Anjo Salvador - 09  

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 Sessão 09

 

Mansão Calhart, Cidade de Nigallin - Nigallin - Ladrão 20 de 588E

 

“Nosso passarinho bateu asas, Le'Berry, e isso me deixa doente”, diz Vincent Calhart, em seu escritório em Nigallin. O local está iluminado pela luz do entardecer, mas as pesadas cortinas lançam longas sombras pelo aposento. “Não podemos tê-la livre. Pegue-a, esmague-a, e silencie sua música”, diz, recostando-se em uma confortável cadeira. “Lady Karissa e esses outros também”, completa.

 

“Incluindo Lian?”, indaga Zackary Le’Berry, sem armadura e em roupas gastas de viagem. Sua aparência batida pela estrada contrasta com o vestuário impecável do lorde Calhart, bem como o de seus guardas de honra à porta do recinto.

 

Vincent suspira pesadamente, olhando para o escudo da família Calhart pendurado na parede atrás de Le’Berry. “...o tolo.... ele suja seu nome, atrapalha meus planos. Eu acreditei que essa seria a chance dele aprender as duras verdades do mundo. Uma chance de crescer. Mas tal não ocorreu; o garoto é teimoso demais.”

 

“Muito da sede por Justiça de vosso pai, tal é evidente...”

 

“Meu Lorde Pai mimava-o demais”, dispensa Vincent. “Que seja. Se ele se retirar-se do meio disso ou abandonar essa demanda, quão melhor. Caso contrário, não haverá mais nada que eu poderei fazer e seu nome não o protegerá.”

 

“Um verdadeiro irmão, milorde”, ironiza Le’Berry. “Gela meu sangue tua atitude”. Muda de assunto então. “Mas e se o bom Cardeal tentar proteger o passarinho? O próprio duque Volstan e todo o peso das Lâminas Gêmeas não poderiam tomar a princesa de debaixo das asas da Igreja, nem em mil anos.”

 

“Não preocupa-te com isso, mercenário. Essa possibilidade já foi considerada. E devidamente descartada. Ele estará lhe esperando.”

 

O general coça a barba por alguns instantes, antes de falar. “...sempre um passo a frente... tu és um manipulador do tipo mais assustador, Vincent Calhart.”

 

“Deveras?”, indaga Vincent, erguendo-se em sua cadeira, aparentemente farto com a falta de decoro do general. “Não seria prudente, então, que tomasse cuidado com tua língua? Há muitas maneiras assustadoras de manipulador silenciar um homem...”

 

“Por favor, milorde, eu sou um homem fiel. Bem mais do que um certo Cavaleiro Devoto, se puder adicionar...”, responde o guerreiro ancião, não se deixando intimidar.

 

“Adicione. Mas não permita que hajam mais erros”, ordena Vincent, dando o assunto como encerrado e preparando-se para deixar o ambiente, mas é porém interrompido pelo general.

 

“No assunto de erros, lorde Calhart, que tipo de bufão contrataste para capturar a princesa?”

 

Vincent para, mãos juntas as costas, observando o castelo Blackfen à distância. “Os homens que mandei fazê-lo foram encontrados mortos nas florestas perto do monastério. Alguém soube de nosso plano, Le’Berry, e parece interessar-se em atrapalhá-lo”, ele diz, com um certo ódio no fundo de sua voz. “Não importa, porém. Enquanto a princesa estiver nas mãos de Karissa ainda haverá uma chance de conseguirmos nosso prêmio.”

 

“Eu oro que esteja certo, por nosso próprio bem.... milorde”, diz de um canto da sala o nevastriri Cormac, saindo das sombras.

 

 

Arredores de Berenas Tor - Himline - Ladrão 20 de 589E

 

Já são alguns dias de viagem, e a caravana dos Dragões Pálidos segue pelas estradas rurais em direção à Addford. Um grupo misto de quatro homens vai à frente, servindo como batedores a uma hora de galope, enquanto os tenentes seguem à vanguarda da caravana, ditando seu ritmo. Os soldados restantes, bem como animais de carga e suprimentos seguem mais atrás, cercando a carruagem onde a princesa é levada. Flanqueando a carruagem seguem sempre dois Guardas do Dragão. A viagem segue tranquila, e conforme entardece aproximam-se a segurança das ruínas de Benoras Tor, um antigo forte de Konstrow a eras abandonado, hoje um local para viajantes pararem e protegerem-se do ermo durante s viagens.

 

Nesses poucos dias, Alan e Verner colocaram os magos de guerra à par da situação, e os colocaram em cargos de confiança conforme era o esperado por pessoas de sua posição e treinamento, apesar de que exatamente essa posição e treinamento os colocam em conflito com a jovem Rose-Marrie, que não concluiu os estudos como maga.

 

As rivalidades entre estudantes de magia preocupam Alan tão pouco quanto os rumores trazidos por Lian de que o cavaleiro Ian confrontou o capitão Algus e que talvez os dois homens estivessem trabalhando juntos. O que consterna o homem, realmente, é a condição especial da Princesa Valerie, o assunto que não é falado em voz alta, e que os soldados do acampamento não são realmente informados.

 

***

 

Na tenda pavilhão da princesa, o Comandante era convidado para sentar-se, para ter uma conversa honesta com a mesma. À mesa, biscoitos doces estão dispostos sobre um prato.

 

“Doçuras, comandante?”, diz a princesa Valerie apontando para o prato. “Elas servem para lembrar-me que tenho deveres e oportunidades de crescimento, agora que não os ingiro mais. Adicionalmente, odiaria que estragassem.”

 

O homem silenciosamente aceita alguns biscoitos, e após alguns instantes a princesa o questiona, consternada.

 

“Comandante, não finjamos que não presenciamos a mesma experiência. O que aconteceu?” ela começa, olhando para as mãos. “Já estudei sobre a magia, e o dom dado pelo Criador que feiticeiros tem de tocar suavemente o véu. Que são necessários anos de estudo para fazê-lo, e como tanto a Igreja quanto a Academia mantem olhos cuidadosos sobre os praticantes dessa arte, pois podem colocar a si e a seus em risco.”

 

Finalmente, os olhos dela encontram os olhos pálidos de Alan, em um questionamento preocupado.

 

“Eu... eu sou uma feiticeira?”

 

Alan pousa o biscoito que mastigava, e molha os lábios lentamente antes de responder.

 

“Eu... Eu não sei.”

 

***

 

O homem havia discutido com a princesa sua opinião. Existem é claro muitos mistérios no mundo, mas algumas verdades são conhecidas, ou ao menos supostas. O que ocorrera nas corredeiras de Lórens não era uma situação típica, mas tampouco a princesa também demonstrara sinais de ser uma Fonte que inconscientemente trabalhara o véu.

 

Severamente, o cavaleiro negro segue à cavalo, seus olhos físicos no caminho, mas seu olho da mente distante, meditando sobre a situação. Havia prometido para a princesa ajuda-la, e que enquanto não tinha as respostas que ela precisava, ele iria as conseguir.

 

Mas nem tudo ocorre como o esperado, algo está claramente errado conforme o batedor Arthur, parcialmente recuperado, aproxima-se do cavaleiro negro enquanto a caravana avança bosque a dentro pela estrada que sobe.

 

“Algo está errado, Comandante. Não tenciono causar alarde, mas nossos companheiros-em-armas deveriam reportar aqui de que as ruínas estariam seguras. Se eles não estão no ponto de encontro...”

 

“Então algo ocorreu com eles”, conclui Alan. “Avise as tropas para proteger a carruagem central. Um pequeno grupo seguirá comigo. E Arthur.”

 

“Sim, milorde?”, responde o homem que já girava o cavalo.

 

“Tu ficas para trás. Em qualquer sinal de perigo é teu dever apoiar a Guarda do Dragão em salvaguardar a princesa.”

 

Apesar de contrariado, o batedor entende que é deixado para trás primariamente por estar se recuperando de um severo ferimento.

 

***

 

Os homens preparam as carroças, as usando de proteção em volta do vagão protegido central, enquanto um pequeno grupo prepara-se para subir a trilha. Vendo Lian passar rapidamente perto, Rose-Marrie chama sua atenção.

 

“Lian, o que acontece?”, ela questiona, confusa.

 

“Os batedores dos Dragões não retornaram. É certo que estão com problemas”, ele responde, altivo.

 

“E o que vós fazerais? Deixem-me ajudar-lhes.”

 

“Pois bem, prepare a ti e qualquer truque que tenha aprendido na academia.”

 

“Lord Calhart, estão nos aguardando!”, diz rapidamente Katherine, que passa à cavalo trotando, acompanhada do mago de guerra Eric.

 

“Eu posso ajudar! Eles estão se arriscando por mim!”, exclama Rose-Marrie.

 

“Agora não, Lady Rose-Marrie!”

 

Lian parte então atrás de Katherine, deixando uma desprezada Rose-Marrie para trás. Da carruagem, a gata parda de Rose-Marrie, Chérie, observa Turner.

 

***

 

Alguns dias antes, o jovem Turner aproximava-se, cedo, da tenda de Rose-Marrie. Tencionava fazer as pazes com a jovem. Na noite anterior, em meio à uma conversa sobre nobreza e cultura, que tornara-se acalorada, seus companheiros magos de guerra acabaram por implicar que ela não ter completado os estudos arcanos guiava sua opinião. Rose-Marrie vem de uma cultura onde da nobreza são esperadas certas atitudes que as tornam dignas de seu título e posição, onde um nobre sem o apoio de seus Bann não tem poder social algum.

 

Tal opinião é contrária à opinião vigente de que nobres tem seu direito garantido por Alene. Assim como feiticeiros, nobres o nascem tal, e aprimorar-se e fazer um bom trabalho com sua posição é apenas uma extensão desse direito, o dever que o acompanha. Similar à feiticeiros, não basta tencionar fazê-lo, pois aqueles que não são verdadeiramente aristocratas jamais conseguirão o ser. E desse ponto comparações foram lançadas.

 

O jovem nota que está sendo observado, e repara a gata parda, Chérie, o fitando de cima de uma carruagem próxima.

 

“Saudações, nobre familiar. Gostaria de ter com vossa mestra, se tal lhe agradar. Sinto muito pela forma que meus irmãos portaram-se no crepúsculo passado, e gostaria de retratar-me.”

 

Eric esperava que a criatura fosse um Familiar, um espírito menor, pouco mais que uma Fagulha, preso à um feiticeiro e dado forma, pouco mais que uma expressão externa de sua personalidade. Mas não esperava ser respondido.

 

“Eu sabia que era um língua-afiada”, diz ela em uma ronronante voz feminina, enquanto começa a cercar o mago. Suas palavras são sussurradas usando o idioma do Povo Antigo, suas palavras estranhas e cantadas, mas que Eric é capaz de entender parcialmente.

 

“Tomarei como um elogio”, ele responde, calmo e mantendo o sorriso.

 

“A garota está sob MINHA proteção, feiticeiro. Cesse as hostilidades, ou terá de se ver comigo”.

 

“Não tenciono mantê-las. De fato, gostaria de prestar Reparação.”

 

“Reparação?”, a gata para. Se um gato pudesse erguer as sobrancelhas, ela o faria. “Eis uma palavra que não esperava ouvir de herméticos.”

 

“Diga-me o que devo fazer, para corrigir essa mal”, ele adiciona, sem se abalar.

 

“Muito bem”, a gata diz ao saltar sobre a carruagem novamente. “Tu trarás leite e mel para mim, antes da alvorada, por sete manhãs seguidas. O faça, e teu pecado estará reparado.”

 

“O farei de bom grado”, diz o homem, fazendo uma suave mesura.

 

“Não de bom grado, jovem. Em reparação”, ela corrige.

 

“Evidente.”

 

***

 

Um pequeno grupo composto por Alan, Eric, Alyssas, Lian e Katherine sobem a trilha que leva às ruínas, e tão logo alcançam a parte superior podem notar o que acontecera.

 

Protegidos pelas muralhas semi-caídas, um grupo de talvez uma dúzia de homens os aguarda. Rufiões e bandidos de estrada sua maioria, pode-se reconhecer alguns dos quais perseguiam Rose-Marrie em Barrault, mas dessa vez estavam acompanhados por três homens vestidos em pesadas armaduras de cota ou talas, mercenários experientes pelo visto. E tinham os batedores, Godrun, Anselm, Digoth Hunter, Layla e Rodrigue, ajoelhados com as mãos amarradas atrás das costas. Estavam conscientes, apesar dos hematomas indicarem que teriam sido subjugados e talvez espancados.

 

“Ei vós, não temos contenda contra vós, pelo menos não ainda. Nosso problema é com Rose-Marrie. Entreguem a garota, e problemas não cairão sobre vós”, grita um deles, sacando um machado e colocando-o próximo do pescoço de um dos homens.

 

O grupo se surpreende, mas não reage, afim de não colocar seus homens em risco. Alan claramente olha feio para Lian, e Alyssas ostenta sua melhor expressão de “eu avisei”, conforme Alan toma a frente.

 

“E quem sois vós para exigir alguma coisa enquanto ameaçam meus homens? Soltem-os, e então conversaremos com honra.”

 

“Tu sabes que isso não ocorrerá, milorde. Isso e não nascemos ontem. Seus homens pela garota”.

 

“Não haverá nenhuma troca desse tipo, bandido. A garota está sob nossa proteção.”

 

“Colocaria a vida de teus homens em risco por uma baderneira que mal conhece?”, provoca o soldado.

 

“Não. Eu sacaria minha espada e deixaria que o Criador decida quem está certo”, ele o diz, saltando da sela e sacando sua espada sombria, sendo então acompanhado pelos companheiros próximos, inclusive Katherine que saca uma flecha e a encaixa na corda do arco.

 

“Basta que a entregue e iremos para nossos caminhos separados; estamos em maior número e temos o terreno elevado”, diz mais uma vez o bandido, enquanto outros sacam suas armas e se preparam para o embate frente-a-frente.

 

“Nosso caminho é o mesmo dela. Se não desejam contenda, recomendo que retirem-se”, diz Alyssas, soltando-se da sela e colocando-se ao chão enquanto saca e beija a espada. “E da próxima vez que verem Garreau o lembrem que aqueles que vivem fora da lei são os primeiros a morrer por suas mãos”.

 

“Perdoe-me, Lady Alyssas”, diz Lian colocan-se à frente dela. “Mas acredito que se um duelo deverá ocorrer pela honra de Lady Rose-Marrie, tal dever recai sobre meus ombros.”

 

“Corajosamente dito, Sir Calhart, mas da próxima vez que interromperes meu desafio, terá de ver-te comigo”, ela responde contrariada, e dando um passo para trás.

 

Os dois lados parecem resignados ao embate, conforme os dedos de Katherine tremem esperando a primeira flecha. Mas Eric, até então silencioso, realiza seu trabalho e observa atentamente o ambiente, atrás de qualquer sinal, qualquer alteração de padrão que poderia ser aproveitada. Conforme nota a ansiedade e tensão dos oponentes, lhe passa um mau-pressentimento de que não estão jogando limpo, e seus olhos são guiados para o vulto de figuras escondidas atrás dos muros, um número escondido e maior, esperando para um ataque surpresa.

 

“Cuidado, é uma emboscada!”, grita o mago, avisando seus colegas.

 

O aviso é valido: De trás das paredes se revelam dois homens, vestidos em roupas de sábios, um mais velho e um garoto com aparência de aprendiz, segurando uma bomba metálica cada, acesa e pronta para ser arremessada. Mas Eric é mais rápido, e conforme os explosivos são lançados, ele ergue uma égide protetiva, que manifesta-se como lâminas espectrais vitrificadas, segurando o impacto do explosivo que detona ao acertar as incandescentes lâminas cristalinas.

 

A explosão seguinte é devastadora. Metade dos heróis é arremessada ao chão com o impacto e os estilhaços, setas afiadas feitas para rasgar carne e perfurar armadura. Lian é rápido em puxar Katherine de sua sela, aproveitando-se do escudo que é o pobre cavalo preto que, pego de surpresa, é alvejado nos flancos pelas setas cruéis.

 

Alan tivera tempo apenas de cobrir a viseira do elmo, mas então nota-se protegido, conforme uma quantidade maior de setas cai ao chão, sendo seguradas por lâminas cristalinas. Cercado de fumaça de pólvora, logo sua audição retorna, e ele pode ouvir o rugido de homens avançando à posição deles em meio à fumaça.

 

Convocando um feitiço rápido ele empurra a fumaça para longe, revelando mais meia dúzia de mercenários que estavam escondidos à torre, mas estes logo chocam-se contra uma paliçada de lanças cristalinas convocadas por um ferido Eric para proteger o comandante.

 

A luta, porém, não dura muito. Cinco contra diversos é uma proporção a qual os ferozes mercenários estavam preparados para lidar, mas os feitiços de Eric dividem o campo o suficiente para que os heróis recobrem-se, apesar de feridos. Mesmo aqueles que tinham os batedores como reféns desistem ao verem não apenas a emboscada falhar, bem como sua porta-voz ter sua garganta atravessada por duas flechas quando tentara chamar atenção dos combatentes.

 

O mago de guerra Eric cruza os braços e prepara um feitiço combinado com seus parceiros. A imagem de duas lâminas cruzadas aparece metros acima da copa das árvores, e os olhos e corpo do homem são pintados com focos de luz e sombra. Vento forte se faz ali conforme as sombras das árvores torna-se fundas, e de rasgos etéreos no véu entre dois mundos manifestam-se quatro dos magos de guerra investindo à cavalo, Eric servindo de âncora para que seus parceiros no acampamento aportassem alguns dos seus como reforços.

 

Exausto, Eric vai com um joelho ao chão, mas a chegada de reforços vira a maré do embate, e apesar de algum ou outro grupo de sorte, logo os mercenários são derrotados. Por fim estão todos exaustos, e alguns, como Alyssas e Eric, seriamente feridos, mas a Batalha de Berenas Tor estava acaba.

 

Não demora, porém, para que o restante da caravana os alcance, e acusações recaiam sobre Rose-Marrie. Arthur é um dos acusadores, e diz a poderosa frase: “Espero que sua razão seja muito boa, pois quase perdemos seis amigos hoje”.

 

Eric Turner


This entry was posted on terça-feira, outubro 20, 2020 at 14:23 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

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