”, retruca Hector, “Pois não temos os números para lidar com um contingente maior. Adicionalmente, temos nossas ordens de guarnecer Blackfen.”

“Eu sei meu cuidar, e sozinha sou mais rápida e silenciosa do que com vocês”, responde a arqueira.

Perante a discussão, Lian confidencia com seu companheiro em armas Ian.

“Lord Calhart, ambos tem razão. Se agirmos agora talvez possamos interceptá-los... mas Lady Vorel mencionara talvez uma dúzia de homens”, começa Ian.

“Eu sei. Por outro lado a viagem à Blackfen ainda demora, e temo que a notícia, bem como o rastro, esfrie caso esperemos demais. Mas ainda assim... uma investida mal-sucedida pode ser a sentença de morte do marquês, e esse é um sangue que não desejo em vossas mãos...”, responde Lian, ponderando as opções.

“Talvez, milorde, pudéssemos solicitar reforços ao lorde local. Estamos próximos de Vintsor, terras de Lord Virasc. Com a graça do Criador ele pode nos guarnecer com homens para montar uma investida mais apropriada...?”

“Virasc é uma lontra!”, vocifera Mildred, que ouvia a conversa.

“Perdão?”, ergue uma sobrancelha Lian, enquanto os outros também são tomados de surpresa.

“Lord Virasc é um covarde. Uma lontra. Entregue essa informação para ele, e ele tomará os louros de tuas mãos, Lord Calhart”, ela diz, um sorriso maldoso lhe cortando os lábios, enquanto Fernando meneia a cabeça, silencioso. “Maiores são as chances de que ele monte uma equipe de busca e leve a informação à Blackfen ele mesmo. Siga esse curso, Lorde, e teus feitos, e os feitos de teus homens, hão de ser roubados de tuas mãos.”

Perante a reprimenda de Hector à Mildred, Lian traça um plano. Irão enrolar os homens mortos e prendê-los no topo da carruagem, onde ficava a bagagem do marquês, e usarão seus próprios cavalos para guiá-la para a próxima vila. Como são meros cadetes solicitarão ajuda ao barão local, esperando poderem participar da equipe de resgate.

***

Mansão Calhart, Cidade de Nigallin - Nigallin - Rei 8 de 588E

A Cidade de Nigallin é o centro de poder do Território, uma cidade construída em região estratégica, sobre uma colina com um íngreme desfiladeiro ao lado. Próximo da cidade passa o Rio Madeirante, que não muito longe se abre em um vários afluentes, gerando uma região de delta que eventualmente se mistura com os bosques gerando um pântano bem como uma das regiões mais produtivas de Nigallin inteira. Chamado originalmente de Pantanegro, o castelo construído em sua proximidade recebeu seu nome, Blackfen, e em volta dele a cidade foi construída.

A cidade é dividida em níveis, com o Castelo tomando a parte mais alta e os distritos descendo, quanto mais alto mais velho e mais importante. Um dos distritos mais altos é o Distrito Velho, lar das tradicionais famílias nobres de Nigallin, diversas das quais se não moram na cidade tem uma moradia temporária no distrito para quando viajam à corte. Aristocrata mesmo entre os aristocratas, a família Calhart dispõe de uma magnífica mansão à direita da estrada que leva ao castelo propriamente dito, uma posição de poder e prestígio que é a inveja de famílias menores.


Em seu escritório, o poderoso Vincent Calhart recebe seu irmão mais novo, bem como a arqueira Elizabeth e o escudeiro Reiny.

“Notícias de sua primeira vitória alcançam meus ouvidos, meu irmão. Fala-se bastante de tua coragem e liderança”, diz o Calhart mais velho, sentado à mesa.

“Obrigado, lorde irmão. Mas o assunto que eu gostaria de lhe trazer é a captura do marquês”, responde Lian, estoico.

“Ah sim. Tais notícias são preocupantes, de fato, e já chegaram a nossos ouvidos. Nosso irmão Elbrich liderará um grupo de cavaleiros de honra do Duque em um esforço para encontrar e resgatar nosso querido marquês”.

“Peço humildemente permissão para fazer parte dessa demanda, lorde irmão”, adiciona rapidamente Lian, que é logo acompanhado por um afobado Reiny.

“Lorde Cahart, por favor, conceda-me cem homens para que eu e seu irmão possamos resgatar o marquês e vingar meus irmãos-em-armas mortos”, diz ele, esbaforido.

Vincent ergue uma sobrancelha e não parece impressionado. Elizabeth corretamente se afunda em sua cadeira.

“Meu senhor, eu lhe imploro. E sei que não arrepender-se-á”, o jovem adiciona, olhando para Lian.

“Lorde irmão, peço que considere o pedido do nobre”, adiciona o jovem Lian. Isso, porém, é o suficiente para terminar de irar Vincent.

“Teus ouvidos estão sujos, escudeiros? Obstruídos?”, fala friamente o Calhart mais velho.

“...meu senhor?”, responde Reiny, procurando apoio em Lian.

“Por que pareceste não ouvir o que te disse”, ele completa, em um tom parecido a um rosnado. “O General das Lâminas Gêmeas, meu próprio irmão, o próprio Cavaleiro Devoto, encabeçará uma força composta da guarda de honra do Duque para lidar com esse assunto.”

“...mas...”

“Mas nada, escudeiro. Lembre-te que aqui tu és apenas mais uma espada; um escudeiro, nem cavaleiro ainda é. Deixe os assuntos de Nigallin para os homens que moram nela”, vocifera Vincent, silenciando o ambiente. “Vós cumprirão vossa missão dada pela Academia, recuperarão vossas forças e reforçarão a liderança das tropas da cidade e cidadela. Tu, batedora, encabeçará a força vigilante, que protegerá as fazendas próximas. Estão dispensados.”

“Sim milorde”, responde sobriamente Elizabeth, antes de retirar-se.

“Lorde irmão”, diz elegantemente Lian ao se levantar para se retirar.

***

“Sabe, houve uma época em que minha Casa também era muito respeitada, como os Calhart. Isso até meu avô ser capturado durante a guerra. Ele considerou uma boa ideia trair seus irmãos-em-armas em troca de sua liberdade”, diz Reiny, quando saem aos jardins da mansão Calhart, em direção aos outros cadetes, para um olhar consternado da jovem Vorel. “Fortificações, números, linhas de suprimento, tudo. E de nada serviu; nem a dez passos longe da porta do inimigo ele três flechas nas costas; a recompensa que um traidor merece”.

Lian presta atenção em sua história, enquanto Elizabeth coloca uma mão em seu ombro.

“Um dos homens traídos escapara mais tarde, e espalhou a história. Meu pai não acreditou em uma palavra, é claro, mas ele foi o único. Nossos jurados dos desertaram. Nossa reputação foi arruinada”, completa o escudeiro, chutando uma pedrinha.

“É uma faceta dura, do mundo em que vivemos, Sir Pyle”, diz Lady Elizabeth, recebendo o olhar de aprovação de Lian. “Onde os pecados dos pais recaem sobre vossos filhos, onde os feitos de um antepassado ditam a honra de descendentes.”

“É melhor eu me resguardar à minha posição; seu lorde irmão não tem dever algum de realizar favores a algum de baixa posição como eu...”

“Eles encontrarão o marquês, tenha fé em Alene”, comenta Lian, antes de chegarem junto ao grupo.

Descansados, banhados e alimentados, os cadetes parecem os nobres que são. Elizabeth, sempre verdadeira, comenta baixo com Fernando que acha que se depender dos Calhart o marquês não será encontrado. Lian repassa a informação a seus companheiros de armas, que a recebem com tanto ânimo quanto ele, reclamando de terem que ficar para trás, onde não há glória para ser conquistada.

“Excelente. Tudo o que sempre desejei. Mildred, Comandante da Cidadela”, grunhe a insatisfeita jovem Lady,

“Excelente. Pois pelo visto terá a chance de almejar tal sonho!”, responde cinicamente Hector.

Ela abria a boca para algo reclamar, mas uma voz corta o ar.

“Lian. Já faz um tempo”, diz o general Elbrich Calhart, irmão do meio, que é acompanhado da caçula Calhart, Lannia, bem como uma moça loira com traços e porte delicado, Meline, irmã de Ian.

A família se reencontra ali, conversando animadamente sobre os feitos de Lian e seus companheiros. Enquanto Ian conversa com sua irmã mais nova, Lian apresenta seus companheiros de formação para o general, antes de tentar conversar sobre a situação e estratégia atual. Lannia porém os interrompe, pedindo que ao menos uma vez possam ser uma família normal com problemas normais, que conversem sobre assuntos de suas vidas e não apenas sobre guerra, ao que Lian afirma que terão tempo para isso, pois nesses dias permanecerão na cidade, como retaguarda.

A conversa segue por alguns poucos minutos, com os outros cadetes escondendo desconforto em estarem ali, metidos entre uma família que se reencontra, antes do general se despedir.

“Bom fosse que pudesse conversar com mais tranquilidade, mas há deveres que requerem minha atenção. Bandidos não se capturam sozinhos”, diz, antes de se despedir de todos, dar meia volta e se afastar. Não estava a cinco passos longe antes de parar, e falar sem olhar para trás. “Nós recebemos uma nota de resgate da Brigada dos Homens Mortos.”

“General”, exclama Lian, que dá voz à curiosidade e estranheza que percorre por todos.

“Mas há algo que me parece errado nisso. Eles são anarquistas, sim, tencionando derrubar a aristocracia, mas dizem-se homens honrados, e atacam apenas a nobreza ou aqueles sob nosso comando. Por que capturariam o marquês em troca de algo tão banal quanto ouro?”

“Temia que pretendiam executá-lo publicamente”, diz Lian, consternado.

“Por que não o fariam? Não são nada além de ralé plebeia!”, diz irada Mildred, fechando o punho.

“Homens que não entendem de honra”, grunhe Reiny.

“Sentido não o faria, general? Clamam que o início de sua contenda é pelo soldo que lhe era devido”, diz, talvez de forma imprópria e simplista, Elizabeth, que recebe um rápido olhar de desaprovo de alguns de seus colegas.

“Tais não são os métodos de Algus... Há algo diferente”, responde o general. “Um de meus espiões entre eles não retornou”, ele adiciona, “Eu temo que ele tenha se envolvido com algo grande, mas alguns entre nós na Ordem não consideram que um espião plebeu é digno de uma equipe de busca.”

“E onde ele teria sido visto pela última vez?”, pergunta Ian.

“Na cidade mercante de Wayfalls”, responde o general enquanto se afasta, retirando-se do local. Ele olha para trás e um sorriso charmoso lhe cruza os lábios “Proteger um castelo torna-se rapidamente tedioso, não é verdade meu irmão?”

Mal deixa o ambiente o general, e os colegas olham para seu amigo comandante.

“Temos ordens, Lorde Calhart?”, sorri Mildred.

“Isso parece decididamente subversivo, Sera”, suspira Marjorie.

“Partimos para Wayfalls, amigos. Temos bandidos a enfrentar”, ordena animadamente Lian.

“AGORA você está falando do jeito que eu gosto, Calhart!”, diz animada Mildred, acompanhando os outros que começam a se retirar para preparar montarias e equipamento.

“Talvez não seja hoje que cumpra seu sonho, Lady Mildred”, sai falando Hector, em uma ironia escondida por voz e expressão perfeitamente sérios.

“Parece que precisarei de teus serviços, Lady caçula”, diz Lian, segurando as mãos da irmã. “A tu recairá a demanda de garantir que tenhamos um local para retornar, além da corte marcial”, ele brinca.

“Pelo Criador, Lian. Não invejo tua posição, mas farei o melhor para conter a ira de nosso Lorde Irmão”, ela diz, enquanto os olhos recaem sobre Meline se afastando junto com Ian, que animadamente pergunta como andam os estudos de sua irmã mais nova.

“O que há?”, pergunta consternado Lian.

“É Meline, irmão. Ela mantém uma aparência corajosa por fora, mas tem sofrido muito na academia de aristocracia, sendo a única não-nobre da turma”. Ela cruza os braços, com expressão preocupada. “Ela nunca preocuparia Ian com isso. Imagino que ele não sofra tanto esse problema; irmandade-em-armas une os soldados, e também, não acho que ninguém mexeria com um homem forte como ele...”

“Ele também passou por isso, lhe asseguro minha irmã”, responde Lian.

“Não conte a Ian. Ela não conversaria mais comigo se soubesse que contei a alguém de fora tal fato. Ah, eu não devia estar lhe preocupando com essas coisas afinal”, meneia a cabeça. “Tu já tens deveras o suficiente para com que te preocupar”.

“Não diga isso. Preocupo-me com Meline. Tu sabes que a considero quase como uma irmã”, fala então com uma voz confiante, segura. “Tão logo retorne eu irei lidar com isso. Tens minha palavra.”

“Eu sei que sim”, diz a jovem aprendiz de feiticeira Calhart. “Bem aventurado seja, irmão”.

Sir Reiny Pyle


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