Anjo Salvador - 07  

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 Sessão 07

 

Ermos de Honorest - Ladrão 13 de 589E

 

A viagem pelo resto do dia e noite adentro à passo rápido. Conforme mais e mais se afastam do cinturão verde de Honorest, e começam a tomar o caminho para as terras altas, mais os fortes e fortalezas dos nobres locais ficam distantes, sendo trocadas por pequenos vilarejos de povos livres. Descendentes de Selvagens, essas pessoas vivem fora do efetivo território dos senhores de terras, tecnicamente seus vassalos, mas distantes o suficiente para viverem suas vidas como homens e mulheres livres. Para os viajantes, servem para trocar seus cavalos por montarias mais frescas.

 

Um homem maduro mastiga umas plantas e as cospe de volta em uma cumbuca. Ele é Arthur, um dos batedores dos Lâminas Cinzas, que pela manhã conseguiu interceptar os viajantes. Ivdan, o outro batedor, alcançara o acampamento principal, e o restante das forças toma rumo norte em direção à Larássis, estando a um ou dois dias para trás.

 

Mas ali, naquele momento, o homem se preocupa com aplicar uma pasta de ervas mastigadas sobre o feio corte no braço de Cormac, infeccionado após três dias de perseguição.

 

“Não me diga que eu preciso de descanso, batedor”, diz Cormac enquanto Arthur aplica a pasta e limpa o ferimento.

 

“Aye. É isso, ou perder teu braço. Você não quer isso, quer?”, ele responde, cuidadoso.

 

“Alguma coisa que pode ser feita agora?”, demanda o comandante, de braços cruzados ali perto.

 

“Não muito”, grunhe Alan. “A infecção tomou o braço dele, e ameaça devorá-lo por dentro. Em breve ele deve ver linhas pretas, e se isso ocorrer logo a febre o tomará.”

 

“Quando alcançarmos os Lâminas, podemos purificar seu sangue”, responde Arthur, cruzando os olhos com Alan. “Se ele viver.”

 

Alan não responde, e apenas observa Arthur. O homem que serve de batedor foi um dia um aspirante à Cavaleiro Negro, mas abandonou a ordem antes de completar os rituais de iniciação que lhes torna menos humano e os introduz à magia de sangue da Ordem.

 

“Tenho certeza que foste treinado para tal”, Arthur insiste.

 

“Definitivamente”, finalmente se vê forçado a responder Alan. “Se ele viver.”

 

***

 

Próximo do riacho onde os cavalos bebem, o feiticeiro Verner passa a mão na barba enquanto observa capitã Karissa, acocorado na relva. A ruiva cavaleira está afastada dos outros Guardas, que socializam brevemente enquanto deixam os cavalos descansarem por alguns minutos. O homem se levanta, e toma o rumo em direção à ela.

 

“Mestre Verner”, surpreende Lian Calhart, que intercepta Verner. “Poderia ajudar-nos com os cavalos?”

 

“Os cavalos...”, o Selvagem repete baixo, olhando para a capitã e depois para Lian, notando o subterfúgio usado.

 

De sua bolsa o feiticeiro tira um pacote de couro simples, que enrola algumas flores e ervas.

 

“Dê isso para quem mais ama”, ele diz. “É Omen”, ele fala para o lobo magro próximo. “Tu tens toda a razão.”

 

Conforme o feiticeiro se afasta, passando as mãos pela relva, o lobo permanece para trás, encarando Lian nos olhos. O cavaleiro dá alguns passos para trás, mas não pode deixar de notar que a criatura parece lhe seguir com os olhos, comportamento atípico para um animal, que normalmente viraria o focinho todo.

 

***

 

“Lady Karissa”, diz Lian, na estrada, emparelhando seus cavalos. “Tua expressão denota preocupação.”

 

“Temo pela segurança da princesa.”

 

“Todos tememos, milady”, responde Lian, oferecendo seu apoio.

 

“Temo que contratar os Lâminas Cinzas tenha sido uma falha de julgamento. Estamos isolados, longe dos recursos do Conselho, carregando pouca prata e ouro. E não sei quanto a honra pesa para seus corações endurecidos.”

 

“Teme de ter de cruzar espadas com eles...”, Lian deduz. “Também o temo, são homens rígidos e experientes. Mas sem eles não teríamos descoberto essa pista, e a princesa estaria perdida. Confio em tua decisão”, ele completa colocando uma mão sobre o ombro armadurado da cavaleira, que apesar de nada falar e sequer lhe olhar, imediatamente pousa uma mão armadurada sobre a sua e a aperta.

 

 

Corredeiras Lórens - Honorest - Ladrão 13 de 589E

 

É perto do fim do dia, e os mercenários e Guardas do Dragão já estão na estrada que leva ao Passo, quando aproximam-se da larga ponte que cruza o rio Lanores, em um ponto onde o declive torna a correnteza forte e traiçoeira. Na ponte podem enxergar Ian, o cavaleiro cinza, desmontado de seu cavalo e com a princesa Valerie, coberta por uma capa com capuz, logo ao seu lado. Em volta dele três homens com armaduras de Nigallin encontram-se mortos, vencidos em combate. O próprio Ian não está ileso, com um ferimento no ombro esquerdo que derruba sangue por baixo da cota de malha, e cercado por mais três cavaleiros desse lado da ponte, e seis do outro.

 

“Afaste-se, Sir. Tu estás derrotado. Entregue a princesa e não haverá mais sangue derramado”, ordena um soldado de Nigallin.

 

“Tu gostas do sabor de tuas mentiras por acaso? Tu me pedes para permitir a morte da princesa”, responde Ian, lançando um rosnado que é uma mistura de desafio e dor. “E uma vez que eu presencie as águas do Lanores serem banhadas com seu sangue inocente, eu deveria crer que permitirão que eu vá, uma testemunha de vosso crime?”

 

“Que loucura é essa? Nós viemos resgatar a princesa, não para causar-lhe mal. O que possivelmente ganharíamos com a morte da princesa Valerie? Nós desejamos apenas livrá-la das garras da Lótus!”, responde o cavaleiro, exatamente quando os viajantes aproximam-se o suficiente para serem notados.

 

“Alteza!”, grita Karissa, que acelera o cavalo junto dos outros Guardas, parando perante as espadas apontadas de dois cavaleiros desse lado da ponte.

 

“Lady Karissa! Socorro!”, grita Valerie, jogando o capuz para trás.

 

“Parece que temos companhia então”, sorri um dos cavaleiros desse lado da ponte, ao prestar atenção no grupo inteiro que chega. “Comandante Le'Berry! Ajude-nos contra esse bufão em cinza! Mate todos!”

 

“Uma mudança de planos então...”, diz o comandante, casualmente. “Mas um contrato é um contrato...”, completa, segurando sua lança e descendo do cavalo.

 

Os mercenários ali ficam sem entender o que acontece, e trocam olhares rápidos e nervosos um entre o outro. A Guarda do Dragão se mobiliza rápido porém, e logo estão os cinco ao chão, armas sacadas e apontando tanto para os soldados quanto para o grupo de mercenários.

 

“Comandante???”, exclama um confuso Verner, que gira seu cavalo, notando os ânimos ali, confuso com a situação.

 

“Tu nos trairia agora, Sir?”, indaga a capitã, apontando a espada em defesa para o comandante.

 

“Traição? Tu tens uma verdadeira língua de víbora, milady! Eu não traio ninguém. Eu simplesmente estou trabalhando para as Lâminas Gêmeas primeiro, e esses cavalheiros aqui presentes são dela”, diz Zackary apontando para os cavaleiros na ponte. “Meu dever era garantir que a princesa seria devidamente raptada, e o trabalho desses cavalheiros era silenciar os tolos vestidos de Púrpura que o fizessem.”

 

“Tu me confunde homem!”, exclama baixo Cormac, descendo de seu cavalo. “Vós ouvistes o comandante. Afastai-vos, ou sofrei as consequências.”

 

 

“O sequestro era um truque?”, questiona Alyssas, ao lado de Karissa, a espada de duas mãos voltada para Cormac, que calmamente ergue a claymore.

 

“Pense um pouco comigo, cavalheiros. A princesa é um obstáculo ao trono”, explica Le’Berry, ainda tentando parolar. “Enquanto ela viver existe a ameaça de que alguém diga que ela possui mais direito ao trono do que o príncipe Kylan. Dois herdeiros é demais pra um trono só, senhores!”

 

“E se a morte dela é certa, então que não seja em vão”, diz Ian, do meio da ponte. “Ela morre, mas não sem antes ser capturada pelos “homens de Drewsaw”. O golpe que mata a princesa problemática também destrói a reputação de um duque rival. Um plano esperto do duque Volstan, devo admitir”, ele então olha para o confuso Lian, “Apesar de que me soa mais como ideia de Vincent, não é mesmo Lian?”

 

“Heh, teu ex-amigo é esperto, Lian. Vamos lá homens, é hora de fazer valer nosso salário”, diz Le’Berry para seus homens ali presentes, ainda pegos em estupor.

 

Arthur porém fecha a expressão e salta do cavalo, espada em punho, “Tu estás louco, Le’Berry!”, vocifera, colocando-se ao lado da Guarda do Dragão, armas apontadas para o general.

 

A atitude do batedor parece mandar um choque pelos Lâminas Cinzas, que por alguns instantes olham entre si e a situação, tentando entender quem é amigo e quem é inimigo. Mais de ano de campanha e convivência parecem ser quebrados em um instante, ao menos para Arthur. O acinzentado general não parece se alterar porém.

 

“Tu és loucor Sir? O caminho que trilha o levará apenas à perdição! Ela pode ser uma filha adotada, mas é uma filha de reis da mesma forma. Tocar nela é traição, e lhe levaria à forca!”, grita em resposta Karissa, parecendo ainda incrédula com a falta de honra ali demonstrada.

 

“Eu sei bem disso, lady Karissa. Mas essa filha de reis está no caminho de um descendente direto. Princesa ou não ela não tem mais valor.”

 

“Basta Le’Berry! Karissa tem razão, tu és louco”, intromete-se Verner, saltando do cavalo, seu amedrontador escudo com a face do Homem Verde voltado contra o comandante. “A Princesa é inocente, e eu não permitirei que a faça mal.”

 

“É assim que desejam jogar então?”, rosna Cormac em resposta.

 

“Irmão, não sejas igualmente louco! É como a capitã disse, eu prevejo, eu vejo isso. Ergue tuas mãos contra a princesa é colocar-te em risco, é assinar tua própria declaração de morte”, ele estende, exasperado. “Não é isso que Cormac o Conquistador iria querer de teu filho pródigo!”

 

“Basta, adotado. Dividimos o mesmo pai, mas não o mesmo sangue. Mesmo viva a princesa apenas servirá como peça no xadrez de outrem. Matá-la agora seria uma piedade, poupando-lhe de uma vida de manipulação nas mãos desses nobres covardes do Sul”, retruca um impassivo, apesar de febril, Cormac.

 

“Então essa será uma piedade que eu não permitirei, ser! Deem meia volta, ou ergam vossas espadas”, ordena Arthur.

 

Por detrás de seu elmo fechado, o silencioso Alan observa os dois lados, e logo corta a discussão com sua voz poderosa.

 

“Esse conflito é político. Os lados, ambivalentes, os posicionamentos, arbitrários. Nós cavaleiros negros não decidimos por política”, e com isso ele planta sua espada no chão, claramente sinalizando que não participará de um conflito ali.

 

“Que seja”, murmura o comandante, repleto de ira, que estica a mão na direção do jovem Jhonatan, seu escudeiro. “Garoto, minha espada!”, ele ordena.

 

O jovem Jhonatan segura a Espada de Sangue de Le’Berry, uma grande espada de duas mãos com lâmina negra profana. Dizem que todo Cavaleiro Negro recebe uma ao concluir seu treinamento, e histórias dizem que Le’Berry tirou a espada de seu antigo dono após enforcá-lo com as próprias mãos durante um combate. Ao invés de entregar a espada porém o garoto a abraça mais forte em sua bainha.

 

“...meu senhor... a cavaleira tem razão, isso é errado...”, diz ele, inseguro.

 

“Diabos. A espada garoto, eu não pedirei novamente”, diz firme o comandante, dando um passo em direção ao jovem.

 

“Não senhor!”, responde ao garoto, que ao invés de intimidado firma sua posição. “A princesa é inocente e não o merece.”

 

Infelizmente Zackary Le’Berry não é conhecido por sua paciência, e antes do garoto sequer inspirar o ar gasto com a última palavra o comandante lhe acerta no peito com um golpe descente de sua lança, trepassando-o e cravando a lança no solo atrás de Jhonatan. A força ainda não deixou seus braços e Le’Berry já tomou a bainha da espada antes que ela caia ao chão, sacando-a e investindo contra a capitã da Guarda do Dragão, seu rugido retumbante servindo de ordem para os homens de Nigallin atacar.

 

Arthur reage, e sua espada segurada com as duas mãos ele lança-se sobre o poderoso general. Os dois se chocam, com a força de guerreiros experientes. Karissa manda os outros lidarem com os soldados enquanto protege a princesa. Apesar da confiança, e da obediência de seus cavaleiros, o general é muito mais experiente e forte do que Arthur, que precisa gastar toda sua energia para desviar e bloquear os largos golpes da espada profana.

 

Os outros se juntam a luta, enfrentando os cavaleiros de Nigallin ou, no caso de Lian, segurando os três soldados que ameaçam Ian e a Princesa

 

“Ainda o fiel cão de seus irmãos, Lian?”, provoca um cansado Ian.

 

“Parece que a lealdade entre irmãos está sendo posta à prova!”, responde o Calhart, em meio à luta.

 

Com um sorriso, Ian revela de debaixo de sua capa uma espada negra, encantada, para a surpresa de Lian. Sturmvogel, a espada encantada de Gillian Bertson, fulgura em energia, e com um movimento rápido dispara uma onda de trovão que quebra a formação dos soldados de Nigallin na ponte.

 

“Eu disse que isso era loucura! Loucura!”, berra Verner, vendo o embate geral ocorrendo. “E isso vai parar, já!”, ele adiciona, botando as mãos no chão e falando no idioma antigo de seu povo. As sombras de seu corpo tornam-se mais escuras, e um uivo sombrio pode ser ouvido, enquanto sombras assumem formatos assustadores, solidificando-se em neblina e fumaça.

 

“Não! Eu abjuro!”, interrompe Alan, que voltado para Verner crava sua espada profana no chão. As sombras da capa do feiticeiro parecem ser sugadas para a direção da espada, e os uivos sombrios transformam-se em gritos angustiados conforme os demônios são sugados e expulsos.

 

“Por que interferes??? Tu estás a arruinar tudo!”, grita Verner.

 

“O Véu não é para as disputadas de mortais!”, briga Alan, enquanto os dois duelam pela energia sombria ali.

 

Do outro lado do campo de batalha Le’Berry empurra Arthur com um golpe largo, o forçando a recuperar o fôlego.

 

“Qual é teu plano, garoto?”, grita o comandante, junto de Cormac e os homens de Nigallin cercando a beira da ponte como um lobo faz com a ovelha.

 

“Eu não faço parte de plano algum. Eu vim para resgatar a princesa. Não vou permitir que sua vida se torne uma ferramenta para ser brandida nos planos de outros”, responde Ian, que junto de Lian e Karissa seguram os soldados de azul e branco.

 

“Se desejas mentir que ao menos minta bem, garoto. Tu não és nenhum cavaleiro errante. Tu foste pago para tomar a princesa; apenas me diga o nome de quem contratou tua espada!”

 

“Eu não vendo minha espada para ninguém, ser. Não me inclua em teu tipo mercenário”, grita em resposta Ian, uma verdadeira leva de Guardas do Dragão e mercenários entre ele e Le’Berry.

 

“Nem todos sois como vós, ser. Muitos creem no poder da Honra”, desafia Alyssas, trancando espadas com o comandante.

 

“Poupem-me das lições garotos, eu peço um nome. Tu desejas que eu acredite que um filhote de olhos brilhantes simplesmente ocorreu de saber desse plano todo e resgatou a princesa em nome da Justiça e do que é Correto? Quem lhe deu ordens? Quem lhe contou desse plano?”, ele rosna.

 

 “Retire-se, comandante. Tu estás em desvantagem!”, ordena Katherine, que encontra espaço para disparar uma flecha em Le’Berry, que a apara com a mão, a preferindo tê-la trespassada do que uma flecha cravada em seu flanco.

 

“Hmph, esperava mais de ti, criança!”, ele diz jogando Arthur de lado após acertá-lo com um golpe largo da espada amaldiçoada. “Mas se ficar em meu caminho cairá como os outros!”, tem tempo de responder o comandante, antes de ter de se defender dos avanços da grande Alyssas e sua espada de duas mãos.

 

O conflito prossegue, perigoso para a princesa. Não apenas Le’Berry é um combatente experiente e repleto de truques para todo tipo de situação, mas também sua espada mágica afeta o campo de batalha, drenando a força daqueles próximos, e sugando o sangue daqueles que fere. Quanto mais o comandante luta, mais forte ele parece ficar.

 

“Lian! Alyssas!”, grita Dryfolk, que havia de ocultado atrás da ponte. O cavaleiro do dragão joga-se sobre as costas de Le’Berry, comprando tempo para uma ferida Katherine afastar-se, e para Lian e Alyssas agirem.

 

Lian usa o momento para livrar-se dos soldados de Nigallin e choca-se com Cormac, tendo de confiar em sua armadura e uma verdadeira barragem de ataques rápidos para manter o soldado maior e com mais alcance próximo o suficiente para que sua espada de duas mãos não seja um problema ainda maior.

 

A gigante, por sua vez, joga-se para frente, toma a espada do comandante de suas mãos, mas pouco após ela acerta o solo, a lâmina perversa e enegrecida queimando e secando suas mãos com o mero toque. Ainda assim Alyssas ergue a espada, suportando a dor e as ondas de energia negativa e a arremessando nas corredeiras abaixo da ponte, para que se perdesse nas águas impossibilitando que o general a recuperasse.

 

O que Dryfolk não esperava porém era que o general não se importasse com a perda de sua arma. Ele evita alguns golpes com a braçadeira da armadura, e logo torce o pulso da grande Alyssas, lhe quebra o nariz com uma cotovelada desonrada, e aproveita a distração para tomar uma espada caída do chão, sem sequer quebrar o ritmo do combate.

 

“Levante-se, Mildred!”, grita Lian, quando vê Alyssas caída à mercê do general.

 

É então que Verner joga-se sobre o comandante, abandonando seu duelo contra Alan. Seu corpo mudou, uma filme negro o cobrindo e o transformando em um tipo horripilante de lobo feito de vinhas e escuridão, sua cabeça com uma imensa galhada. O animal cai sobre Le’Berry, que o golpeia algumas vezes, antes de ser esfaqueado no flanco por Katherine.

 

O feroz general acerta uma cotovelada que quebraria ossos normais, jogando Verner para fora da forma sombria, e com um golpe rápido desarma Katherine, que se vê presa pelo homem, a pega pelo pescoço e bate sua cabeça contra a parede de pedra duas vezes.

 

“Tu não és nada, infante! Nada perante teu avô!”, ele berra, antes de cravar a espada no ventre da pequena.

 

“Cuide dela!”, grita Ian para Karissa, empurrando Dryfolk de lado e gritando para os demais: “Abaixem-vos!”

 

E com um movimento da espada encantada ele faz uma onda de trovão e energia que empurra os presentes. Enquanto Verner e Alyssas são empurrados, e Karissa coloca seu escudo perante a princesa, o general é pego de surpresa, e ele e Katherine são arremessados para fora da ponte, caindo no rio de corredeiras ferozes abaixo.

 

Verner ainda estica a sua mão na direção de Katherine, mas não é capaz de muito. Ele sente uma presença, porém, e logo uma figura sombria, como uma mulher de sombras e pontos de luz, de cabelos que esvoaçam em neblina do Véu, flutua até a ponte, pousando uma ferida Katherine ali. A entidade olha para Verner, e então some.

 

Demora alguns instantes para que os combatentes se recuperem do impacto de trovão. Dryfolk faz o sinal de Alene, mas logo cai de joelhos junto à Katherine, preocupado com seus ferimentos extensos, mas a garota apenas sussurra para que ele se preocupe com a princesa.

 

“Vós estais derrotados, homens em armas!”, brada Karissa após chutar para longe a espada de um homem que se recuperava. “Partam e mantenham vossas vidas; fiquem e misericórdia não lhes será ofertada!”.

 

“Acabou, bárbaro”, diz Ian, girando as duas espadas e se aproximando do duelo de Cormac e Ian.

 

“Não há glória para ser alcançada aqui hoje, mestre Cormac”, diz Lian. “Mas tampouco há vergonha em deixar um conflito hoje, em paz.”

 

“Tu não me conhece, Sir Lian”, diz baixo Cormac, cessando de lutar e respirando fundo, tentando vencer a febre e infecção que lhe devoram.

 

“E seria por ideias tolas de glória infundada que tu me privarias dessa honra?”, rebate o rebento Calhart.

 

“Vá, Sir. Parta em paz, e partirá em salvo-conduto!”, ordena Karissa, com o máximo de polidez que um conflito sangrento permite.

 

Os dois trocam mesuras de respeito, e o Nevastriri parte.

 

***

 

“Majestade... tu estás salvada”, murmura Katherine, vendo a princesa Valerie, ajoelhada ao seu lado.

 

“Lady Katherine. Salvaguardai vossas forças”, ela responde.

 

“Kat. Respire. Fique aqui!”, diz Dryfolk. Ele deixa a princesa segurando o ferimento de Katherine, e parte atrás de seu alforje e de Karissa.

 

“Está tudo bem... eu me redimi... Posso partir feliz”, murmura uma emocionada Katherine.

 

“Não aceite de bom grado o fim, ser”, diz a princesa, em um tom de calma, mas que esconde angústia. Ela então fecha os olhos e implora “Alene escolhida do nosso criador, conceda-nos a graça de permitir que essa filha fiel sobreviva, ela que lutou e sangrou em teu nome, e estava pronto para dar sua vida de bom grado em troca de nada de além da Honra e Dever que nos ensinou”.

 

Suas preces são ouvidas, e a cor retorna à Katherine, seus ferimentos mortais fechando-se e deixando no lugar golpes terríveis, mas curáveis. Verner, ali presente, vê que luz emana dos ferimentos, que milagrosamente se fecham, sem a normal dor e choque causados por magia.

 

“...as mãos que curam...”, murmura o fascinado Verner, observando a cena.

 

***

 

“Deixem a princesa comigo. Ela estará mais segura sob meus cuidados”, diz um ferido Ian, conforme o grupo se recupera e tenta colocar a cabeça no lugar poucos minutos após a batalha sangrenta.

 

“Isso não ocorrerá, Sir”, afirma Karissa, ainda ajoelhada e cuidando da ferida Katherine.

 

“Estás jogando um jogo perigoso, Ian”, diz Lian, que em momento algum vira-se para encará-lo. A recíproca é verdadeira.

 

“Eu não participo de jogo algum. Não faço nada além de falar a verdade”, diz ele, se apoiando na ponte e observando as corredeiras. “Tu se tornaste inimigo de toda a Ordem das Lâminas Gêmeas agora. Para onde a levaria? Pense, Lian: Isso tudo foi um plano de duque Volstan, e ele certamente não agiria assim sem apoio da Rainha”. O homem loiro deixa isso pesar por alguns instantes, e então continua.

 

“Tu não podes confiar na Coroa. Não agora com a morte do Rei. Pediria ajuda a quem?”

 

A notícia da morte do Rei não havia chegado ainda aos mercenários. Apesar de ser um choque, especialmente para a princesa, a notícia não parece realmente surpreender nenhum dos soldados. O rei estava sofrendo de doença e fraqueza a um bom tempo, e era tudo uma questão de tempo, mas enquanto a notícia não provoca surpresa, ela provoca consternação. Ian explica que ele faleceu nem a três dias; o povo ainda não fora informado disso, mas os rumores já correm por Doleris.

 

“Você a levava para Falonde. Duque Cydion a protegeria, não?”, indaga Dryfolk, quando o choque da notícia passa e os outros se recompõem.

 

“Drewsaw? Isso seria tolice: Ele oferecia a cabeça de Valerie em troca de manter sua própria perante a corte”, responde o cavaleiro cinza.

 

“E o que, ser, tu propõe?”, interrompe Karissa, levantando-se para encarar Ian.

 

“Eu simplesmente faria o que tu, milady, é incapaz de fazer”, ele responde, ainda olhando longe.

 

“Tua resposta nada explica, ser”, diz fracamente Katherine, antes de ter sua atenção chamada pela princesa, que pede que guarde as forças.

 

“Uma verdade, ser”, ele diz, voltando-se para o grupo. “Mas não preocupem-se com essa verdade. Está mais do que claro que a segurança da princesa é tanto o interesse maior de vós quanto o é meu. Para provar que estamos do mesmo lado, e como uma atitude de boa fé, a deixarei sob seus cuidados então”, diz ele sem se delongar, passando pelo grupo e subindo em seu cavalo.

 

“Tu tens minha gratidão, ser Ian...”, diz a princesa, levantando-se.

 

Sem responder ou dar maiores explicações o jovem loiro toma o caminho de volta da ponte, seguindo rumo ao Norte. Antes de partir de vez ele apenas para ao passar por Lian.

 

“Eu não achei que encontrá-lo-ia novamente, Lian”, ele diz ainda sem encará-lo. “Mas fico feliz que tenha, e de saber que ainda é um bom homem. Espero que não seja nosso último encontro.”

 

“Digo o mesmo Ian... digo o mesmo...”

 

 

Regiões rurais de Larássis - Honorest - Ladrão 15 de 589E

 

A estrada sul, para longe do local da luta e de olhares curiosos, e mais importante, para longe das fronteiras e patrulheiros de Falonde, os recebe com o dilema de o que fazer. Após muito discutirem, a capitã da Guarda do Dragão conclui que a melhor opção para proteger a princesa Valerie nesse momento seria recorrer ao cardeal Amoch, governante de Himline. O cardeal é um herói de guerra, e uma figura importante na Igreja. Conhecido por manter uma atitude neutra em relação à corte, ele seria o único homem de poder com quem poderiam contar no momento.

 

Não vendo nenhuma opção melhor no momento, eles seguem para Sul, evitando vilas e mantendo-se nas regiões rurais, tentando evitar as Lâminas Cinzas, tropas de Honorest, Nigallin ou Falonde, ou outros tipos que poderiam querer mal à princesa, mas tendo de viajar com certa lentidão devido à recuperação de Katherine, e do ferimento severo sofrido por Arthur.

 

É na tarde do segundo dia rumo ao Sul que algo de diferente ocorre. Quando haviam erguido acampamento as beiras de um lago de águas geladas e margem pedregosa, que um grupo de uns vinte homens armados e a cavalo se aproxima pela floresta; homens das Lâminas Cinzas.

 

Os homens porém vem em paz, e lhes informando um conto interessante: Logo chegaram rumores no acampamento das Lâminas Cinzas que Zackary e os tenentes haviam quebrado e seguido caminhos diferentes, e pouco depois o tenente Cormac retornou sozinho e ferido, deu algumas ordens, tomou alguns poucos homens e partiu, ordenando que aguardassem. Logo os rumores ganharam forma, e subitamente não se sabia que lado traiu qual lado, e umas três versões de verdades circulavam, mas algo era certo: Visões de honra colocaram o comandante contra seus tenentes de confiança, que debandaram para o lado da Guarda do Dragão.

 

Não demorou para que a moral da tropa despencasse. Os oficiais de meia-patente se dividiram em grupos, uns a favor de Le’Berry e outros criticando sua falta de honra. Até mesmo violência se fez, e muitos debandaram. Ao final do dia podia-se dividir as Lâminas Cinzas em três grupos, os que estavam contra Le’Berry e que se prendendo a escrúpulos estavam do lado dos tenentes, os que leais não permitiriam nenhum tipo de dissensão, e uma grande parte que simplesmente decidiu desertar o grupo mercenário.

 

Silfa de Langfield, a oficial não-combatente de maior patente das Lâminas, que tinha a função de Senescal para o comandante, era uma das que se encaixava no primeiro grupo, e juntando um contingente dos que pensavam como ela abandonara a força maior para trás e viera atrás dos tenentes para se unir ao grupo, certamente mais honrado e correto, que eles iriam montar. E junto com ela mais de uma dúzia de homens e mulheres com graus diversos de experiência, dispostos a lutar por dinheiro debaixo da bandeira deles.

 

Zackary Le'Berry

 

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