Anjo Salvador - 11  

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  Sessão 11


Cidade Livre de Sildalar - Himline - Ladrão 27 de 589E


Viajaram noite adentro em direção ao distrito residencial onde encontrariam o informante: Madre Jeaninne. O local de encontro é uma construção grande, talvez um salão de guilda ou prédio de ofícios diversos, e encostado em uma porta traseira há o guardião do local, conforme esperado.

 

O homem é grande, tanto quanto Alan, se não mais, e passado dos 40 anos de idade. Possui a cabeça raspada e deformada pelo que parece ser um golpe de garras de urso, que não apenas lhe desfiguram a face esquerda como o forçam um tapa-olho. Com um porrete com espinhos no chão próximo, e expressão de nenhum amigo no rosto ele observa o diverso grupo se aproximar, e já se prepara para problemas.

 

“Bem aventurado seja”, saúda Verner, que aproxima-se com as mãos erguidas em paz, deixando claro que não tem intenções hostis.

 

“O que quer, filhote?”, responde o homem.

 

“Queremos ter com Madre Jeanine.”

 

“Por?”

 

Alan logo responde, sem pestanejar. “Fomos ditos que Madre Jeaninne é a pessoa correta para nos fornecer a informação de que necessitamos”.

 

“Hmph. Estão falando com ela”, grunhe o grandão, que é respondido por incredulidade do grupo, mas frente ao silêncio que se segue e a expressão imutável do brutamontes, a incredulidade vai ao chão, e o ânimo torna-se novamente veladamente tenso.

 

“ahn... Pois bem Madre. Desejamos encontrar Danny Garreau”, diz Verner.

 

O homem ergue a sobrancelha e logo indaga. “E por que o desejariam?”

 

“Ele está com algo que nos pertence”, tenta desconversar Alan.

 

O homem não parece engolir bem a história. Por um motivo ou por outro ele fita o grupo de cima a baixo por algum tempo, antes de se inclinar um pouco para frente e dizer baixo e ameaçadoramente. “Escutem aqui filhotes, e escutem bem se quiserem sair com vossas pernas ainda retas. Eu não sei por que ele os mandou”, ele cospe ao chão, e então prossegue, “mas quando verem Danny podem dizer que da próxima vez que ele mandar de seus cães sarnentos aqui eu os enviarei de volta em sacos”, ele então se reclina de volta, “Agora vão, sumam de minha vista enquanto têm chance.”

 

“Nós não somos amigos de Danny”, intervém Lian. “Ele sequestrou uma amiga nossa, e desejo nada mais do que cravar uma espada em seu estômago.”

 

O homem olha bem para Lian, e depois para os outros, que confirmam com acenos e olhares. Notando a sinceridade, ele questiona. “E por que a tentativa de enganação?”

 

“Não sabíamos se eram amigos ou inimigos. E vivemos em tempos perigosos, madre”, diz Verner, porta-voz de seus companheiros.

 

“Justo. E o que querem saber?”

 

“Onde podemos encontrá-lo. Seu refúgio ou base de operações. Ele está com uma pessoa importante. Para nós”, responde imediatamente o cavaleiro negro.

 

“Bom, para isso vão ter que falar com a Madre de verdade”, o homem comenta.

 

“E onde a encontramos?” indaga o cavaleiro negro, com pouca paciência para os jogos sociais.

 

“Ali”, diz ele apontando para o outro lado da rua. Atravessando a rua de paralelepípedos encontra-se um prédio de apartamentos. “A senha é Andorinha”.

 

***

 

O local não possui a mais rica das aparências, mas tampouco poderia ser classificado como uma espelunca, com três andares e tinta quase que sem descascados, possui uma porta dupla aberta que os leva para uma escadaria de madeira que conecta os andares. Sentado na base da escada um homem humilde de cabelos desgrenhados e nas vestes marrons de um andarilho parece particularmente interessado em suas mãos, e os ignora entrando. Lian porém se dirige ao homem.

 

“Ola meu senhor”, diz, educado, mas é ignorado.

 

“Tu estás mesmo dando atenção à esse drogado?”, rosna Verner, enquanto Eric cuidadosamente observa o ambiente, seus dedos sempre cruzados frente ao corpo.

 

“Estamos atrás de Madre Jeaninne”, interrompe Alan.

 

A atitude muda. O homem fica alguns instantes quieto e então pergunta, firmemente: “Qual é a senha?”.

 

“Andorinha”, responde Lian com um meio-sorriso triunfante.

 

O homem então se levanta, revelando um homem forte e bem cuidado, de feições dura e bonitas, e penetrantes olhos verdes, que jogando os mantos de andarilho de lado revela portar uma espada de cavaleiro na cintura. Ele se dirige até uma porta do térreo, e a abre com um molho de chaves que tira da cintura.

 

“Aguardem aqui”, diz então, apontando para o apartamento. O local é, como esperado, pequeno; uma sala comunal com chão de madeira rangendo e com um buraco de pedra ligando ao solo, onde se poderia colocar brasas e sobre isso uma panela. Além disso há apenas meia dúzia de cadeiras empilhadas em um canto bem como algumas almofadas jogadas em outro.

 

Entram então, Alan e Verner rapidamente dispondo as cadeiras para que possam sentar-se de frente para a porta, enquanto um nervoso Lian parece tencionar cavar um novo vão no chão do ambiente com seus passos nervosos. Eric, eternamente um abjurador e preocupado com segurança observava silenciosamente o ambiente, tentando entender o ângulo por onde isso poderia ser voltado contra eles, é o primeiro à notar novos passos que adentram pelo ambiente: A cavaleira do dragão Katherine, vestida em trajes de viajante, entra esbaforida.

 

“Pela criador. Finalmente encontrei-lhes!”, ela exclama, jogando o capuz para trás.

 

“Tu estás atrasada”, menciona Verner.

 

“O que fazes aqui, Lady Katherine?”, pergunta Lian lhe segurando a mão. “Não esperava vê-la na cidade por pelo menos mais dois ou três dias. Ocorrera algo com tua viagem por terra?”

 

“Sim, eu tenho que lh-”, começa a falar, mas é então interrompida pelo gesto de Eric, que aponta para seu ouvido, e então para cima.

 

Conforme prestam atenção, passos podem ser ouvidos, o característico som de saltos altos preencha o ambiente antes do guardião entrar, seguido por uma mulher.

 

A mulher, é bastante diferente do que a maioria esperava. Uma mulher jovem, muito bela, de pele clara, olhos cerúleos e longos cabelos dourados, usando roupas apropriadas para uma mulher da vida, calça justa e baixa e uma parte superior que pouco poderia ser classificada como mais que um espartilho estilizado, mas portando um intrincado amuleto da Santa Igreja de Alene, o T da pira, pendurado por uma corrente prateada. Com as pálpebras pintadas de azul e os lábios de róseo, ela passa os olhos pelo grupo e abre um satisfeito sorriso, como se sorvendo a impressão causada nos heróis. Após alguns instantes cozendo na admiração de seus visitantes, ela pronuncia-se.

 

“Eu sou Madre Jeaninne. Imagino que têm diversas perguntas; façam-nas, eu não falo sobre negócios antes de jogar um pouco de conversa fora com meus convidados”, diz ela jogando para trás os longos cabelos, “Regras de profissão”.

 

“Isso é inesperado...”, ruboriza-se Katherine.

 

“Com o que contavas, pequena? Lamparinas escarlates?”, responde a sacerdotisa, para o rubor de Katherine.

 

“Por que esse nome?”, pergunta Lian, mesmo com toda sua firmeza não conseguindo não sorrir para a beldade.

 

“Por que meu nome é Jeaninne, oras.”

 

“Não, eu digo, por que Madre?”, ele se corrige.

 

“Por que sou ordenada, oras”, ela diz, abrindo um sorriso. “Surpreso? Que uma madre seguiria... essa vida?”

 

“Eu espera por alguém bem diferente”, comenta Verner.

 

“Uma matrona talvez?”, ela responde o selvagem.

 

“Fico grato por estar errado, diga-se.”

 

“Ah, meu rapaz, tu sabes elogiar uma dama”.

 

Katherine desvia o olhar, ruborizada e horrorizada com os flertes soltos. “Isso é realmente inesperado...”

 

“Ah... claro. Por que o amor do criador e a graça de Alene são apenas para as pessoas de “bons costumes”?”, ela diz, mais uma lição, ou ainda, um sermão, do que uma pergunta verdadeira. “Não são muitas igrejas que aceitariam de portas abertas uma prostituta. Quem batizará seus filhos amados? Ouvirá suas tristezas? Protegerá suas almas, as guiará para a iluminação de corpo, mente e espírito. Quem acalmará seus corações? Não é de minha índole deixar essa parcela da sociedade abandonada. Eu sou a pastora para esse rebanho”, ela então abre um sorriso, “E um pastor precisa conhecer bem o caminho de suas ovelhas.”

 

“E o que veio primeiro, Madre”, indaga Eric, “A madre, ou o meretrício?”

 

“Digamos que os exarcas não ficariam contentes de saber que uma sacerdotisa ordenada abandonara seu posto como capelã de uma pequena vila em Falonde, e a trocara pelos becos sujos e pecaminosos da Cidade do Homem.”

 

“E vendes informação também?”, Alan pergunta, meio cínico e imune aos charmes que afetam os homens do grupo.

 

Ela sorri como alguém contrariado o faz, e então responde, em tom igualmente cínico. “Eu prefiro “aceito doações para nossa causa, após conversar com fiéis”. Soa mais belo.”

 

Algumas perguntas a mais são feitas, mas tudo não se demora muito.

 

“Mas então, vós viestes aqui não para conversar sobre minha história, mas sim atrás de “iluminação a acalento”. Indaguem o que aflige vossos corações.”

 

“Estamos atrás de Danny Garreau”, diz Lian, convidando olhos cerrados de Jeaninne e seu guardião. “Tememos que ele e seus asseclas a tenham capturado. Sua vida corre severo risco. Rose-Marrie é seu nome, talvez a conheça?”

 

A mulher fica alguns instantes em silêncio, antes de falar. “Não conheço nenhuma Rose-Marrie. Corrijo-me, de fato conheço, porém é uma meretriz de meia-idade com dois filhos, certamente não quem procuram. Agora, respondam-me, quão importante é essa mulher para vós?”

 

 “Muito”, responde Alan, sucinto como sempre.

 

“...hmm...”, ela o observa, antes de falar. “Pois bem, quão valiosa é para vós a segurança dessa mulher?”

 

O grupo é pego de surpresa, e demora um pouco para responder.

 

“Não acredito que estamos a negociar a segurança de alguém...”, diz Verner de forma desgostosa, como se decepcionado.

 

“Me entendes mal. O que quero dizer é: O que fariam por sua segurança?”

 

“O que fosse necessário”, diz sério Lian.

 

“E é tudo isso que sua vida lhe vale?”, ela começa, mas logo corta qualquer resposta. “Não importa. Eu irei lhes dar meu preço”, diz ela, cruzando os braços, “Um favor para ser pedido mais tarde”, e então vira-se para Alan, erguendo uma sobrancelha, “E algumas doações para a igreja”.

 

“Podemos colaborar com a causa um pouco mais, madre”, insinua-se Lian.

 

“Ah, então seus corações vieram com a ideia de regatear pela vida dela?”

 

“Não é o que eu quis dizer, madre...”, tenta corrigir Lian.

 

“Não importa. Eu não negaria uma doação de coração aberto. Poucas coisas são tão valiosas quanto tocar um coração.”

 

“A Ordem da Cruz Solar”, pronuncia-se Alan. “Temos informações de que o cardeal Amoch enviara tropas da Cruz Solar para Sildalar, a fim de golpear a operação dos Filhos de Kargath.”

 

A mulher parece interessada, conforme Alan explica sem muitos detalhes o que esperavam, uma intervenção da Ordem, que a informante confirma que não aconteceu. Durante todo esse período, Katherine parece consternada, nervosa.

 

“E falo com propriedade. Se alguém teria visto os cavaleiros escarlates da Cruz Solar na cidade, seriam meus meninos e meninas. Agradeço o aviso. E irei lhes ajudar”, ela joga os cabelos para trás, e então sua expressão mudar, tornando-se mais firme, vingativa, “Mas com uma condição. Irão fazer a operação de Danny sangrar”.

 

“Pude notar uma inimizade, falando com o Madre de fora”, adiciona Eric.

 

“Ele se chamou de Madre de novo?”

 

“Sempre”

 

“Hmph. Há sim. Danny é um dos piores tipos de monstros aproveitadores que há. Mais de um homem e mulher da noite desapareceu de seu posto de trabalho para ser visto pela última vez nos navios escravistas de Garreau. Há sangue ruim entre nós a tempo o suficiente. Desejo que lhe aflijam grande, grande dor...”

 

Faz-se um silêncio, enquanto os presentes parecem sorver o ódio da mulher, até Alan se pronunciar.

 

“Uma doação para a igreja, um favor a ser nomeado, e sangrar a operação de Garreau. Parece justo.”

 

“Foi um prazer negociar contigo, Madre Jeaninne”, adiciona Verner.

 

“Ah meu caro, com prazer é mais caro...”

 

***

 

Jeaninne lhes entregara a informação que precisava, alguns dos redutos das operações de Garreau. Trabalho abusivo em produção de Gosma de Peixe, venda de Lágrima, uma droga local, exportação de ingredientes ilícitos e, ainda, tráfico humano. Mais de um líder de gangue e estabelecimento local está dentro de sua lista de pagamento ou debaixo da ameaça de sua sombra, mas o centro de suas operações é um armazem nas docas, uma construção grande que se disfarça de armazém e estaleiro para seus navios mercantes, bem como o local de preparo de sua Gosma de Peixe, mas que de acordo com Madre Jeaninne também esconde o local onde os escravos são mantidos em cativeiro antes de serem mandados para além mar.

 

É no caminho para lá que eventualmente consideram-se seguros e afastados o suficiente de ouvidos curiosos, para questionar Katherine.

 

“O que acontecera, Sera Katherine?”, indaga Lian.

 

“É a Ordem da Cruz Solar, Ser Calhart. Em minha peregrinação por terra passei por locais sagrados e estradas frequentadas por peregrinos. Em uma fazenda onde passei uma noite, o bom povo simples que me acolhera alertou-me que as estradas poderiam estar perigosas” ela diz, olhando para Alan. “Disseram-me que Elmos Escarlates da Cruz Solar haviam passado pela vila, informando à população sobre um bando de foras-da-lei perigosos que estavam atrás.”

 

Alan cerra os olhos.

 

“A descrição batia convosco, e com tuas tropas, Comandante.”

 

“O cardeal nos traira?”, rosna Verner. “Colocara teus cães atrás de nós? Mas com qual propósito?”

 

“Sabemos a verdadeira situação da princesa; e tal informação pode complicar qualquer que seja seu plano”, diz baixo Lian. “Karissa...”

 

“Não creio que o seja. Que vantagem teria o Cardeal em deixar-nos partir, caso tencionasse causar-nos mal?”, ergue Eric.

 

“A boa-vontade, ou ao menos a não-interferência da Princesa Valerie e dos Guardas do Dragão, certamente”, adiciona Katherine. “Vós sois perigosos pelo que sabeis, e pela confiança que nossa Majestade Real Valerie tem por vós. Agir contra vós perante a Princesa poderia fazer com que perdesse qualquer boa vontade para com ela...”. Sua voz torna-se mais baixa, mais sombria. “Mas se desaparecêssemos em viagem, em tempos de estradas tão perigosas, e especialmente perseguidos...”

 

“Pelos Filhos de Kargath”, complementa Verner.

 

“Que são nosso foco agora. Discutir por que homens da Cruz Solar nos querem mal poderá ser feito pela manhã. Mas a senhorita Rose-Marrie talvez não tenha tanto tempo”, dispensa Alan.

 

***

 

O armazém de Garreau é grande e pouco iluminado, quando chegam madrugada adentro nela. Uma observação rápida não revela nenhuma porta ou janela adicional além da entrada central, o que não é nem um pouco incomum para um armazém desses. A porta da frente é grande e dupla, fechada por uma corrente presa com cadeado. Uma rápida investigação de Katherine lhes revela que uma excelente entrada seria pela água; caso fossem capazes de adentrar pela lado estaleiro do barracão, não teriam de abrir a porta principal, assim chamando atenção.

 

E assim o fazem, deixando armaduras mais pesadas para trás, e nadando por baixo das pesadas portas. Dentro, o local cheira a água parada que vem de dois navios ancorados no estaleiro. Pilhas e mais pilhas de caixas grandes, bem como barris de tamanhos diversos completam o visual do ambiente escuro.

 

Saem da água em silêncio, mas o primeiro que se faz notar não é humano, e sim um demoníaco monstro que mistura um lobo negro com galhadas esfumaçadas de cervo, além de olhos negros como a noite. Um não mais humano Verner move-se em silêncio, e seus sentidos que perfuram além do véu notam mais do que seus companheiros são capazes de fazê-lo.

 

O demônio Verner consegue ouvir respirações. Não exatamente ele ouve, pois o véu é repleto de sussurros, tanto quanto ele as sente. Para o feiticeiro, é como se a luz da vida e a respiração de pessoas presentes fosse a distante presença de pássaros em uma floresta. Enquanto a sensação seria confusa para uma pessoa normal, Verner é tudo menos normal, e logo ele entende que talvez uma dúzia de pessoas estão espalhados pelo armazém, preparados em emboscada.

 

Perante a situação, rapidamente montam um plano, e Alan convoca neblina que sobe da água, um véu grosso e cinza que rapidamente domina todo o ambiente. As pessoas ocultas logo notam a presença de um feiticeiro, e lanternas se acendem à frente no armazém.

 

“Amigos de Rose-Marrie, huh?”, diz alto uma voz que vem da frente. “Tragam-na!”, ordena então, e um grito baixo feminino pode ser ouvido. “É melhor que não tentem nada, ou essa aqui perderá pedaços.”

 

Enquanto os outros se entreolham, o heroico Eric reage, correndo em meio à neblina e escuridão em direção às vozes. Mas sem enxergar o caminho, ele choca-se contra um grupo de rufiões que o joga ao chão e tenta mantê-lo preso. Uma deles aponta um florete para sua garganta, o rendendo, mas o jovem tenta reagir com um feitiço, convocando retaliação.

 

O que ocorre é rápido, pois a lâmina afiada atravessa o pescoço de Eric, sendo pouco desviada de sua medula pela magia protetiva. A neblina se abre o suficiente para revelar o grupo de três rufiões com Eric ao chão, e uma flecha de Katherine corta o ambiente mal-iluminado para cravar-se no flanco da algoz de Eric, que vai ao chão com um grito de dor. Aquele que colocava-se sobre Eric saca uma machadinha, tentando o ameaçar, mas outra flecha acerta sua arma e a faz voar para longe, antes de Lian, Verner e Alan saírem da neblina.

 

“Fique com sua ferida, e ficamos com o nosso”, ordena Katherine, que lhe aponta uma flecha.

 

Perante os gritos de dor de sua companheira, o homem sabiamente aceita a troca ofertada, e os três afastam-se de Eric e dirigem-se para a luz em meio a neblina.

 

Conforme sangue escorre de seu pescoço, o ferido Eric segue seu treinamento. Apesar de tremendo e entrando em choque, ele tenta alcançar um frasco em sua cintura, com mãos trêmulas, enquanto Verner o estabiliza.

 

“Vá. Eu cuido do infante tolo”, diz o selvagem para Alan. “Tu, me ajude”, ordena então Lian, que se abaixa para ajudar a manter Eric estável. “Tolo, tolo. Muito tolo.”

 

Eric, por sua vez, precisa manter sua concentração. Sua consciência ameaça esvair-se, e os sussurros e vozes que feiticeiros aprendem a ignorar lhe oferecem ajuda, e até mesmo poder para resolver isso. Alguns lhe imploram para que faça algo e salve Rose-Marrie. Focando-se na dor física que sente, ele crua os olhos com Verner e assente com a cabeça.

 

***

 

O rosnado e grito de dor de Eric preenche o ambiente, conforme o cavaleiro negro aproxima-se da luz e dissipa a neblina à sua frente. Com a mão à espada na cintura, ele fita observa três lanternas acesas a frente que revelam um grupo de homens e mulheres, uma mistura de rufiões, soldados e durões locais, que acompanham um homem de meia idade, vestindo cota de malha e com uma expressão suave mas cansada em seu rosto. Há talvez uma dúzia de homens ali, que rapidamente se posicionam conforme todos sacam suas armas para Alan. Ao chão há também uma amarrada Rose-Marrie. Ela parece ter sido surrada e sofrido de interrogatório violento pelo estado dos diversos hematomas em seu corpo e rosto.

 

“Nem mais um passo a frente. Eu prefiro me manter cauteloso com tipos com sua fama, cavaleiro negro”, diz o homem em malha, segurando uma espada com a ponta virada para o chão.

 

“Me desculpem...”, murmura Rose-Marrie do chão, mantendo-se consciente.

 

“Como eu disse, eis seus amigos na ponta da espada, Rose-Marrie”, ele diz para a jovem, seu tom muito mais feroz e imperioso. “Agora talvez me responda onde está a pedra?”

 

“Me perdoem...”, ela murmura entre suspiros.

 

“Não fale nada, Rose-Marrie”, rosna Alan. “Viemos aqui para negociar.”

 

“Ah, vieram?”, ele responde Alan, e então se vira para Rose-Marrie. “Negociar, perante a mira de seis bestas? Não é belo Rose-Marrie?”

 

“Danny, não, por favor... por favor...”, ela tenta implorar.

 

“Não vai falar!? Talvez isso mude sua opinião?”.

 

Outro grupo de bandidos vem de um canto do armazém e trás um senhor de cabelos brancos, também amarrado e por sua vez amordaçado. O homem é jogado de joelhos por um homem grande, de aparência dura e com cabelos em moicano, que encontra um machado é encostado em seu ombro. Rose-Marrie parece abalada ao vê-lo, e o homem fixa os olhos nela, freneticamente fazendo gestos negativos com a cabeça.

 

“Diga onde está a pedra, Rose-Marrie!”, esbraveja Garreau pegando Rose-Marrie pelos cabelos. “Diga ou eu matarei primeiro Dion, e então todos seus amigos. Diga. Onde está. A pedra!”

 

“Cesse!”, ordena Alan. “Se tocar novamente na garota, terá de lidar com minha ira!”

 

“NÃO!”, ainda tenta gritar Rose-Marrie, mas Garreau é rápido, e gesticula para um de seus homens, que sem aviso dispara contra o peito de Alan. O cavaleiro negro não tem tempo para reagir, mas a neblina repleta de espíritos reage por ele, se fechando à sua volta e atrapalhando a mira de seu algoz. Ainda assim o virote é disparado, acertando o ombro do cavaleiro negro e o mandando ao chão.

 

Quando a neblina se abre, protegendo seu corpo está Lian, espada sacada.

 

“Lian, não... não não não...”, choraminga Rose-Marrie, a violência que sofrera e a agressividade de Garreau tendo lhe quebrado psicologicamente.

 

“Lady Rose. Tente acalmar-te!”, ordena Lian.

 

“Me perdoe, me perdoe”, ela repete, praticamente insensata.

 

“Rose-Marrie! Me ouça. Diga onde a pedra está”, Lian diz, cerrando os dentes, conforme Alan se levanta e arranca o virote do ombro.

 

“...não...”

 

“Rose-Marrie. Vivamos para lutar outro dia. Tua segurança e de teu mestre são mais importantes agora.”

 

O mafioso puxa um punhal da cintura, e o encosta em Rose-Marrie, a pressionando. “Fale onde está a pedra, ou eu vou começar a lhe cortar pedaços!” ele berra, batendo a cabeça da garota contra o chão. Notando que a garota está insensata, Garreau olha para seus homens, tensos, e então se vira para Lian, que cerra os dentes. “Muito bem. Comecem com ele então!”

 

 “Eu falo!”, grita a garota, interrompendo o que seria o início de uma luta sangrenta e incerta. “Não ataquem! Eu falo!”

 

A tensão não explode, as pessoas param de se encarar e observam a garota.

 

“...eu escondi a pedra... na mochila de Lian...”, diz, surpreendendo os presentes, especialmente o próprio Lian. “Me desculpe Lian...”, adiciona.

 

“Muito bem homem, a pedra. Devagar, e sem gracinhas.”

 

Incrédulo, o guerreiro se ajoelha e revira a mochila. Perto do fundo dela, enrolada entre algumas roupas e mantas, ele encontra um volume envolto em camurça delicada. Quando se ergue ele tem um cristal semelhante ao do cardeal em suas mãos, uma verdadeira orbe um pouco maior do que um punho fechado, do mais puro azul safira, que reflete o azul de seus confusos olhos.

 

Caído ao chão, o velho Dion abaixa a cabeça em derrota.

 

Madre Jeaninne

 

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