Anjo Salvador - 08  

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 Sessão 08

 

Fronteira com Himline - Honorest - Ladrão 16 de 589E

 

Os Ex-Lâminas Cinzas haviam decidido por montar um novo grupo, tendo a experiência, dinheiro e meios para tal, especialmente pois a força dos números pode proteger bem a princesa Valerie. Decidiram por Alan como a figura do comandante, dada sua vasta experiência e posição como uma figura de autoridade e respeito, decisão que os Guardas do Dragão respeitam e apoiam. E decidem também por um nome: A Irmandade dos Dragões Pálidos; irmãos em armas, mas que não portam cores, unidos por um ideal e propósito nobre como os extintos dragões de outrora.

 

Lian observava o pequeno acampamento, com um círculo de cavalos e homens que protegiam uma simples tenda na qual Alyssas e Dryfolk permaneciam de guarda do lado de fora. O Cavaleiro do dragão tinha uma fruta à mão, enquanto passava por entre as tendas, inclusive a tenda utilizada como enfermaria, onde o febril Arthur lutava contra a morte.

 

O ferimento do batedor estava infeccionado e não fechava, e Alan havia explicado aos demais que isso se devia à espada de Le’Berry, uma Lâmina Sangrenta dos cavaleiros negros que ele havia tirado do cadáver do seu portador original, que ele matara com as próprias mãos.

 

***

 

“Tais espadas são umas de nossas armas mais poderosas. Alimentam-se de sangue, dor e sofrimento, bem como amaldiçoam aqueles de quem se alimentam. Arthur está tomado pela maldição, e seus ferimentos não irão se curar antes que a maldição seja removida”, havia dito na noite anterior Alan. “Essa maldição é ligada à espada, e à seu portador. E visto que ela está ativa, só pode significar uma coisa.”

 

“Le’Berry”, murmurara então capitã Karissa.

 

“Sim, madame”, confirmava Verner, sombriamente. “O Comandante vive, e temo que sua ira recairá sobre vós, e sobre a princesa.”

 

***

 

Lian nota que seus olhos pousavam sobre o cavaleiro negro que supervisionava a enfermeira dos Dragões, Irmã Hiltrude, que tratava tanto de Arthur quanto de Katherine, e logo ele chacoalha a cabeça, aproximando-se da capitã Karissa que afiava sua espada, tendo sido forçada a descansar pelos outros cavaleiros.

 

“Lady Karissa”, ele diz, aproximando-se e convidando a mulher a olhá-lo. Quando o faz ele sorri e a entrega a maçã. “Não será capaz de cumprir vosso dever se prostrar-te de exaustão.”

 

Eles conversam alguns poucos minutos, antes de Lian tomar coragem de falar o que lhe incomodava.

 

“Lady Karissa...”, ele diz olhando em volta, reparando nos soldados descansando. “Sobre aquilo que o bandido nos disse em Larássis, não te preocupa? Talvez não possamos confiar na Igreja.”

 

“Penso sobre, milorde, mas preferir a lábia de um vilão à honra da Igreja não me cai bem”, responde a capitã. Frente à expressão preocupada de Calhart ela continua porém. “Mas tal permanecerá sempre no fundo de meu pensamento. Ainda que seja verdade, corrupção e maus atos podem criar raízes daninhas no mais sagrado dos solos; eu não culparia os Cavaleiros Divinos, quão pouco a Santa Igreja, pelos atos de uma ovelha negra”.

 

“Saber que o considera já me tranquiliza, Sera. Em tempos conturbados como esses, não me surpreende a atitude ousada das Lâminas Gêmeas, tampouco me surpreenderia com vilões mesmo entre a mais sagrada das instituições.”

 

“Tu tens dificuldade em confiar, Sir Calhart, eu compreendo bem”, ela adiciona.

 

“Deveras”, ele responde, se levantando. “Mas saiba que minha confiança em ti, e em tuas decisões, é plena.”

 

 

 

Cidade Murada de Barrault - Himline - Ladrão 17 de 589E

 

Haviam chegado à Himline, e entrado pelo portão terrestre para a península, a cidade murada de Barrault. A ideia inicial era que as tropas montariam um acampamento temporário fora da cidade, enquanto o comandante e seus tenentes encontrariam um local seguro para a princesa e a Guarda do Dragão permanecer nesses poucos dias em que reporiam suprimentos e preparar-se-iam para a viagem até Addford.

 

Logo de começo Dryfolk sugere que procurem alguma estalagem ou hospedagem de confiança nas regiões mercantes ou de classe média da cidade, ao invés de procurar algum contato nobre que pudesse lhes estender hospitalidade. O cardeal é um homem neutro, mas na situações política atual nada e pode garantir sobre os nobres locais, e enquanto a princesa permanecer o mais incógnito possível melhor.

 

Alyssas e Karissa permaneceram em uma estalagem discreta cuidando da princesa, enquanto disfarçados de mercantes e missionários simples. Os demais separaram-se em pequenos grupos a fim de adquirir suprimentos, acessar contatos e manter um perfil baixo.

 

Seus planos de uma busca discreta são interrompidos, porém, por uma baderna anormal. O distrito residencial em que Alan, Lian e Khaterine se encontravam, acompanhados pelo batedor Godrun, é surpreendentemente quieto, um silêncio nervoso entre as casas, apartamentos e casas-de-cidade. A quietude não é saudável, e sim a quietude de quem evita chamar a atenção, a quietude de um distrito acostumado com um submundo criminoso perigoso, onde seus cidadãos evitam causar problemas para si mesmos; mas essa quietude é quebrada por sons de turba; um grupo barulhento perseguindo alguma coisa ou alguém.

 

Supondo que alguém estaria sendo vitimizado, e com as morais de uma cavaleira, Katherine olha para seus companheiros e logo bota-se à correr em direção dos gritos, com Lian e Godrun em seu encalço, e logo alcança o epicentro: Uma mulher jovem vira correndo uma esquina e bate de frente com o grupo, enquanto as pessoas da região entram em suas casas ou fecham suas janelas. A jovem de cabelos curtos loiros é bonita e possui traços nobres, mas veste trajes de viajante comuns, mas mais importante, está sendo seguida a uma quadra de distância por um bando de talvez uma dúzia de rufiões armados. Ela fixa os olhos em Lian e se surpreende.

 

“Lian?”, ela diz, olhos arregalados.

 

Ele a fita e reconhece a figura de seu passado distante, abandonado e nunca mencionado: Rose-Marrie, sua prometida de infância.

 

“Lian, o magrela?”, questionava a moça loira, olhando para o guerreiro. “Você cresceu”, completava então, olhando para cima. É então que os bandidos alcançam o grupo, e vendo as diversas pessoas armadas, para a alguns metros de distância.

 

“Rose-Marrie, o que está acontecendo?”, indaga Lian, mas não tem tempo de obter uma resposta.

 

“Estou farta de jogos, Rose-Marrie. Dê-me a maldita pedra!”, ordena uma mulher entre o grupo de talvez uma dúzia de rufiões, bandidos e tipos durões.

 

“Diga para Danny que ele pode inserir a pedra no local onde a luz não bate!”, devolve a garota, se escondendo atrás de Katherine, que havia se posta a protege-la.

 

“Eu sugiro que entreguem a garota. Nosso problema não é convosco”, rosna um dos rufiões, ameaçadoramente segurando o porrete de madeira com reforços de ferro batido.

 

“E eu sugiro que vão embora. Somos melhor treinados e equipados que vós”, responde o guerreiro.

 

“Ouviste ele Jornas! Onde está vossa coragem agora que não estou sozinha?”, prova a menina.

 

Cansada de provocação uma das mulheres do bando prepara uma besta de mão e mira em direção à garota. “Eu odeio essa garota!”, diz ela ao mirar, mas Alan é mais rápido. O cavaleiro negro, que não correra até o local, chega até a cena sacando sua espada decorada com caveiras de metal e faz um feitiço rápido, fulminando a besta da mulher com um relâmpago, explodindo a madeira em farpas diversas e machucando sua mão.

 

“É melhor que os ouçam, ou da próxima vez não vou escolher errar!”, rosna ele, apontado a espada na direção geral do grupo de rufiões. Armas já estão sendo sacadas por seus aliados, porém, e o grupo de rufiões, com os nervos à flor da pele, também avança para se chocar com os heróis.

 

Chocam-se então, os bandidos usando roupas grossas de viajante ou no máximo armaduras leves de malha e couro, portando armas diversas e todos com as cores de quem estava na estrada, contra os heróis com suas armas, mas sem suas armaduras e equipamento mais pesado, por estarem em uma cidade.

 

Katherine, que ainda recupera-se do ferimento causado por Le’Berry, posiciona-se para evitar confronto e proteger a garota com o corpo, enquanto Lian e Alan enfrentam os rufiões, esforçando-se para manterem-se cíveis e evitando golpes mortais, mas sim aplicando golpes largos e dolorosos, mas superficiais. A própria Rose-Marrie revela-se uma feiticeira de alguma habilidade, abalando a atenção e distraindo a mente de combatentes tempo suficiente para serem acertados por chutes, socos ou golpes superficiais dos dois guerreiros. Não demora para que subjuguem os rufiões, quebrando sua moral, e logo metade da gangue está se contorcendo no chão e a outra com ferimentos sangrentos mas superficiais, e rapidamente se rendem.

 

“Peguem seus feridos e desapareçam de minha vista, antes que me prove menos piedoso!”, ordena Alan, ordem que os rufiões parecem mais do que contentes em obedecer, recolhendo suas armas e feridos e partindo, derrotados, em retirada.

 

“Fantástico. Vós sois...”, dizia a garota, antes de se ver na mira da pistola de Godrun, que olha de relance para Alan, que não o reprime.

 

“Por que estavam atrás de ti? Comece a falar, e sem jogos”, diz Alan, feroz.

 

“Tudo bem, eu conheço ela”, diz Lian, limpando sua espada em uma estopa.

 

“De onde?”, indaga Katherine.

 

“De minha infância.”, diz firme o guerreiro. Sua resposta convida o batedor Godrun a um grunhido baixo e a guardar a pistola.

 

“Rose-Marrie, por que estavam atrás de ti?”, diz Lian.

 

“Eu esperava ao menos um “que bom te ver”, Lian”, ela responde, com um meio sorriso.

 

“Que bom te ver”, intervém Katherine, suavemente irritada. “Por que estavam atrás de ti?”

 

“Hmph. Eu não posso responder, desculpa. Não aqui, no aberto. Aqui é perigoso, e eles podem conseguir reforços.”

 

“Muito bem”, diz Lian, “vamos para um local seguro primeiro”.

 

***

 

Guiados por Rose-Marrie, são levados à área mais central da cidade. Não sendo o principal ponto urbano de Himline, a cidade na verdade serve como um dos dois pontos de concentração rural do território, a maior parte do comércio sendo lidado pelos dois portos livres da região, cidades maiores e controladas por si mesmas. Como o único pedaço do antigo Konstrow que não afundou debaixo do mar, Himline é repleta de localizações históricas e de significância religiosa, e Barrault é um ponto central para diversas dessas localidades e para religiosos, estudantes, cruzados e peregrinos dos mais diversos tipos.

 

Em um parque mais perto da região central da cidade questionam Rose-Marrie o que está acontecendo. Ela insiste que não pode dizer o que é, mas que é algo muito importante, de vida ou morte, mas que não deve falar mais sobre o assunto, pelo menos não por enquanto.

 

Mais importante, a garota insiste em saber se estão vindo para Himline ou indo embora do território, ao que o grupo mercenário de início corretamente tem receio de revelar. Notando o receio deles em dividir informação ela diz entender, especialmente por ela não desejar revelar informações de sua parte também, mas estende o conselho de que eles estarão mais seguros em seu próprio acampamento, caso possuam guardas e homens para defende-lo, ao invés de tentar esconder-se em uma estalagem.

 

“E como sabe disso?”, indaga um curioso Verner, que junto de Dryfolk havia encontrado o grupo

 

“Os Filhos de Kargath, são uma perniciosa organização de submundo criminoso presente em Himline”, a garota diz. “Todos aqui os conhecem, e sabem que são dados a se envolver em assuntos que não lhes concernem.”

 

“Como pedras”, adiciona secamente Lian.

 

“Exato!”, ela responde, igualmente seca.

 

Perante à reação negativa e severa de seus salvadores, especialmente a frieza de Lian, a garota revela que seu interesse sobre a direção do grupo mercenário é por que ela precisa ir em direção à Addford, e gostaria muito de alguma proteção após os apuros que passou com os Filhos de Kargath.

 

Alan deixa a situação em encargo de Karissa. Ele não confia na garota, nem acredita ser sábio revelar seu verdadeiro propósito ou envolver um grupo criminoso com as proximidades da princesa Valerie, mas tampouco irá abandonar um irmão de armas, caso Lian tenha assuntos não-resolvidos com ela. O agradece Alan a permitir leva-la à Karissa, e pede uns minutos a sós antes de alcançar o grupo rumo ao acampamento.

 

“No que se meteste, Lady Rose-Marrie?”, indaga Lian, deixado à sós com a garota.

 

“Tu mudaste. Foste para a guerra?”, ela desconversa.

 

“Pior.”

 

“Teus irmãos?”, ela questiona, e recebe uma negativa.

 

“Meline. Ela fora traída pelos Calhart, e pelos últimos anos achei que meu irmão havia perecido em Drakenmont”, ele responde, distante. Os olhos redondos da garota claramente indagam “quem”, e Lian adiciona. “Mas recentemente descobri que Ian está vivo.”

 

“E o que tu faz tão longe de casa, andando entre o povo comum?”

 

“As terras de meus pais foram atacadas...”, ela diz, baixo, desviando o olhar. “Foi tudo tão rápido... Eu havia voltado de meus dois anos de instrução pré-mágica na Academia, e a península estava em desordem. Subitamente os Bann se rebelaram. Soube que uns nos defenderam, mas logo o castelo foi tomado de assalto. Meu mestre me tirou por uma rota de fuga em rumo ao ermo... poucos escaparam a matança.”

 

“Professor... Dion?”

 

“Sim. Eu não estaria aqui se não fosse ele, Lian. Tu és grande, sabe brandir uma espada. Poucos tem coragem de cruzar um homem de seu porte. Mas o mundo é cruel com uma garota solitária...”, ela diz, seu olhar se perdendo, “...eu teria passado por coisas bem piores se não fosse ele...”, e então ela muda de tom de voz. “Mas haverá tempo para discutir o passado posteriormente.”

 

“Eu prometo que tentarei lhe ajudar, Lady Rose-Marrie”, diz Lian. “Mas não posso prometer que os meus pensarão de forma similar.”

 

“Muito bem. Sem mais promessas quebradas, não é?”, diz ela, tentando sorrir.

 

***

 

O acampamento das Dragões Pálidos está erguido fora da muralha Norte da cidade. Não é incomum que caravanas e grupos grandes montem acampamento do lado de fora de muralhas; cidades não costumam ter espaço dentro de suas muralhas para tal, e dessa forma se evita o pedágio de portões. O acampamento em si é quase uma criatura com vida própria; os soldados já improvisaram flâmulas temporárias com o símbolo do grupo; o acampamento possui uma tenda pavilhão para uma enfermaria, uma para as reuniões estratégicas e uma para a convidada de honra, devidamente protegida a todo momento por dois Guardas do Dragão.

 

A tenda pavilhão da princesa é dividida em duas partes, a parte mais de trás, onde suas modestas acomodações foram feitas, protegida do lado de fora por um Guarda do Dragão, e uma “ante-sala” em que alguém pode ser recebido sem adentrar na privacidade real. É nessa ante-sala em que a capitã Karissa recebe o grupo e a jovem loira.

 

Karissa era direta e sem dada a meias-verdades; uma vez que Lian confia na moça ela explicou exatamente o que estavam fazendo, a importância de quem estavam levando e por que estavam se dirigindo à Addford, sendo aberta e verdadeira, antes de desejar o mesmo da garota.

 

“Então por que os cães de Kargath estavam atrás de ti?”, questiona Di Lalo.

 

“Tu disseste que estão indo ter com o Cardeal, sim? O cardeal é um heroi que lutou durante a Guerra; até hoje o povo de Himline o honra como tal, bem como meu mestre o faz”, responde Rose-Marrie.

 

“Não desvie do assunto, Rose-Marrie”, intervém Lian.

 

“Não é isso. Eu estou sendo sincera. Inclusive, Mestre Dion acredita que o cardeal é o único homem que pode evitar que o reino torne-se puro caos. O cardeal irá lhes receber, e a princesa ficará segura, disso eu tenho certeza”, ela completa.

 

“Certo...”, a cavaleira diz, impaciente. “E qual é teu interesse nisso?”

 

“Ir convosco. Eu tenho minhas próprias razões para querer ter com o cardeal.”

 

“Que seriam?”, indaga Katherine, de braços cruzados.

 

“Salvar meu mestre”, ela desabafa, revelando um suave tom de desespero. “Ele é prisioneiro dos filhos de Kargath. O cardeal é minha única esperança de libertá-lo. Sozinha eu não passo de uma refugiada, o cardeal jamais me receberia. Por isso eu gostaria de ir convosco”, ela adiciona, seu tom convocando um silêncio constrangedor.

 

“A garota nos causará problemas”, quebra o silêncio Alan, sutil como uma nevasca, mas também dando voz às preocupações da maioria.

 

“Pois bem. Mas tu não respondeste minha pergunta. Por que os cães de Kargath estavam interessados em ti?”, Karissa demanda.

 

“Eu...”, ela gagueja, abaixando os olhos. “Eu não posso lhes dizer. Ainda não.”

 

“Então não irá”, responde, simples e dura a capitã. Do lado de fora da tenda, Dryfolk ergue uma sobrancelha, e Alyssas abre um meio sorriso meneando a cabeça.

 

“Não, por favor, tu precisas me ajudar!”, ela se volta para Lian, com seus grandes olhos azuis marejados. “Lian, por favor!”

 

“Não há nada que eu possa fazer, Rose-Marrie. Não posso forçá-los a lhe estenderem confiança, se em seus olhos não o fez por merecer...”, responde o guerreiro.

 

“Talvez se confiasse em nós e contasse-nos sua história. Não é demais pedir que estenda a cortesia da confiança primeiro”, adiciona Katherine, enquanto ela parece cada vez mais desesperada, não pressionada, e sim desesperançosa.

 

“Pois bem, tu virá conosco”, diz a serena voz da princesa Valerie, saindo de seu ambiente privado. Os presentes caem de joelhos, ao mesmo tempo que Rose-Marrie se ilumina em um sorriso.

 

“Mesmo? Obrigada milady, obrigada!”

 

“Tu estás de pé perante a Princesa!”, rosna Karissa, quase ao mesmo tempo e atropelando os agradecimentos de Rose-Marrie.

 

“Isso não será necessário. Levantem-se, por favor”, adiciona Valerie, esperando que todos estejam de pé. “Está evidente que tu necessitas de ajuda, e que lhe corrói o coração precisar abalar a confiança depositada em ti por Lian. Não provocar-lhe-emos ainda mais angústia a forçar-te a esse dilema. Lian confia em ti.”

 

“Sim, majestade-real”, diz Lian, respeitosamente.

 

“Então isso bastará”, ela o responde, e então se vira para Karissa. “Lady Karissa, por favor, permitamos que a jovem Rose-Marrie nos acompanhe em nossa viagem, sim?” complementa, provocando reação alguma na expressão de pedra de Karissa, mas fazendo Katherine ser mal capaz de esconder um sorriso bobo.

 

“Seu pedido é uma ordem, majestade”, ela se curva, e então volta-se para os outros. “Vossa majestade pronunciou-se, e está decidido. Agora, por gentileza, não interrompamos ainda mais sua privacidade”.

 

 

Cidade Murada de Barrault - Himline - Ladrão 19 de 589E

 

Os dias passam, conforme o acampamento se prepara, providenciando suprimentos, estocando o que foi gasto e em geral se preparando para a viagem de pelo menos quatro dias a Addford. Alan havia preparado um feitiço para fazer sob a Lua Nova, um ritual de purificação para quebrar a maldição que afetava Arthur. O principal componente dessa feitiço era o sangue de alguém puro em corpo e alma, para o qual a princesa Valerie se voluntariava.

 

“Comandante Alan, com sua licença”, dizia a princesa à tenda pavilhão do comandante, acompanhada de suas guarda-costas Karissa e Katherine.

 

“Majestade.”

 

“Chegara a mim a informação de que tu precisas do sangue de alguém para ajudar o convalescido mestre Arthur. Eu gostaria de voluntariar-me, se agradar vossa senhoria.”

 

“Honra-me, majestade. E honras também à Arthur”, ele responde, politicamente. “Para tal feitiço eu preciso da essência de uma pessoa pura, tanto em corpo”, ele diz impassivo, mas provocando um suave olhar de repreensão de Karissa. “...quanto em alma”, ele completa. “Alguém que se abstêm tanto dos vícios tanto prazerosos quanto maléficos do mundo, e que mantem determinação mental e espiritual.”

 

“...vícios do mundo...”, a princesa repete em sussurro. “Por favor, Comandante Alan, diga-me. Por acaso... por acaso açúcar contaria como tal?”, ela diz, timidamente.

 

Pego de surpresa, o comandante diz, baixo. “Por acaso tu és viciada em doces, majestade?”

 

“Minhas damas de companhia sempre mencionaram que eu indulgia-me mais em sobremesas do que era correto para alguém de minha posição...”

 

“Então eu temo que sim, majestade.”

 

A princesa abaixa os olhos, sua expressão e tom demonstrando vergonha, não exatamente timidez, mas sim vergonha de seus excessos.

 

“Pois então eu falhara com alguém que arriscou-se para me defender. Tomarei isso como uma lição espiritual, Comandante Alan, a fim de tornar-me uma pessoa melhor daqui em diante.”

 

“Se eu puder falar, Comandante, eu gostaria de voluntariar-me também”, se interpõem Katherine, aproveitando a chance de agir bem perante a princesa. “Meu povo prega uma vida de meditação, jejum e moderação em tudo, seja em tua vida pessoal como na corte ou no campo de batalha. Seria uma grande honra poder ajudar Mestre Arthur.”

 

O cavaleiro negro consente.

 

“Assim será feito.”

 

***

 

Diariamente os Dragões recebem locais, caçadores, milicianos e outros tipos armados que procuram emprego e são entrevistados por Lady Silfa e seus asseclas. Em um dos dias que se passam, a administradora leva Verner e Alan à tenda pavilhão principal, de comando.

 

À tenda são recebidos por meia dúzia de jovens adultos de feições belas e nobres. Alguns observam o mapa de Himline posto sobre a mesa retangular de comando, enquanto outros aguardam de pé ou sentados. Uma das presentes, uma mulher de cabelos loiros, gira uma peça em forma de soldado nas mãos, sustentada por um feitiço mágico simples, e rapidamente a coloca à mesa quando Silfa, Verner e Alan adentram.

 

“Comandante Alan, Tenente Verner, esses são Mestre Eric Turner, e seus irmãos em armas”, ela diz apontando para os jovens, e perante um olhar de Alan ela completa: “Magos de guerra, que desejam unir-se à nossa causa.”

 

“Magos de guerra, é? Sim, sim, saídos da fornalha que são as altas torres de hermetismo...”, diz Verner, passando por entre os jovens e os medindo. “Mas será que já passaram pela têmpera, ou “guerra” ainda lhes é um eufemismo?”

 

“É um prazer conhecer a vós, Comandante Alan e Tenente Verner”, diz o tal Eric Turner, um jovem bem vestido de pele bronzeada e olhos verdes. “Soubemos que voltaram-se contra as forças de Zackary Le’Berry em nome de um bem maior, e que auxiliam a Guarda do Dragão em sua missão”, ele revela, deixando no ar o quanto sabem.

 

“E como souberam disso?”, questiona o cavaleiro negro.

 

“Somos Magos, milorde”, diz a moça de cabelos claros, essa resposta sendo mais do que o suficiente.

 

“Ah sim, sim. O gosto da Hubris. Eu posso farejá-la no ar, sim”, adiciona Verner.

 

“Não entenda-nos errado, Comandante. Enquanto a Guerra dos 50 anos felizmente acabara, cada um de nós passara sua infância e anos formativos treinando para servirmos à nossas Casas e nossa nação em conflito.”

 

“E não tencionamos sermos usados nos jogos de corte e em disputas de território”, fala um rapaz de cabelos alaranjados, que estava sentado sobre um baú. “Tencionamos sim lutar por uma causa justa.”

 

“Algo no qual podemos fazer a diferença. E eu sei que aqui o podemos fazer, junto daqueles que tomaram a vida de Zackary Le’Berry em proteção à família real”, completa Turner.

 

“Vós estóis enganados”, diz Alan, provocando curiosidade nos jovens. “Le’Berry vive”, ele adiciona, e eles olham-se, incrédulos. Perante a dúvida no ar ele adiciona, mais uma vez, em confirmação. “Le’Berry. Vive.”

 

“Mas... os silfos...”, diz um dos homens ali, muito bem vestido em negro. “Algo mudou, Eric.”

 

Os magos de guerra são tomados de surpresa, mas são colocados à par da situação. Seria tolice para os Dragões recusarem uma unidade de feiticeiros treinados para conflito, especialmente uma composta por amigos que treinam juntos a anos. Enquanto deixam Silfa para discutir os detalhes com os jovens, Verner fala, os observando de longe.

 

“Eu disse, sim sim, eu disse Omen”, ele passa a mão na cabeça do lobo. “Hubris. Sempre Hubris.”

 

O lobo, porém, observa Rose-Marrie ao longe.

 

 

Rose-Marrie

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