Anjo Salvador - 13  

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 Sessão 13


Castelo Addford - Himline - Ladrão 30 de 589E

 

“Tu usarias a princesa como isca para recuperar a Gema? Eu não esperaria tamanha sagacidade de um homem da Igreja”, brinca Zackary Le’Berry, aparência suja de viagem e elmo respeitosamente repousando sobre a mesa do simples mas elegante escritório do cardeal, dentro do castelo Addford.

 

“Tendes muita coragem para falar assim, mercenário”, diz Danny Garreau, também presente. “Foste tu que os deixaste escapar!”

 

“Tal eu não nego”, responde categoricamente o mercenário idoso. “Mas também não era meu dever pará-los”.

 

“Cesse, Garreau”, diz se virando o Cardeal, saindo de perto da janela e aproximando-se da grande mesa. “A princesa será entregue a lorde Calhart, conforme prometido, tal feito serve a nós ambos. Quanto a essas testemunhas de seu envolvimento, suas vidas não estão em minhas mãos ou em meus interesses; eu não tive envolvimento algum com o feito afinal. Mas ainda assim, os bandidos que roubaram a gema agora andam com seus traidores; se usarmos a princesa para tirá-los de seu esconderijo, teremos dois pássaros...”, ele para, e então completa, “...e uma Pedra.”

 

“Não nego a verdade em vossas palavras”, diz respeitosamente o general. “Mas tal planos não é sem riscos.”

 

“Tua reputação não lhe pinta como tão covarde, Le’Berry”, provoca o cardeal, em voz baixa.

 

“Eu sou cauteloso, eminência. Um soldado não vive para se tornar velho e cinzento investido cegamente no campo de batalha.”

 

“Muito bem”, diz o cardeal. “Eu tomarei todas as precauções necessárias. E deixemos também uma trilha de migalhas de pão para que sejam capaz de encontrar-nos.”

 

“Um movimento prudente, eminência”, diz Le’Berry, enquanto respeitosamente se curva. “A cavaleira é uma isca perfeita para trazê-los a nós.”

 

“Quanto ao resto, eu mesmo cuidarei”, diz da porta uma figura grande, envolto em capa de peles, o mercenário Cormac, mão direita de Le’Berry.

 

“Muito melhor que eu e meus homens fazê-lo do que... ele”, adiciona o general.

 

“Como ousa, mercenário!”, protesta o Filho de Kargath.

 

“Muito bem, eu deixo o assunto em suas capazes mãos, Zackary”, diz o cardeal.

 

“Eminência, certamente estás a galhofar!”, exclama Garreau.

 

“Em outras situações, tu teria sido minha primeira escolhe, Le’Berry”, interrompe o cardeal, calmamente.

 

“Não sei se o acompanho, eminência”, responde o general.

 

“Não é nada. Vá com minha bênção, Zackary Le’Berry”, fala o cardeal, fazendo o gesto de Alene no ar.

 

“Já podes considerar a pedra como tua, eminência”, diz o velho cavaleiro, que logo se retira do ambiente. Mas ao invés de ir embora, seguindo Cormac, ele dá apenas alguns passos e fica próximo da porta, ouvindo o desenrolar.

 

“Eminência, tu de fato não confias em um homem com a fama dele”, diz Garreau.

 

“Eu confio naqueles em quem se pode confiar”, diz secamente a voz do cardeal. “Já aqueles que falham comigo vezes e vezes seguidas... são recompensados de outra forma...”

 

“Eminência... não... Eu sou vosso servo fiel. Eminência!”, diz uma voz cada vez mais desesperada de Garreau, logo acompanhada de rápidos passos que tentam ir em direção a porta, mas que são subitamente interrompidos por um baque surdo de metal acertando carne, um ganido de dor, e logo um segundo som de metal acertando e esmagando osso e carne, bem como o de sangue, ou partes, sendo arremessadas contra a parede.

 

Do lado de fora, Le’Berry apenas meneia a cabeça e se retira.



Porto de Fouchard - Himline - Ladrão 30 de 589E


Mais tarde, conforme Zigrun e alguns de seus homens conseguiam os rumores e últimos eventos da cidade, bem como um mapa das estradas e dos arredores, especialmente até Addford, o grupo descansava e recobrava suas “pernas de terra” em uma estalagem cara, mas discreta; aproveitando de uma farta refeição com tiras de porco, mel, milho e farofa. Eventualmente o ex-bandido retorna, trazendo o mapa em questão, bem como algumas informações.

 

Há diversas estradas que ligam as pacíficas regiões rurais a eventualmente Addford, e também há o Charco do Águanegra, uma região de floresta que torna-se pantanosa, temida pelos locais e tida como tabu, uma região de bruxas, demônios e fantasmas de além do véu de acordo com as superstições. Uma fonte, não necessariamente confiável e um pouco escusa, afirma que há uma saída de emergência e suprimentos de Addford, uma passagem antiga dentre as possíveis muitas, que leva para muitas milhas longe do castelo, numa região mais perto da costa e completamente no meio do ermo, longe de qualquer vila. Supostamente essa rota seria usada em tempos antigos para contrabandos ou para fugas, e deveria os levar até as regiões subterrâneas do castelo.

 

Um dos problemas é o fato de que essa passagem encontrar-se exatamente em meio ao ermo, e que a maneira mais segura de um grupo grande chegar até lá seria cruzar o ermo. Ermo que pode ter selvagens e predadores, e que com toda certeza possui o Charco do Águanegra no caminho. Ainda assim, a decisão é seguir pelo ermo, evitando estradas principais, e contornar o charco, um caminho que pode demorar mais, mas que será mais seguro do que atravessar sua possivelmente amaldiçoada extensão.

 

 

Porto de Fouchard - Himline - Viajante 1 de 589E

 

O grupo espera apenas o amanhecer do dia seguinte para seguir viagem. Os contatos de Zigrun haviam recomendado que os heróis fossem em um grupo pequeno pelas trilhas que os levariam às voltas da foz do Águanegra; um grupo grande andando pela floresta andaria lento demais, e poderia chamar atenção desnecessária. Os comandantes do grupo decidem por ignorar essa sugestão e levar todos seus homens; a intenção é que eles sirvam como retaguarda estacionada na entrada secreta no meio do ermo, para que quando os heróis retornem com a princesa e os cavaleiros do dragão tenham reforço caso estejam em apuros.

 

O sol nem se ergueu e o grupo mercenário já partiu, saindo da estrada e cruzando os campos em direção à trilha que lhes foi indicada. Seguem em uma filha dupla, alguns batedores uma hora à frente, incluindo encabeçados por Verner que viaja ao lado do lobo magro Omen, seguido de Alan, Lian e Eric, bem como Zigrun e seus homens. O restante das tropas vem mais lentamente atrás, com os soldados e mulas de carga.

 

Após descer ao leito de um riacho, o lobo de Verner nota fora da estrada a frente sinais de um acampamento recente. O companheiro espiritual late em aviso, fora da trilha eles encontram restos de um acampamento que foi rápida e recentemente desfeito. Há marcas ali de uma fogueira que foi apagada e coberta às pressas, bem como rastros de menos de uma dúzia de pessoas e cavalos, bem como armas e bestas de caça. Seja quem fosse, o grupo que estava ali partiu a talvez dez minutos, e as pressas, pois nem cobriram direito seus rastros.

 

Alguns concluem que eram bandidos, provavelmente armando uma emboscada para quem estivesse na parte baixa do riacho, mas o fato que a trilha não é muito utilizada, pois os comuns temem os espíritos e monstros locais. Enquanto Eric e Zigrun observam os rastros e concluem que alguns dos presentes estavam armados com armas de guerra, Verner convoca o espírito de uma grande árvore ali presente.

 

Em seu olho da mente ele enxerga uma forma feminina, que parece uma mulher de seu povo, em roupas comuns. Ela explica que as árvores ali não vão conversar com ele; não apenas são tímidas, mas a maioria dos espíritos evitam os humanos estranhos que brilham e espiam pelo véu entre os mundos. Ela, porém, é curiosa de por que tantos humanos estavam passando por aquela região, a qual apenas espíritos servos de Makar, senhor da caça e pai dos homens fera, costumam passar.

 

Com cuidado e paciência, o feiticeiro acaba descobrindo do espírito que outros homens e mulheres estiveram ali recentemente, e que eles partiram de forma similar como uma das companheiras de Zigrun se encontra. Para o espírito, eles “cheiravam” igual, tinham a mesma emoção.

 

A mulher, chamada Joselyn, que em Sildalar mencionara que não queria ver seus filhos sendo criados por uma prostituta, parece visualmente tensa. Ela soa, e parece mais preocupada que o normal. Os homens de Zigrun não são soldados veteranos, e estão preocupados e tensos em sua maioria, mas a mulher parece ainda mais; chega a estar distraída até. Verner não deixa de nota-lo, e lhe questiona de forma não exatamente sutil, ao que a mulher explica que o ambiente é amaldiçoado, perigoso.


Alan aponta que é melhor deixarem conclusões implícitas, pois não têm como afirmar. Decidem por hora deixar o assunto de lado, e visto que esse é o único caminho que eles têm, seguir às voltas do Águanegra.

 

 

Ermos - Himline - Viajante 1 de 589E

 

Diversas horas se passam, e já está tarde adentro. O terreno mais baixo já está mais molhado; mais riachos dividem-se em pouco mais do que bicas d’água espalhadas, traços típicos de um delta, que eventualmente torna-se um pântano, mas o progresso é muito bom graças à proeza de Verner com florestas. É nesse ponto, quando sua viagem toma o terreno mais alto, tencionando desviar do pântano e dar a volta nele, que algo os surpreende.

 

Verner é o primeiro a notar um vulto passando por entre as árvores. Ele ordena a parada do grupo até garantir que não há perigo, mas claramente há alguém os observando das árvores. Algo os segue, rosna, ameaça. Eles estão sendo caçados, e estão no território de alguém.

 

Aceleram o passo para deixar o território, ou pelo menos encontrarem uma posição defensável, onde não possam ser cercados por um bando de preparadores. Acabam por encontrar uma elevação em rocha, um tipo de mirante natural, onde se posicionam e fortificam para passar a noite. Acendem tochas com óleo, e espalham um pouco do óleo na base da colina, para criar chamas e assustar algum possível predador que tente lhes atacar.

 

A noita aproxima-se tensamente, e é então que detrás de uma árvore o vulto se revela. Um lobo, mas um lobo diferente de todos os lobos que já tinham visto. Diferente dos lobos marrons e acinzentados típicos de Himline, essa fera era branca como um lobo do norte gélido, mas mais importante, seus olhos brilhavam em azul, deixando um curto rastro de luz onde passava. E mais importante para Verner, o lobo foca os olhos brilhantes nele.

 

O feiticeiro reconhece os traços. Um escolhido de Makar, o antigo deus das feras e da lua. O pai dos homens-fera, aquele que tira do homem a capacidade de raciocinar e lhes transforma em monstros sedentos de sangue. Frente a um desafio tão óbvio, Verner não se faz de rogado, e sua forma torna-se a de um poderoso lobo negro sombrio, com galhadas brilhantes saindo de sua cabeça; tão logo ele se transforma o lobo prateado uiva e salta sobre ele.

 

O que se segue é um selvagem duelo de feras, conforme o lobo negro acerta o prateado com sua galhada e esse se esquiva habilmente dos golpes e morde o flanco de Verner. A luta segue-se por algum tempo, com intervalos onde os dois se cercam e se ameaçam, e enquanto Alan mantem sua espada à postos, ninguém ousa intervir. Eventualmente, após quebrar um dos chifres do lobo Verner, que se preparava para outra investida, o servo de Makar interrompe a peleja, uma voz trovejante deixando seu focinho

 

“Basta! Já provaste teu valor para Makar. Tu tendes permissão de caminhar nessas terras”, ele diz isso e então sua forma brilha em prateado, se reconfigurando na imagem de uma mulher usando uma armadura de caçador, leve e de couro preto, e possuindo cristalinos olhos azuis e, mais importante, longos cabelos brancos.

 

A longa cabeleira branca não surpreende tanto os homens quanto o fato que o lobo se transforma, especialmente por se transformar em uma mulher (a voz do lobo era poderosa e decididamente masculina). Verner sabia que os escolhidos de Makar tem seus cabelos alvejados pelo que dizem ser o toque de seu senhor, e as feras em que se transformam mantêm essa aparência alva. Forma, sexo, idade, espécie; tudo isso era fluido para o senhor das bestas.

 

“Sou Annabelle, guardiã dos menires dessas terras”, diz ela no idioma comum de Eimland.

 

***

 

Conversam alguns minutos com Annabelle, mais lhe perguntando informações, direções, quais perigos podem ser encontrados no lugar e se ela teria visto o grupo que desistiu de emboscar-lhes mais cedo. Para a última pergunta a sacerdotisa responde que não viu um grupo grande de civilizados vindo do Sul além deles, mas que viu um outro bando de civilizados vindo no Nordeste, talvez a uma hora atrás.

 

“Um bando de caçadores. Quatro caçadores rubros encouraçados e suas feras de caça, que perseguiam uma fêmea civilizada. A presa parecia perigosa, mas estava desarmada e ferida.”

 

“Homens da Cruz Solar?”, indaga Alan, perante a descrição de armaduras vermelhas.

 

“Civilizados encouraçados em rubro. Para mim vós todos sois iguais”, responde, displicente a metamorfa.

 

“A fêmea cheirava a leite?”, questiona Verner.

 

“Não...”, a sacerdotisa pensa. “À prisão.”

 

“A mulher a quem perseguiam? Teria essa altura e cabelos avermelhados?”, pergunta Lian, afoito.

 

“Hm...sim, exatamente. Vossa conhecida?”

 

Lian empalidece, e os outros se entreolham, preocupados. “...Karissa...”

 

***

 

Pedem para Anabelle indique onde viu os caçadores, ao que ela responde que seria tolice apontar onde ela os viu. Já faz talvez uma hora ou duas, e até chegarem lá a trilha já estaria fria o suficiente. Ela propõe algo, porém, ela poderá levá-los até os caçadores, pois conhece essa floresta como a planta de suas patas, mas com uma condição: Makar não espera por ninguém, e se quiserem sua ajuda terão de acompanhar seu passo.

 

Como lobo.

 

E então a sacerdotisa não se dá ao trabalho de explicar-se, jogando-se colina abaixo e pousando ao chão como um poderoso lobo branco. Verner faz o mesmo, transformando-se no lobo de sombras com uma galhada quebrada, mas ainda para um instante antes de seguir Anabelle, dando apenas tempo de Lian jogar sua mochila para Eric e saltar sobre o cavalo enfeitiçado de Alan, o esporeando para que siga as feras.

 

***

 

É preciso muito fôlego para acompanhar a fera prateada, conforme ele salta graciosamente por sobre troncos e corre por baixo de raízes, nunca parando um único momento. Ela e Verner sabe lidar com florestas, e joga-se por sobre troncos, rola por baixo de raízes, saltam e rolam por sobre leitos de rio e barrancos. Lian não é tão acostumado com esse tipo de terreno porém, e sofre bem mais que seus companheiros, rasgando as roupas e recebendo cortes no corpo, conforme o exausto cavalo esforça-se para acompanhar.

 

Subitamente então o lobo para sobre uma rocha. Logo a frente dele há o corpo morto de um cavaleiro da Cruz Solar. Armadura de couro reforçada com placas tingidos de vermelho, coberta pela tabarda da Ordem, seu elmo meio esmagado por pesados golpes de uma larga pedra ensanguentada jogada ali perto, sua espada tomada dele e não mais ali.

 

As desconfianças deles se concretizam ao reconhecer a armadura. Karissa de certo escapou do castelo e agora está sendo perseguida por seus algozes. Deixando o corpo para trás, pedem que seu guia lupino prossiga, e o seguem no melhor de suas habilidades.

 

***

 

Correm talvez quase meia-hora, quando então seu felpudo guia para, como uma estátua, no topo de um barranco. A floresta em volta tem vegetação mais típica para terreno mais seco, com árvores mais esparsas e frondosas, mas com árvores e solo coberto de marrom devido às folhas secas do outono. De primeiro apenas mantêm silêncio, mas logo questionam o lobo de o que seria esse lugar.

 

“Lhes fiz um favor. Seus caçadores encouraçados devem passar por essa região em alguns poucos minutos, se o caminho de sua presa se mantiver constante. Se pretendem fazer algo, é melhor se prepararem.”

 

Tentam conseguir mais respostas do lupino, porém o silêncio que recebem, um silêncio de quem está mais interessado no ambiente do que neles, que deixa-lhes claro que o lobo irá apenas observar a partir desse ponto. De uma forma ou de outra logo ouvem o som de cães de caça, indicando que Karissa e seus algozes deveriam estar perto.

 

“Venha comigo, filhote!”, diz Verner, começando a descer a colina. “Eu tenho um plano.”

 

Arranhado, Lian deixa o cavalo e saca uma espada, deslizando um pouco pela colina em direção à Verner. Ainda para olhar agradecer a demonologista, mas seus olhos azuis vivos encontram os azuis gelados do lobo, e ele decide por não falar. O cavaleiro do dragão faz apenas uma mesura com a cabeça, e desliza colina abaixo.

 

Anabelle, serva de Makar

 

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