Anjo Salvador - 03  

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 Sessão 03

Mansão Calhart, Cidade de Nigallin - Nigallin - Rei 14 de 588E

 

“Que tipo de loucura possuiste a vós para abandonar vossa posição a fim de fazer uma viagem ao deserto???”, esbravejava Lord Vincent Calhart especialmente para Lian, mas também para todos os outros cadetes ali presentes. Faz-se silêncio na sala. “Essa não é a resposta que eu procuro. Fale, e seja rápido”, completava.

“Lorde irmão, tencionávamos apenas ajudar...” começa a responder Lian, que logo é interrompido pelo irmão.

“Posso lhe fazer uma pergunta, Lian? A que propósito servem as leis se aqueles que as defendem não se importam com elas??? Defender o governo da lei é o dever solene de um cavaleiro. Cabe a nós, como Calharts, portar o peso do exemplo”, diz ele, apontando para seus companheiros de famílias menores. “É tua intenção viver à altura de seu nome, ou arrasta-lo para a lama junto de ti???”

“Mas Lorde irmão, a vida do marquês estava em risco!”, diz rapidamente o incauto Calhart, tentando defender seus companheiros, o que provoca ainda mais a ira de seu irmão mais velho, que prepara-se para lançar-se lhe uma severa repreensão.

“Eu acredito que já disse o suficiente, não Vincent?”, diz outra voz ao entrar na sala. Com o porte de um Rei entra pelo recinto o próprio Duque Igor Volstan. Os cadetes rapidamente abaixam as cabeças perante seu lorde, inclusive Reiny, que inicialmente não sabendo quem era demora um pouco mais para fazê-lo.

“Tu não deves ignorar os fins para reclamar dos meios. O resgate do marquês não foi um feito pequeno. Homens jovens são assim, impetuosidade é a forma deles fazerem grandes feitos. Lembre-te que um dia já fomos como eles; jovens.”, completa o poderoso nobre.

“Mimá-los lhe é um desserviço, majestade”, rola os olhos Vincent.

“Então tu és o irmão mais novo de Vincent. Erga os olhos, filho de Nigallin”, diz o Duque para Lian, que prontamente o faz.

“De fato, tu és o verdadeiro fantasma de Sigrard. Teus olhos queimam com a chama dele”, diz, em um sorriso, recebendo os agradecimentos do jovem. “Tal força e vitalidade seria desperdiçada no topo das muralhas de um castelo”, completa, olhando firme para Vincent, que logo compreende o recado.

O estrategista verifica alguns papeis em sua mesa e logo volta-se para o caçula. “Nossa campanha contra a brigada aproxima-se do fim. Eu permitirei que junte-se a esse último estágio. Golpes coordenados serão feitos em diversos de seus covis em não muito tempo, tencionando esmagá-los de uma vez por todas”, respira fundo e então fixa-se nos olhos do irmão. “Tu liderarás um desses ataques. Aguarde ordens de nosso irmão. Dispensados.”

***

Os cadetes recebem recompensas de seus senhores. Primeiro, Lian poderá liderar uma das investidas dos Dias Sangrentos, os três dias principais da última investida contra a Brigada. Em segundo lugar recebem medalhas de Honra por serviços além do esperado de soldados de sua posição. Em terceiro recebem uma pequena recompensa monetária, dada pelo próprio Bartholomeu, uma pequena fortuna que indica o favor e apoio do Duque. E, finalmente, o Duque lhes informa, serão feitos em Cavaleiros tão logo a campanha acabe, uma grande honra que impulsionará sua posição e prosperidade, tão jovens que são. Com dois dias para o embate, eles se preparam. 

 

 

Duque Igor Volstan

 *** 

Os Bosques de Orgron - Nigallin - Rei 14 de 588E

Liderando uma força de perto de duas dúzias de homens montados, Lian guia seus companheiros para a batalha ao norte de Nigallin. Encurralando as forças da Brigada na velha floresta dos povos antigos, seus números superiores e o poder de seus cavalos fazem a diferença contra tropas cansadas e sem apoio.

As forças da Brigada talvez juntavam-se a três dúzias, mas a falta de equipamento, alimento, descanso e suporte adequado lhes significa imediata desvantagem. Mas uma figura se mostra diferente entre as massas de soldados. Uma cavaleira em armadura completa, lutando bravamente com uma espada mágica numa mão e uma lança na outra, lança tomada de um cavaleiro recém-derrotado, com a bandeira da Ordem manchada e parcialmente rasgada, uma visão que incita terror no coração dos inimigos, ela é Gillian Bertson, irmã de Algus Bertson, comandante da Ordem.

Mesmo ferida a guerreira luta ferozmente, enfrentando em duelo dos cavaleiros ao mesmo tempo e saindo vitoriosa. Mas mesmo toda sua bravura é incapaz de derrotar uma tropa inteira, e alvejada por três flechas é forçada para fora do campo de batalha por seus homens, que a forçam a partir em retirada junto de uma meia dúzia.

Reiny vê a oportunidade, e enquanto os cavaleiros da Ordem terminam a batalha contra os soldados rasos cavalga em direção a Lian, acenando para que vão atrás dela. O jovem Calhart aceita a sugestão do soldado de Honorest e com uma ordem rápida comanda os cadetes à partirem para trás da guerreira, seja para capturá-la ou matá-la, enquanto o resto das forças lida com o contingente maior da guarda

***

Capela dos Deuses Antigos - Os Bosques de Orgron - Nigallin - Rei 14 de 588E

Os cadetes cavalgam pelo bosque aberto, perseguindo o grupo encabeçado pela cavaleira. Algumas flechas e virotes são disparados de ambos os lados, mas o movimento acelerado, excesso de árvores e simples balançar dos cavalos garante que tais disparos sejam pouco mais do que aviso. Eventualmente porém os fugitivos dirigem-se para uma colina rochosa, uma colina que parecia ser usada de cripta pelos povos antigos, com decorações pagãs de pedra em sua base e topo. Os homens da Brigada correm colina acima, usando as pedras como cobertura e forçando atacantes pela trilha rochosa ou arriscar escalar a colina com a guarda baixa.

Vendo que os oponentes preparam bestas, Marjorie não sobe a colina com seus companheiros, mas sim joga-se atrás de uma árvore que utiliza de cobertura. A mulher risca o glifo que possui desenhado em suas mãos, e por seus olhos rapidamente fulgura uma chama ancestral. O topo da trilha então irrompe em chamas, risadas demoníacas ateando fogo às plantas e pessoas ali, bloqueando caminho daqueles que fogem, os deixando presos entre Reiny e Hector e um incêndio

“A batalha está perdida capitã. E nós estamos perdidos também!”, grita um dos homens com besta, enquanto metade dos homens fica presa do outro lado das chamas.

A ferida Gillian solta-se do homem que a puxava, e da bainha em seu cinto ela puxa uma espada máxima, de lâmina negra e com runas prateadas desenhadas pela lâmina. A lâmina treme.

Um ensurdecedor trovão se faz colina acima, conforme uma onda de energia corta a cortina de chamas e desce trilha abaixo, arremessando tudo à seu caminho, plantas, pedras, pessoas. Reiny que descia de seu cavalo é acertado em cheio pela energia e arremessado metros para longe, como uma boneca de pano. Hector tem pouco tempo para jogar-se para fora de seu cavalo, mas também é arremessado contra uma árvore.

Recuperando-se, o grupo de fugitivos começa a correr para dentro de uma das tocas dos deuses antigos no topo da colinha, e seguindo as ordens de Calhart Fernando se concentra. As duas mãos do homem se fecham enquanto ele visualiza a construção, e com um gesto de puxão para baixo ele convoca o poder das trevas para ruir a entrada da construção, que soterra alguns dos homens lá em cima, bloqueando sua fuga. Os espíritos negros que dançavam com os chamas se atraem para ele porém, e o homem vê sua mente assaltada por demônios do outro lado do véu. Cabe a Marjorie correr até onde o homem está e erguer um fetiche feito de cristal e prata para afastar os demônios, comprando tempo para Fernando abjurar as entidades sombrias.

O suporte dos magos de guerra limitado, e com uma posição decididamente desvantajosa contra os diversos besteiros disparando contra os cadetes abaixo, Hector sai de sua cobertura para bradar um desafio, mas logo é forçado de volta para trás da árvore por um quadrelo.

“São muitos, Calhart!”, grita Mildred, que dá cobertura para Marjorie e Fernando.

“Eles tem o terreno elevado!”, concorda Elizabeth, que pouco consegue fazer além de lançar flechas de aviso.

Não vendo muita opção, Hector respira fundo, e em um movimento guiado por coragem, ou insanidade, salta por sobre a raiz que o protegia e começa a correr colina acima pela trilha acidentada, bradando um desafio. Ele esquiva-se do primeiro virote, mas logo um segundo crava no flanco de sua armadura. Mal perdendo o passo, o homem continua subindo a colina, e mais dois virotes perfuram o peitoral de sua armadura, lhe tirando o fôlego e a força das pernas.

“Não podemos render-nos ao desespero! Não até os nobres responderem pelo que fizeram!” responde um soldado, firmando-se para receber a investida furiosa de Hector, enquanto a cavaleira meneia a cabeça, olhando para o pouco que sobrou de suas tropas. “As coisas não deveriam ter sido assim. Meu irmão foi muito suave. Muito indeciso...” sussurra Gilian.

Enquanto o suicida companheiro atrai os disparos, Lian vê a chance, e esporeia seu cavalo, comandando Ian à seu lado. Os dois arriscam a colina acima em suas montarias, um movimento que normalmente apenas serviria para atraírem virotes, mas que é permitido por Hector. A cavaleira na colinha tinha uma lança para arremessar em Lian preparada para justamente esse momento, mas é forçada para a cobertura da colina pelos disparos de Elizabeth.

Os dois grupos se chocam, espadas e maças contra lanças e escudos, os mais acima disparando virotes de besta nos mais lentos, e sendo contra-atacados por Elizabeth, que lá de baixo os prende em posição. Lian investe contra a cavaleira à pé que habilmente bloqueia um, mas não o outro. Lian bate-se então contra a mulher, suas duas espadas contra sua espada mágica.

“Como vós nobres podeis viver como vivem, e ainda assim manter vossas cabeças tão erguidas?”, grita Gilian, durante o combate, sua espada mágica Sturmvogel tremendo com energia e mandando arcos surdos com cada bloqueio.

“Agimos assim pois temos honra a que se orgulhar!”, responde Lian, conforme a oposição começa a ser derrotada, o confronto sendo com Gilian, cada vez mais empurrada colina acima.

“Vós sabeis o que é passar fome? De alimentar-se por semanas de nada além de caldo de feijão? Por que devemos definhar para que vós cresceis fartos em carne e mel? Nós não somos gado, somos humanos, não menos do que ti!”, rebate a cavaleira, com cada aparo e golpe preciso.

“Vós não sois menos que nós? Esse é um pensamento corajoso!”, intervém Reiny, que mesmo ferido e ensanguentado finalmente terminava de subir a colina. “Vós sois menos que nós desde o momento em que tua parideira plebeia trouxe-lhe ao mundo seja lá onde, banhada em sangue comum”.

“E por decreto de quem? Quem arbitra tais coisas tão absurdas e cruéis?”, grita a cavaleira.

“É a Vontade do Criador!”

“Vontade de Criador??? Tu porias a culpa de teu preconceito nos deuses? Nenhum deus perdoaria tal pecado, quão menos permiti-lo! Todos os homens são iguais perante os olhos do Criador!”

“Homens, sim. Mas o Criador não tem espaço em seu Plano para Gado como vós”, rosna Reiny novamente.

Conforme a luta continua, os aliados de Gilian prendem Hector e Elizabeth no topo da colina, desarmando o valente moribundo que mesmo assim não se rende, e luta desarmado para defender a batedora.

A comandante não para de os inspirar com seu poderoso desafio, ignorando os pedidos de Ian para que se renda. “Que defeito vós dizeis existir em nós? O fato de termos nascido em muralhas diferentes?”, “Vós nos chamais de ladrões, mas sois vós que nos roubam o direito de viver!”, “Vós nobres tirais tudo de nós! Nossas vidas, nossa dignidade, e tudo mais! Não pedimos nada além de nos devolver o que é nosso por direito, mas mesmo isso vós negais! Vós tomais e tomais, e nada devolveis”, são todas frases que a poderosa guerreira grita.

“Renda-te Gilian, tu serás tratada com dignidade. Tu e teus homens! Isso não precisa terminar dessa forma. Eu sequer sou nobre!”, grita Ian, seus golpes fracos pela dúvida.

“Poupem seu fôlego, crianças nobres. Suas vozes são vento, e nenhuma lufada irá nos subjugar.”

“Gilian, ouça a razão, Lian é um Calhart e não lhe fez nada. Não precisamos lutar apenas por bandeiras!”, tenta mais uma vez Ian.

“Pode até ser que não tenham me feito mal algum; mas é vossa posição nesse mundo que alimenta meu ódio. Tu portas o nome Calhart, e isso nos torna inimigos!”

É então que mais homens das lâminas gêmeas alcança o topo da colina, tensos observando os cadetes que cercam o grande prêmio.

“Vá, salvem-te! Eu segurarei esses cães nobres!”, ordena a cavaleira para os últimos três homens ali e cima.

“Eu nunca deixarei a senhora, milady!”, responde um homem.

“Eu não sou tua senhora, mas sou tua comandante. Vá! É uma ordem!”, vocifera a cavaleira em resposta.

Os homens ignoram os cadetes e sobem a colina, pulando e se soltando pelas pedras, virando as costas para o embate e apenas fugindo. Lian porém não possui piedade em sua alma, e ordena que as tropas os tomem. Flechas são disparadas e pegam os fugitivos pelas costas, enquanto soldados os perseguem para finalizar o trabalho.

“Nãaaaaaaaaaaaao!”, esbraveja Gilian, fixando os olhos vermelhos de raiva sobre Lian, saltando sobre o líder dos inimigos. O instinto e treinamento dos cadetes responde rápido, e eles aproveitam a brecha, um golpe cortando fundo as costas da cavaleira e lhe tirando a força dos músculos, mas não seu propósito assassino: Mesmo sem fôlego ou força, ela ainda usa seu peso sobre Lian, antes de ser desarmada por Reiny.

“Se eu morrerei, prefiro que seja do balançar de uma espada do que balançando do cadafalso! Se não somos nada além de gado para vós faça o que deve ser feito, e remova minha cabeça de meus ombros”, diz ela, ferida não apenas pelas espadas dos cadetes, mas pelos ferimentos da batalha.

“Faça, Lian. Ela luta pelos Homens Mortos, deixe que ela faça valer sua bandeira. Ela é um oponente, uma traidora, não, uma inimiga da Casa Calhart. O mundo não possui lugar para tais ofensores!” diz Reiny, aproximando-se da mulher com espada em punho.

“Digam o que for, Lian, eu não consigo ver essa mulher como nossa inimiga”, murmura Ian, incerto de tudo o que viu ali.

“Tu perdeste a cabeça, plebeu?”, ira-se Reiny.

“Essa mulher não é mais gado do que eu ou ti, Pyle.”, diz Ian, incerto.

“E tu voltaria tuas costas contra nossa causa, Ian? Eu deveria ter esperado isso; sangue Comum gera nada além de um homem Comum”, ele diz para Ian, antes de ser interrompido por uma estranhamente irada Laura que vocifera palavras incompreensíveis. “Poupe-a agora e tu assumirás a posição dela como traidora. Golpeie-a!” completa o homem de Honorest, incentivando Lian.

Um dos soldados leva a espada mágica para Lian, que a guarda na cintura e chuta uma espada para a ferida e desarmada Gillian.

A mulher toma a espada e parte sobre o cavaleiro, que bloqueia um ataque, desvia do outro e então crava a espada através de uma aberta entre as placas, lentamente levando a mulher ao chão.

 

Gillian Bertson

 

***

Mansão Calhart, Cidade de Nigallin - Nigallin - Rei 14 de 588E

“Não! Tu estás me machucando!”, grita Lannia Calhart, conforme é arrastada para os jardins da mansão por um homem de armadura. No jardim quatro cavalos esperam, mas apenas um cavaleiro está presente, amarrando Meline, a irmã de Ian, como prisioneira. O salão primeiro da mansão tem guardas feridos bem como um homem da Brigada morto.

“E será mil vezes pior se não se calar, rebento nobre!”, responde o soldado da Brigada, ainda a arrastando.

“Elbrich, socorro!”, diz ela, ao ver o irmão surgir dentro do salão primeiro.

Um guarda de honra, de uma família de cavaleiros tradicionalmente guardas dos Calhart, bem como Elbrich Calhart o Cavaleiro Devoto derrotam seus algozes dentro da mansão e correm para fora, atrás do raptor. Um dos guardas nota um conjurador de tocaia para o cavaleiro devoto e o avisa a tempo suficiente de que ele role agilmente por sobre uma destrutiva magia lançada sobre ele.

Ao ver o general sair da mansão o cavaleiro que prendia Meline abandona seu companheiro e esporeia seu cavalo para longe dali, se encontrando com mais dois cavaleiros aos portões e fugindo do local. Juntos Elbrich e o guarda, com a ajuda dos feitiços aprendizes de Lannia, dão cabo do cavaleiro e mago de batalha inimigos, e o logo o Calhart do meio vira-se para a irmã.

“Lannia irmã, tu estás incólume?”, diz segurando o ombro da jovem.

“Sim, eu estou bem, mas Meline!”, responda ela, desesperada olhando para os portões.

“Sim, eu sei...”, diz Elbrich, sua expressão dura ao olhar na mesma direção.

É nesse momento que sai de dentro da mansão Vincent Calhart, segurando um ferimento na barriga que manchou e muito suas roupas nobres, um rastro de sangue escorrendo pela sua perna e gerando uma trilha atrás dele.

“Lorde Calhart!”, grita Igros, que acompanhado Lannia seguram Lorde Calhart e o colocam sentado.

“Não preocupe-te comigo. Lannia, tu está bem?” diz Vincent, sinceramente preocupado.

“Eles não me feriram, mas tu estás sangrando profusamente lorde irmão! Igros!”. A garota rapidamente recebe um lenço do guarda de honra e começa a usá-lo para estancar o ferimento do irmão.

“Em nenhum de meus sonhos mais febris eu imaginei a Brigada tão ousada a ponto de nos golpear em força aqui. Eles devem ter vindo atrás de mim” diz lorde Vincent, ignorando os primeiros socorros e olhando diretamente para seu irmão Elbrich.

“Cinco de nossos homens foram mortos, lorde irmão, e Meline levada durante a retirada.”

“Encontre-os. Procure em cada buraco e toca se tiver que o fazer...”, ordena Vincent, as forças deixando seu corpo.

“Lorde irmão, por favor, tu não deves gastar tua energia falando!” diz desesperada Meline. “Igros, procures ajuda. Depressa!”, ordena ao guarda de honra que observava o jardim atentamente, que imediatamente guarda a espada e parte para fazê-lo.

“...malditos rebeldes...” murmura Vincent, antes de desmaiar.

 

***

Mansão Calhart, Cidade de Nigallin - Nigallin - Rei 15 de 588E 

“Disseram-me que tu realizou teus deveres de forma extremamente eficiente. Deixe a limpeza nas mãos muito capazes de nosso irmão, e aproveite o descanso merecido. Tu fizeste bem, e mereceste teu nome. E não se preocupe comigo; meus ferimentos não são tão graves quanto parecem, caçula.”, diz calmamente Vincent Calhart, em repouso em seu quarto, sendo cuidado por uma enfermeira próxima. Lian retornara vitorioso do campo de batalha apenas para descobrir pela boca do guarda Igros que uma força pequena da Brigada se infiltrou na cidade e tentou assassinar Lorde Vincent e tomar lady Lannia de refém, tendo falhado em ambos mas obtendo sucesso em capturar a garota Meline.

“Lorde irmão, eles leva...” tenta dizer Lian agustiado, mas é interrompido.

“Elbrich irá liderar um ataque em escala total ao remanescente da Brigada tão logo sua guarnição seja localizada”, ele continua, sem prestar muita atenção no irmão, como se pensando alto. “A Brigada está acabada. Sobra um pouco mais que um punhado deles; mas ainda assim seu líder não pereceu em nossos avanços...”. Ele então volta-se ao irmão e repara que o interrompera “Tu dizias?”

“A irmã de Algus está morta, Lorde Irmão. Mas preocupo-me com Meline meu senhor. Ela é como uma irmã para mim.”

“Eu tomei precauções para a salvaguarda de Meline. O ataque aguarda o retorno seguro dela, o tempo que demorar. Meline é como outra irmã para mim também; eu não arriscaria sua segurança, caçula.”

“Entendo... mas lorde irmão, eu gostaria de participar desses esforços...” balbucia Lian, que logo é interrompido novamente.

Vincent fazia um gesto para colocar-se sentado, mas a enfermeira pressiona seu peito para que permaneça. O homem de posição, não acostumado à ter seus desejos contrariados, rapidamente vira os olhos para a mulher, que apesar de posição muito inferior na corte, é a profissional responsável ali, e que não se abala nem desvia ou abaixa o olhar. Os olhos azuis do Calhart chefe se acalmam, e ele abre um sorriso tranquilo por detrás da pesada barba, antes de se deixar deitar novamente e olhar tranquilamente para o irmão.

“Acalme teu coração Lian. Essa família já foi suficientemente ameaçada por hoje; tu não irás participar da investida. Agora vá. Aproveite os louros de sua vitória, que não foi pequena.”

 

*** 

“Pense direito Ian, tu deves se acalmar. Para onde tu irias, homem???” fala alto Mildred, no jardim da mansão, onde os outros cadetes esperam pelas notícias de Lian. Ian anda de um lado para outro, completamente transtornado pelas notícias de que sua irmã havia sido tomada como refém, de certo confundida por nobre.

“Obedeça à razão e não realize uma busca infrutífera...”, diz Elizabeth.

“Infrutífera? Falamos da vida de minha única irmã!”, esbraveja Ian para a garota, que até dá um passo para trás. Fernando o segura e Marjorie tenta acalmar a situação, mas Ian está impassível em fazer algo, até Lian chegar.

“Acalme-se, Ian. Acabo de conversar com meu lorde irmão”, diz Lian, que logo é recebido pelos questionamentos de seus colegas, consternados com a situação. “A Ordem ainda não sabe onde os rebeldes refugiaram suas últimas forças remanescentes, mas tão logo saibam lançarão um ataque definitivo contra eles. Porém tal ataque não ocorrerá até que Meline esteja segura em nossas mãos, demore o tempo que demorar”, completa o Calhart mais novo.

“Eu não acreditaria em uma única palavra desse conto de fadas se fosse você, lord Lian”, diz Reiny com uma voz cansada, saindo de dentro da mansão, seguindo Lian.

“Cuidado com a boca, Pyle”, rosna Mildred, que apesar de muitas vezes concordar com Reiny, não nutre afetos pelo homem de Honorest, provavelmente pela desonra de sua família.

“Tu ousas chamar lorde Calhart de mentiroso?”, rosna baixo um ferido Hector ainda em recuperação.

“Perdoem-me. Mas ouso”, diz o homem, cuidadosamente. “Não tenciono ofender, apenas dizer a verdade: Nenhum líder tomaria tais passos para garantir a segurança de uma simples serva” ele completa, com palavras secas.

“O que foi que tu disse?”, pergunta Ian, aproximando-se de Reiny.

“Eu disse a verdade, o óbvio: Que nenhum líder iria arriscar a segurança de seu povo para evitar o derramar de algumas gotas de sangue plebeu”, responde Reiny, as palavras não carregadas de veneno, mas ditas com a frieza de quem relata um fato verídico.

“...foi o que eu pensei...”, murmura Ian, antes de saltar sobre Pyle. Lian intervem, empurrando ambos e permitindo Reiny escapar do golpe surpresa, mas não evitando que os dois engalfinhem-se. Lian olha em volta e nota os outros cadetes olhando para ele, exceto Fernando, que observa uma flor. Entendendo sua situação, Lian se vê forçado a puxar Ian para fora a briga!

“Cessem, ambos! É uma ordem!”, ele esbraveja.

“Hmph, foi o que eu sempre disse! Sangue comum, homem comum. Tu provaste muito bem isso contra aquela sangue-ruim!”, diz Reiny. “Tu nunca serás mais do que o que nasceu, Ian. Tu não pertence ao nosso mundo. Tu podes estar vivendo perto dele por piedade de seu lorde, mas não passa disso. Piedade. Pena”, completa, limpando o sangue da boca que agora mancha de carmim seus dentes.

“Reiny, cesse!”, ordena Marjorie. “Ian é nosso companheiro!”

“Abram vossos olhos! Ian não é um de nós! Não é certo que se misture com esses tipos”, responde, se levantando.

“Até onde eu sei, tu também não é um de nós”, diz seca Elizabeth, referindo-se à baixa fama da família Pyle.

“Basta, Reiny!”, esbraveja Lian. “Ambos estão em minha propriedade, e eu não permitirei que disparates sejam lançados sobre nenhum.”

“Tua amizade cega teus olhos. Tu és um homem-feito agora Lian, já passou a hora de deixar tuas afeições de infância para trás, e encarar o mundo e a grandeza perante ti. Tu és um filho da casa Calhart, alta mesmo entre a nobreza; a companhia que mantém marca teu nome. Teus irmãos veem isso, mesmo que tu escolhas ignorá-lo.”

Ian se solta de Lian, mas não avança sobre Reiny, e sim apenas aponta um dedo para ele. “Nem todo nobre é de pedigree tão ruim quanto o teu, Lorde Reiny Pyle. Eu confiarei no julgamento dos Calhart” ele diz, virando-se de costas e dirigindo-se para perto de Hector.

“Pois bem...”, meneia a cabeça Reiny. “Minhas palavras são duras, mas não inverdadeiras. Eu lhe devo pelo resgate do marquês, meu amigo, então irei lhe dizer o que teus irmãos escondem de ti: A Brigada tem sua base em Drakenmont.”

“Como o sabe?”, questiona Lian.

“Eu ouvi os cavaleiros de Honorest conversarem com teu próprio lorde irmão sobre isso, Lian. Eles marcharão hoje mesmo. Eu partirei junto pois lutarei junto às tropas de meu senhor”, ele diz enquanto se dirige para o portão. Lá ele para e volta o olhar para Lian. “Se tu pretendes fazer algo sobre tua amiga plebeia antes das forças da Ordem chegarem até a Brigada, é melhor que parta em breve. Nenhum líder arriscaria seus homens em troca de sangue comum; e não vejo por que nenhum bandido pouparia a vida de uma refém comum que tempo não lhes compra. Lhe desejo toda a sorte do mundo, meu amigo de coração-mole. Tu irá precisar”, ele completa, antes de fazer um aceno determinado e partir.

Lian olha para os companheiros presentes, e então diz.

“Não irei pedir a nenhum de vós que me acompanhem. O que irei fazer não será sem consequências para mim; desobedecer ordens diretas de meu lorde irmão.”

“E você acha que a gente se importa com isso? Ian é nosso irmão em armas”, diz Elizabeth, com um sorriso.

Os cadetes afirmam sua lealdade a Lian e Ian, garantindo que estarão junto com eles nessa empreitada, mesmo que depois de tudo isso eles sofram severas broncas e punições de suas famílias. Menos Mildred.

“Eu não sei Lian...”, ela diz, todos se surpreendo, afinal costuma ser a primeira a se jogar na ação. “Tu és responsável por aqueles que comanda, e olha o que vossa atitude fez com meu irmão. Fernando sempre fora o mais calmo, mais correto, mas foi contaminado com tua falta de cuidado. Eles usou sua magia contra indefesos...”.

Fernando esboça uma reclamação, mas Mildred o cala, completando. “Desarmado. Em fuga. De costas. Da Fé. Aquelas pessoas estavam se refugiando no covil, tentando evitar a violência”, e Fernando abaixa a cabeça.

“Sabias que tu não queria nascer irmão? Por isso que demorou quatro minutos a mais que eu. Se não fosse uma parteira ordenada da Igreja e suas orações tu teria morrido e levado nossa lady mãe contigo. E tu acertaste uma pessoa da Igreja. Pelas costas. Tu vai me prometer que jamais fará algo parecido com isso novamente, nunca mais manchará a honra de nossa família e meu orgulho por ti dessa forma. Ou eu mesmo quebrarei teus dedos de feiticeiro”, diz ela, não ameaçadoramente, mas triste, e recebe um pequeno um tímido aceno de cabeça do mago de guerra. Ela vira-se para Lian, e então completa: “Essa é a última vez que estarei sob teu comando, Calhart. Nem todos tem o peso de um nome Calhart, Vorel ou Drakenhart para os defender. Após isso voltaremos para as terras de meus pais, não sei se ainda cavaleiros, mas tua impulsividade não contaminará mais meu irmãozinho.”

 

*** 

Ermos Norte - Nigallin - Rei 17 de 588E 

O terreno torna-se elevado mais para o norte, conforme os cadetes avançam rumo as montanhas gélidas. Cavalos bebem de um gélido riacho enquanto cadetes reenchem seus cantis. Ian observa as montanhas azuladas ao norte enquanto o vento gelado fustiga seu rosto e bagunça seus cabelos loiros pálidos.

“Tem algo me mastigando por dentro, Lian. Já a algum tempo”, diz, então, o escudeiro.

“E o que seria, meu caro?”, responde Lian, colocando-se ao lado do amigo e observando a distância.

“As palavras de Pyle. Elas são verdade.”

“Tais palavras não passavam do cruel veneno de uma víbora Ian. Ignore-o.”

“Ignorá-lo?”, meneia a cabeça Ian, olhando para baixo, deprimido. “E fazer isso, ignorá-lo, garantira-me um exército?”

Lian não responde.

“Eu salvaria Meline com essas próprias mãos se eu pudesse. Mas não o posso. Fui subjugado por esse mundo.”

E os dois observam em silêncio as montanhas.

 


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