Sessão 02
Cidade de Wayfalls - Nigallin - Rei 7 de 588E
Wayfalls é uma cidade mercante a meio caminho entre Nigallin e Doleris, governada pela condessa Luca Brillon, e a maioria dos produtos saindo de um território e indo a outro passam pela cidade. Não apenas uma encruzilhada de estradas é também o ponto onde dois rios locais importantes se unem, um ponto natural para o comércio.
Uma cidade grande e não-murada, Wayfalls tem um distrito comercial grandioso, mas uma igualmente imponente região pobre, que se espalha em seus arredores com chãos de barro e casebres de madeira rústica.
O plano proposto por Lian é de se disfarçarem como soldados mercenários jovens em busca de se unir à brigada. Ao chegar em Wayfalls também se separam de suas armas e armaduras, deixadas com Marjorie, de beleza excessivamente requintada para se passar por soldada plebeia, que cuidará delas e não se disfarçará, trocadas por armas mais simples e armaduras básicas de couro e tecido acolchoado.
Desconfortáveis com a sujeira tanto das armaduras quanto do ambiente, eles se infiltram nas regiões pobres da cidade, tentando se misturar à população local e conseguindo informações onde podem. Acabam por parar em um salão de alimentação, O Machado Quebrado, onde desfrutam de uma nojenta refeição de galo duro, feijão com carne, e batatas mal-assadas, acompanhada por um vinho tão pobre que poderia mendigar na rua. Ao menos conseguem alguma informação menor, entre os diversos boatos lhes é recomendado tomar cuidado pois os nobres tem espiões na brigada, o que lhes dá uma ideia.
Os cadetes criam um plano complexo, mas que pode surtir resultados: Pretendem “expor” Hector como um agente nobre tentando se infiltrar entre a brigada, e fazer um caso publicamente, talvez assim angariando confiança de algum agente da brigada. O caso que criam tanto funciona que uma rara patrulha da Guarda da cidade os acosta. Enquanto os cadetes não desejam conflito com a guarda, tampouco podem quebrar seu disfarce, o que os leva a um embate com os milicianos. Apesar de não portarem armas de guerra decentes, o treinamento de anos dos cadetes mostra diferença perante os simples milicianos, e sua agressividade e determinação logo os bota para correr.
Boa parte do dia se passa, com eles visitando a região das docas antes de serem direcionados ao Beco Lamacento, uma vizinhança bastante pobre, onde supostamente poderão encontrar gente da Brigada. Quando chegam lá podem notar que a informação era verdadeira, pelo menos meia-dúzia de homens e mulheres mal-encarados mais ou menos se disfarçam como se fazendo algo mais, mas de fato de olho em problemas: Um homem sentado em um teto e olhando “longe” disfarça mal uma besta em seu colo; um homem e uma mulher em um beco observam de braços cruzados a rua, usando armaduras acolchoadas e preparados para lidar com problemas.
Mas o principal detalhe a se notar é um grupo de três homens com cara de mercenários, os quais tinham visto no Machado Quebrado, discutem, ou melhor, defendem-se, das acusações de um quarto homem. O homem é loiro e possui uma aparência dura e honrada, mas acima de tudo usa uma longa capa de viagem verde para mais ou menos esconder uma armadura completa de placas que usa por debaixo. Verdade que sua armadura estava gasta e fora testemunha de muitas batalhas, mas isso não retira a incongruência de tal equipamento com o cenário local.
“Diga-me! Eu não irei perguntar novamente!”, esbraveja ameaçadoramente o homem de armadura, segurando um dos mercenários pelo colarinho, preparando-se para sacar sua espada.
“Tudo bem! O Ermo! Eles”, e é interrompido pela chegada dos cadetes. Seria apenas a interrupção de uma discussão frente a chegada de estranhos, mas o cavaleiro de olhos verdes fita Lian, que ao mesmo tempo o encara. E ambos se reconhecem.
Lian reconhece o homem como Algus Bertson, o próprio comandante da Brigada dos Homens Mortos. A Brigada é um tipo de triunvirato, mas Bertson foi comandante das Tropas Livres de Nigallin, uma força composta por soldados plebeus durante a Guerra dos 50 Anos, a qual se dissolveu sem pagamento ao fim da guerra e de onde muitos da Brigada dos Homens Mortos vieram.
“É Lian Calhart! As Lâminas Gêmeas estão aqui. Acabem com eles!”, esbraveja Algus, que rapidamente se retira das premissas, deixando os soldados da Brigada convergirem sobre os cadetes.
A luta que se segue é caótica para ambos os lados. Lian ordena Elizabeth à perseguir o comandante, e a rápida batedora o faz com eficácia, saltando por sobre barris e caixas e correndo à toda velocidade através dos becos enlameados conforme indicado no nome, atrás do cavaleiro, e logo é seguida por Ian que solicitara a Lian para acompanha-la.
A retirada, porém, não ocorre corretamente, pois primeiro o amarrado Hector, e então o cuidadoso Fernando, e a impulsiva Mildred tem ideias diferentes, não seguindo o plano de seu comandante e um a cada vez ficando para ajudar contra os experientes homens da brigada. O líder dos bandidos, o homem careca que era sacudido por Algus, é um soldado experiente, e junto de seus aliados faz pouco caso da investida combinada dos cadetes, invertendo a maré da batalha contra eles. É apenas com muito custo que os cadetes conseguem se recompor e expulsar os últimos homens, antes de colocar-se em fuga antes que reforços ou aliados da brigada os alcancem.
“Satisfeita?”, pergunta Fernando, que oferece apoio para Hector para que corram dali.
“Ah, mas não antes de levar uma lembrança”, responde Mildred, indo até uma moça na lama, e erguendo seu rosto pelos cabelos. A mulher está viva, apenas com ferimentos superficiais. “Eu guardei essa vadia para mais tarde. Temos onde conseguir informação agora”, diz, com um sorriso maldoso estampado no rosto ensanguentado e enlameado.
Correndo pelos becos enquanto grita para que seus companheiros o sigam, Lian procura um caminho que os leve o mais rapidamente possível para longe dessa região onde mal-encarados e gangues podem acostá-los, e onde uma faca nas costas pode por fim à vida de um cadete treinado. Ele passa correndo por três homens que logo notam o que estava acontecendo, mas que são surpreendidos por uma Mildred e Hector logo atrás, que arremessam sobre eles barris com restos de peixe e os confundem por instantes o suficiente para que fujam. O próprio Lian seria surpreendido por um homem portanto uma Dirk longa, mas o homem sofre um encontrão de Reiny, e em seguida dois impiedosos golpes rápidos no peito lhe tiram a vida.
“Meus parabéns Reiny, bela defesa”, parabeniza Lian, aproximando-se do amigo de batalha.
“Não foi nada milorde”, responder Reiny. “Não foi nada, e além do mais ele nunca teria conseguido vencê-lo num duelo de verdade.”
“Precisamos ir”, interrompe Hector, com muito bom-senso, mas com pouco fôlego. “...antes que mais cheguem... milorde.”
***
Cidade de Wayfalls - Nigallin - Rei 7 de 588E
“Elizabeth! Mais devagar!”, gritava Ian, correndo com dificuldade por entre os becos, tentando não perder a colega de vista. “Vorel!”, repetia, em vão.
À frente, Elizabeth tentava não perder o rastro da capa verde. Por vezes não sabia qual rumo o cavaleiro tinha tomado, e olhava para os lados tentando encontra-lo, e daí notava uma caixa ou barril caído, ou uma pessoa que se levantava tendo sido empurrada, e retomava a disparada.
Em um beco escuro, sabatões gastos giravam nos calcanhares, voltando-se para onde vieram. De debaixo de uma capa verde gasta e molhada, uma espada longa e de lâmina negra é sacada. A ponta ebânea espada faísca em eletricidade.
Ian apenas consegue ver Elizabeth virar à esquerda em um beco, e então imediatamente presencia o audível rasgar do ar e flash de luz causado por um relâmpago, conforme o cavaleiro desfere um único golpe em arco carregado com eletricidade que manda Elizabeth ao ar.
“Elizabeth!!!”
***
Cidade de Wayfalls - Nigallin - Rei 7 de 588E
“Nós sabemos que tu és da Brigada, não adianta fingir”, rosnava Reiny Pyle, para a capturada membro da Brigada. A mulher estava de joelhos, com os pulsos amarrados atrás do corpo, enquanto os cadetes a cercavam, impassíveis. O local era um casebre da parte pobre da cidade, pouco mais que uma choupana de chão batido, a muito abandonada, provavelmente com seus moradores tendo morrido na Guerra ou pela Peste.
“Fale logo. O que fizeram com o marques?”, ele se impacientava. “Onde estão escondendo ele? Você estava com seu comandante Algus; para onde ele foi?”, bufou, e então estralou os dedos. “Talvez uma surra solte sua língua, então?”, disse por fim, acertando um soco de direita no rosto da prisioneira, a fazendo cair de lado em um gemido. Sem perder tempo ele a pega pelos cabelos e a coloca de joelho novamente, preparando outro golpe.
“Basta, Reiny”, interrompe Lian. “Não precisa de tanto.”
“E por que não?”, rosnou Mildred. “Ela é uma sangue ruim, faria o mesmo conosco se tivesse a chance”.
“Essa não é a atitude de um bom Aleniano”, responde Fernando, consternado com a selvageria de seus colegas, mas mais preocupado com Elizabeth, deitada sobre uma cama e com um pesado curativo sobre o peito, recebendo as menores e mais cuidadosas doses de magia regenerativa.
“Lian tem razão”, responde Marjorie, que os encontrara, antes de se abaixar perto da moça com seu cantil. Ele lhe oferece um pouco de água, a qual ela usa para impar a boca e cuspir o sangue.
“Me toma por uma garotinha de olhos brilhantes, filhote?”, rosna a moça, corajosa de fato, mas mínima perante o vasto cadete. “De fato considera que comprarás minha amizade oferecendo-me água?”
Ian posicionava-se de guarda na janela de madeira fechada, espiando o lado de fora e mantendo-se fora da discussão. Reiny se aproxima de novo da moça.
“Ouça bem, uma vasta hoste junta-se conforme conversamos, com os guardas de honra do duque os encabeçando, hoste que está pronta para varrer do mapa sua Brigada”, ele fala em uma mistura de sorriso e rosnado “Vós morrereis. Vós sereis caçados e abatidos como os porcos que são, pois essa é a recompensa de um bandido. Mas tu, suína, tu és sortuda: Conte-nos o que desejamos saber, e tu poderá manter teu bacon de bandido”. Continuou então, pausadamente. “Então: Onde. Está. Algus?”
“Por que diabos eu saberia?”, ela responde, desafiadora, e Reiny reage se movendo até ela e lhe acertando uma joelhada queixo acima, sua brutalidade física arremessando-a para trás.
“Eu não admitirei vossa língua suja, bandida!”, grita Reiny, lhe apontando o dedo indicador. “Aprenda a segurá-la dentro de vossa boca, ou serei obrigado a separar-te dela!”
“Chega, Pyle!”, Lian se coloca entre os dois. “Tu estás deveras exaltado para realizar tal interrogatório. Não faz-se necessário tratá-la de tal forma. Olhe em seus olhos; ela nos odeia com todas suas forças!”.
“E a recíproca é verdadeira!”, rosna Mildred, ao lado do irmão que evita se posicionar.
“Isso tem de parar. A brigada será derrotada. Atitudes como essa apenas pioram a situação”.
“É uma sangue-ruim Lian, não merece vossos cuidados”, reprime Reiny, desgostoso.
“Basta. O próximo que relar um dedo na prisioneira, há de se ver comigo”, se interpõe Hector, que próximo de Elizabeth limpava seu próprio ferimento.
“...eu... não sou... bandida...”, disse a mulher, sendo colocada de joelhos novamente.
“Não? Diga isso aos homens que assaltaram e mataram nas estradas!”, rosna Mildred.
“Hmph”, a mulher cospe sangue ao chão. “Vós nobres sois todos iguais. Acham que todo homem nascido fora das muralhas de um castelo é menos que humano. Nós lutamos por esse reino arriscando nossas vidas”, pausa, pegando ar “Eu lutei nessa guerra mais anos do que vocês estudaram em vossa preciosa academia. E no momento em que a guerra acabou... vocês nos jogam às ruas”. Encontra então, a força para encará-los nos olhos, seu espírito desafiador, mesmo que apenas às beiras da consciência. “Por que acham que sois especiais? Nascimento? Sangue? Que diferença isso faz?”
“Vós sequestrai homens por recompensa em dinheiro e ainda ousas comparar-te a nós?”, diz Reiny de seu canto, claramente enojado.
“Não! O sequestro do marquês não foi plano de Algus. Ele jamais mancharia sua honra de tal forma”.
“Então diga-nos. Se não o comandante Algus, então quem o planejou? Se não ti, quem é o responsável por tal ato?”, pergunta Lian. A mulher porém se mantêm em silêncio. “Ainda é tempo de fazer as coisas diferente. A hoste que ele mencionou é real. Não permite que teus companheiros morram em desonra pelos atos de poucos. Diga-nos o que precisamos saber, e limpe vossa honra!”
Perante à negativa da mulher, Marjorie, ainda abaixada ao lado retira um anel da mão, e oferece para a mulher.
“Eu entendo que Algus não faria algo assim. Eu entendo que nem todos da Brigada pensam iguais. Eu quero que você entenda que nem todos entre nós somos iguais também. Nem todos nos consideramos especiais. O mundo foi injusto contigo, mas permita-me tentar reparar o que posso. Tome meu Sinete. Vá às terras de minha família. Lhe entregarei dinheiro para a viagem, bem como uma carta; com ela ninguém lhe acostará. Eu te ofereço uma posição como parte de minha Comitiva em Armas. Permita-me lhe pagar por seus serviços. Me dê uma chance de mostrar que não somos todos iguais, e prometo que cuidarei de ti, como um Nobre deveria fazê-lo.”
Conforme fecha a mão da mulher em volta do sinete, a maga de guerra mantem os olhos firmes sobre a mulher, que logo lacrimeja. Não emocionada, mas sim exaurida e quebrada tanto física quanto emocionalmente, a mulher tenta se manter firme. “Eu..”, tenta dizer.
“Não me deves nada. Quem deve à ti somos nós, teus governantes”, responde a bela Marjorie.
A mulher suspira, e após alguns instantes diz, como se um peso lhe fosse tirado dos ombros. “...foi Garnold...”
“Garnold Amon, tenente-comandante da Brigada”, diz Ian, virando-se para a sala e pronunciando-se pela primeira vez.
“Então FOI de fato a Brigada que tomou de assalto o marquês”, diz, enojado, Reiny, que logo desvia os olhos perante o olhar fulminante e irado da bela Marjorie.
“Não. Nós não somos como Garnold. Nós lutamos para acabar com a aristocracia, não para nos tornarmos ela. Nós queremos ser tratados como iguais; como os homens de honra que somos.”
“Então, onde se encontra o tenente-comandante?”, pronuncia-se o imenso Hector, silenciando os demais. A prisioneira de primeiro fica em silêncio, mas é incentivada pelo olhar de Marjorie a dizer.
“...ele iria para o Covil da Marmota Parda...”, diz, por fim.
“Marmota parda? Onde demônios localizaria-se isso?”, xinga Reiny, o que faz Elizabeth, mesmo ferida, rolar os olhos.
“O Ermo de Savis. É uma espécie nativa da região. Alguns Selvagens viviam em vilas ao redor do Ermo. Não é longe das terras de minha família”, responde Fernando, relembrando-se de seu conhecimento da região.
“Certamente que os encontraremos lá”, concorda Mildred.
“E poderia lhes perguntar como têm tanta certeza?”, indaga um incerto Reiny, provocando sorrisos largos dos gêmeos.
“Tu não és de Nigallin, não saberia, mas os Selvagens chamavam suas casas de Tocas, ou, Covis”, diz Ian de seu canto.
“Pois bem, precisamos repassar essa informação para a Ordem”, ordena Lian, ao passo que todos começam a se preparar. Ian lhe lança um olhar de dúvida.
“Um momento à sós, milorde?”, diz Ian, dirigindo-se para fora.
Os dois jovens deixam os outros dentro da pequena choupana e conversam na garoa lá fora.
“Eu não acredito que essa decisão seja de todo sábia, Lian”, diz baixo Ian, se esforçando para não questionar a autoridade do amigo de infância.
“E por que o diz, Ian?”
“O regresso à Blackfen levaria um dia ou mais. Uma viagem às terras dos Belsrow demoraria talvez dois, a não ser que tivéssemos cavalos alados ou dragões.”
“Se a Brigada deseja um resgate por lorde Darney, não penso que um dia faria com que o executassem”, questiona Lian.
“Não é isso que penso, Milorde. Elizabeth... não capturou Algus. Eu acredito que o comandante esteja tomando rumo às terras dos Belsrow...”
“...e Algus também não tem cavalos alados nem dragões”, completa Lian. “As vezes tu és mais sábio do que eu, meu amigo.”
“É meu trabalho, milorde.”
***
Os Ermos de Savis é uma região de planalto árido. Distante do litoral Sul, a região se estende para nordeste até onde vai a vista, marcando o fim do território de Eimland e o início das terras bárbaras. A região é conhecida pelas suas colinas áridas, riachos e bosques muito esparsos, vegetação dura e, mais importante, pelas diversas construções religiosas de pedra deixadas pelos povos antigos, que em alguns lugares marcam o ermo como dentes pagãos saindo da terra seca.
A viagem toma dos cadetes alguns dias em ritmo semi-acelerado. Sua viagem os leva por territórios onde a investida das Lâminas Gêmeas já é observável, redutos e esconderijos onde a Brigada escondia seus soldados plebeus que foram levados ao chão pelo poderio das armas nobres. Por todo o Território mais batalhas desse tipo eram travadas, nesses dias que seriam cruciais para o desmantelamento das forças principais do exército da Brigada.
Passaram e descansaram nas terras dos Belsrow antes de seguirem mais rumo à nordeste, para os arredores dos ermos. As vilas em que procuram sinais de ocupação dificilmente poderiam ser chamadas como tal, porém. Construídas da pedra da região, ou ainda com a madeira rústica local, as casas são simples, e em um estilo diferente das terras civilizadas, mas chamar seu aglomerado de “vila” é um grande elogio; os locais estão abandonados a tempos, as casas sem tetos, paredes ou ambos, pouco mais do que ruínas abandonadas.
Eventualmente aproximam-se da terceira vila, já é entardecer e estão cansados, mas seguem o mesmo protocolo das outras vezes; descem de seus cavalos e se aproximam subindo uma colina, a fim de evitar chamar a atenção quando, para sua surpresa, de fato encontram sinais de vida ali. Jogam-se entre a vegetação rústica quando ouvem vozes falando colina acima.
“Então ouviste? Sobre a Ordem? Eles tencionam acabar conosco de vez, ao que parece”, diz uma voz feminina.
“Huh-huh, eu ouvi. E o que será de nós?”, diz um homem, que aparece à vista dos cadetes na beira da colina, que abre a frente de suas calças e alivia-se no barranco descente.
“Eu digo para esquecermos essa guerra e fugirmos. Não há nada para nós aqui”
“Tu tens razão. Algus há de nos levar apenas para nossas tumbas...”
“Isso é bastante claro. Mas se Deus permitir o resgate do marquês será o suficiente para que possamos deixar essa vida e partir para sempre”, responde a voz feminina quando o homem termina, também indo para a borda da colina e observando o por do sol ao longe.
“E para onde tu pretende ir?”
“Sul. Para longe dessa terra abandonada por Deus. Além dos mares talvez. Começar uma nova vida.”
“Filhos?”
“É. O Criador não tiraria de mim novamente, não é mesmo?”
Enquanto conversavam, Hector e Elizabeth tomavam rumo colina a cima, arrastando-se por entre a vegetação.
“É bom ac...” começa mas para o homem, ao observar entre a vegetação os cadetes. “A Ordem... eles estão aqui! Avisem ao comandante!”, ele grita, sacando as armas e preparando-se para uma luta.
Os oponentes, apesar de numerosos, são pegos de surpresa. Dois besteiros, dois soldados e um lanceiro em armadura leve, junto do homem que se aliviava, com armadura pesada e os liderando em combate, fazem frente aos cadetes, observados por talvez mais uma meia-dúzia, ferida ou cansada, que os assiste apreensiva de dentro das ruínas, sem se envolver no combate.
Os cadetes precisam subir a colina com esforço, dando vantagem aos oponentes em terreno elevado, mas pouco a pouco vão ganhando terreno e derrubando seu adversários, sua técnica e treinamento superiores servindo como alavanca contra os soldados da Brigada. Encontram um desafio à altura no líder dos oponentes, um soldados experiente que sabe como contra-atacar a maioria dos truques lançados pelos cadetes.
Enquanto recua ele ordena que os outros se retirem, e tenta proteger a porta de uma casa maior e em melhor estado, talvez um salão comunal ou templo antigamente. “A Ordem está aqui, senhor!”, “Eles estão ganhando território!”, “Comandante, a Ordem! Ponham as diferenças de lado!”, gritava, conforme lutava, mas eventualmente um poderoso golpe de Reiny conecta, abrindo-lhe o peito por baixo da cota de malha e o mandando ao chão.
O embate acaba por se tornar um entre Hector e o soldado de infantaria pesada. O duelo entre os dois é algo belo de se ver, e entre golpes e aparos os dois eventualmente se veem sujos, rolando pelo chão e erguendo-se, desarmados, e obrigados a pegar as armas que o outro havia derrubado. Hector se vê com a marreta do soldado, que segura sua espada longa. Os cadetes oferecem piedade ao homem valente, lhe permitindo fugir sem perseguição, e após uma tensa e silenciosa troca de armas, o homem parte.
“Meu nome é Grendell. Nós nunca nos veremos novamente”, promete, antes de deixa-los.
Lian se aproxima do soldado moribundo golpeado por Reiny. “Te vejo no inferno... cão nobre”, rosna para ele o soldado, dentes manchados de sangue e ódio no olhar. “Afogue-se em sangue então”, diz um enojado Lian, que logo recebe um olhar mortal de Ian. O cadete fita seu amigo por alguns instantes antes de sacar rapidamente sua espada e em um golpe certeiro no coração terminar o sofrimento do inimigo. Os dois não trocam nenhuma palavra e apenas se olham, enquanto aqueles que apenas observavam debandam, fugindo colinas abaixo à pé ou a cavalo. Ao longe dá para notar que a maioria está de alguma forma ferida. Os dois amigos são interrompidos então pelos gritos de Marjorie e Fernando vindos de dentro da casa comunal.
“Calhart, tem alguma coisa acontecendo aqui!”, gritava Marjorie chamando a atenção do grupo.
Dentro da casa era possível ouvir sons de duelo vindo do porão, vindos de uma escada que levava para baixo. Os sons eram de espadas se batendo, até serem silenciados por um gemido e um baque.
Descendendo as escadas, os cadetes terminam em uma extensão do porão onde veem a figura do marquês Bartholomeu, capturado, ferido e exausto, acorrentado à parede por pesados grilhões, bem como um soldado em armadura de couro, e um cavaleiro sentado, ambos mortos recentemente. Por fim, no centro da sala, com armadura respingada de sangue e espada apontada para o grupo, estava o Comandante Algus, seu olhar firme para o grupo que se armava.
“Nem um passo”, dizia Algus.
“Como ousa nos ameaçar, plebeu?”, rosnava Reiny, que tencionava sacar a arma mas era interrompido por Lian.
“O marquês está a salvo. Vocês estão livres para levá-lo de volta para a Ordem”, responde em voz calma, mas firme, Algus, direcionado à Lian.
“E o que deseja em troca?”, diz sério Lian.
“De certo estás a gozar. Ele não está em posição de parolar”, exclama Mildred.
“O sequestro do marquês foi um ato mal-concebido. Tais métodos covardes não fazem jus à nossa organização. Deixem-me partir, e poderão tê-lo, são e salvo. Uma barganha justa”, respondia o capitão, ainda com espada encantada em punho.
Reiny preparava-se para dizer algo, mas é interrompido por Ian. “Basta Reiny, ele diz a verdade.”
“Está livre para ir, comandante”, responde Lian.
“Por que não acabamos com isso aqui Lian?”, pergunta Reiny, a contragosto abrindo caminho para o comandante.
“A Brigada está acabada de um jeito ou de outro. Além disso não há nada a ser ganho com um embate aqui.”
O grupo e o comandante se circulam, lentamente trocando de lado na sala. Mildred esboça uma reação quando os dedos passam sobre uma faca de arremesso, mas ela para, sua honra falando mais alto.
O comandante da Brigada foge então, enquanto os cadetes libertam um cansado Príncipe de Mithril de seus grilhões, que lhes agradece profusamente e informa que a Ordem do Grifo estará a disposição da Ordem das Lâminas Gêmeas para acabar com essa ameaça. Mesmo exausto, o homem pede para ser levado com celeridade para Blackfen.
Betholomeu Darney, o "príncipe de Mithril"