Anjo Salvador - 10  

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Sessão 10


Castelo de Addford - Himline - Ladrão 19 de 589E

 

O Castelo de Addford não é acompanhado da maior cidade de Himline. De fato, um argumento é considerável de a cidade ser, de fato, a menor do território. Tal fato se dá especialmente por Himline ser uma terra neutra, de pouca importância política mas de grande valor histórico. Addford em particular é a única fortaleza de porte grande do antigo império de Konstrow a ter sobrevivido o cataclismo que afundou o império de feiticeiros debaixo das águas após a morte de Alene.

 

A construção é poderosa, imponente, de um estilo quadrado que pouco lembra o estilo arquitetônico atual de Eimland. Não apenas isso, mas o castelo também é cinza e simples, sem a opulência típica da nobreza; mas tal fato deve-se mais à vontade da igreja do que ao estilo arquitetônico do castelo.

 

Os portões foram abertos tão logo disseram o motivo de sua vinda. Os rumores da morte do Rei eram verdadeiros, e os de que a princesa havia sido sequestrada preocupavam o coração do sagrado padre. Felizmente, porém, a princesa estava ali agora, sã e salva, e o grupo inteiro relatara ao cardeal os ocorridos, e suas preocupações.

 

“Compreendo, Sera Karissa”, diz o cardeal, um homem de idade mas ainda repleto de vigor de combate. “Eu lhe garantirei toda minha ajuda perante essa circunstância. Despacharei um mensageiro para Heagrove imediatamente; o Sagrado Sacerdote saberá disso por uma carta escrita por minha própria mão, eu lhe garanto. Nós exporemos os mal-feitos de Volstan, e garantirei que nenhum mal recairá sobre nossa Majestade.”

 

“Vossa eminência acredita que o Sagrado Sacerdote ouvirá nossos pedidos? Qual será nosso plano de contingência?”, indaga a capitã, sem muito entender da situação política atual.

 

“Não temas, querida dama. Tu estás sob meu cuidado agora. A princesa Valerie não tem como se sentir segura ao ver sua protetora tão preocupada”, diz isso olhando aos mercenários, que fazem gestos de aprovação para a capitã. “Aproveitem os confortos do castelo, tão poucos quanto sejam, enquanto esperamos a resposta de Heagrove. Enquanto tivermos a sagrada Alene como nossa guia, não há nada a temer.”

 

A capitã faz uma mesura de cabeça, enquanto Lian toma iniciativa. “Sobre nosso outro tema...”

 

“Sim. Quanto a ti, jovem nobre, eu também considerei teus problemas”, diz ele, olhando para Rose-Marrie. “Eu mandarei uma companhia escolhida a dedo com os melhores homens da Ordem da Cruz Solar para trazer um fim a esses Filhos de Kargath.”

 

“Obrigado, eminência”, responde, respeitosamente, Rose-Marrie.

 

“Condicionado a algo”, ele interrompe tanto a jovem quanto Lian. “Eu desejo saber a razão de que estão atrás de ti e seu mestre.”

 

“...ahn...”, ela gagueja “...devido à minha antiga posição em Falonde...?”, arrisca.

 

Katherine rola os olhos, mas Lian a fita com uma expressão dura. Tentar manter segredos ao Cardeal, que está disposto a ajudar, parece ser algo muito ruim no livro dele.

 

Fica claro que o cardel, um homem de fé e um Alto Impositor da Igreja, um homem acostumado com mentiras e verdade, não se deixa levar pela história da moça, e deus olhos cinzentos focam-se intensamente nela, revelando um brilho de intelecto e ferocidade. Apesar de ter todo o direito de fazê-lo, ele não se altera.

 

“Por favor, jovem...”, ele sorri, dispensando a mentira dela. “Talvez saber que possuo isso lhe acalme?”, diz então enquanto abre uma gaveta e puxa dela uma orbe vermelha cristalina. A gema é bela, perfeitamente circular, e grande o suficiente para que sejam necessárias duas mãos para envolvê-la. A maioria ali fica sem entender; Rose-Marrie empalidece.

 

“Um cristal?”, corta o silêncio Dryfolk.

 

“Mais do que isso”, diz solene Eric. Para o jovem o mundo revela mais do que olhos podem ver, e ele consegue sentir uma intensa e poderosa energia que emana da gema, algo vistoso, forte, quase quente. “...uma Jóia das Estrelas.”

 

“Sois familiar com a lenda dos Heróis das Estrelas?”, indaga o cardeal, agradado com o palpite reverente de Arthur.

 

“Em minha juventude eu ouvi lendas sobre”, menciona de passagem Lian.

 

“Lendas?”, diz sorridente o cardeal. “Relatos, jovem. Certamente, ser Calhart, tu não sugeres que a igreja mente aos fieis ou lhes inventa fábulas...”

 

“De forma alguma, iminência!”, responde rapidamente Lian, abaixando a cabeça.

 

“A muito tempo atrás, antes das montanhas terminarem de caminhar pelo mundo, demônios dominavam o mundo”, começa a princesa Valerie, em sua voz pacífica. “Cinco heróis existiam, e juntos eles enfrentaram os demônios. Após uma longa e cruel guerra, obtiveram sucesso em expulsar os demônios de volta para o mundo espiritual, e o mundo conheceu paz novamente. Cada um dos cinco portava um cristal, marcado com o poder das estrelas, que usaram para completar tal façanha. E então, em tempo, vieram a ser conhecidos como Herois das Estrelas. Desde então, quando discórdia e dor afligem os salões dos homens, eles retornam ao mundo para nos salvar novamente. Mesmo a Sagrada Alene andou junto dos Cinco, e juntos eles salvaram Eimland de seu fim nas garras dos feiticeiros de outrora”.

 

“Muito versada, minha jovem, meus parabéns”, diz o cardeal.

 

“Eu fui criada em monastérios, eminência. Tive bons professores”, responde, humilde a princesa.

 

“Nós chamamos essas joias das cinco Jóias das Estrelas. A pedra que veem perante vós agora é exatamente uma dessas joias lendárias”, completa o cardeal.

 

“Elas existem...”, menciona Karissa. “Não acreditava que isso era possível...”

 

“Ou que elas estivessem em Eimland ainda...”, completa Lian.

 

“Ou que eles têm de fato o poder sagrado de afastar os demônios? Eu confesso que posso sentir um poder dentro delas, algo superior, mas meus olhos veem apenas um cristal vermelho.”

 

“E as outras eminência? Onde estão?”, pergunta Eric.

 

“Uma excelente pergunta para um homem de fé. Perdidas e espalhadas pelo mundo, aparentemente. Mas acredito que a contenda dos Filhos contigo envolva esse assunto, sim?”, vira-se então para Rose-Marrie, que tem o olhar perdido no brilho rubro do cristal.

 

“Há debaixo de Sildalar muitos restos de civilizações passadas. Maravilhas de eras passadas podem ser encontradas em escavações, inertes, a muito tempo destruídas ou sem poder. Mas basta passar uma pedra dessas perto deles e seus cristais se enchem com vida e magia... ressoando perante o cristal...”

 

“E os Filhos procuram o poder da jóia, sim?”

 

“Eu não sei que tipo de poder as Jóias das Estrelas têm, eminência; eu apenas sei que eles procuram uma forma de controlar seu poder, criar armas, usá-la para seus propósitos nefários”, ela meneia a cabeça. “Meu mestre não quis lhes entregar a pedra, então eles o raptaram... Ele sempre falou em grande estima e admiração por vossa eminência... por isso em meu desespero o procurei...”

 

“Não te preocupe, jovem dama. A Igreja lidará com isso. Nossas forças atacarão essas serpentes, e arrancaremos a Jóia de suas mandíbulas vis.”

 

“...é... sim eminência. Obrigada”, timidamente responde Rose-Marrie.

 

“Agora aproveitem a hospitalidade do castelo e descansem sob nosso teto por hoje antes de tomarem novamente a estrada meus filhos. Que Alene guie seus passos”, diz então, em dispensa, apenas pedindo que a princesa permaneça para ter com ele.

 

***

 

“Jamais teríamos chegado até o cardeal sem vossa ajuda, amigos. Têm minha gratidão”, diz a capitã, se aproximando de Alan e o cumprimentando com um aperto de antebraço.

 

“Apenas o dever de um cavaleiro, Sera. Jamais poderia ver mal recair sobre a princesa”, responde o cavaleiro negro.

 

“E eu mostrarei essa gratidão lhes ajudando com minhas armas”, diz Katherine. “Creio que seguirão o rastro de justiça das forças do cardeal, sim?”, ela se vira então para a capitã, “Sera Karissa, eu desejo acompanhar suas forças. Em pagamento.”

 

“Permissão garantida, querida amiga”, responde Di Lalo.

 

“Tal pagamento não é realmente necessário, Katherine”, dispensa Alan, cortês.

 

“Assumo que não. Mas é o menor que posso fazer em pagamento à vossa honra. Sacrificaram bastante para nos ajudar em uma luta que não era sua. É o mínimo que posso fazer, ajudar um dos seus em uma luta. Prometo que não entrarei em vosso caminho; tão logo esse senhor Mestre Dion e a pedra estejam seguros eu retornarei a meus deveres”, diz ela, firme. “De uma forma ou de outra, eu também preciso me reconectar comigo mesma...”, ela adiciona, sem querer levando à mão ao ventre, onde fora ferida por Le’Berry.

 

“Sendo assim, eu também os acompanharei”, diz também Dryfolk, um sorriso confiante cruzando seus lábios.

 

“De forma alguma, amigo. Lord Calhart possui um dever de ajudar a dama Rose-Marrie, e junto de Katherine portará nossa bandeira, e agirá com honra por nós cinco”, diz a capitã, convidando o sorriso confiante de Dryfolk a se tornar um amargo sorriso decepcionado.

 

“Não estou pedindo que venham conosco”, diz Lian, voltando-se para Alan.

 

Rose-Marrie assente com a cabeça. “Homens demais colocaram-se em risco por algo que lhes pedi”, completa.

 

“Tal solicitação não se fará necessária... raposinha”, diz Verner.

 

“De uma forma ou de outra, eu tenho um dever para com a princesa... algo a descobrir”, diz Alan, encarando com o canto dos olhos os soldados do castelo que ajudam os mercenários a fazerem pequenos reparos em seus armamentos, levando peças ao ferreiro local.

 

“Sildalar é conhecida como um foco de conhecimento, comandante”, menciona Eric. “Tenho certeza que se alguém tiver uma pista quanto ao que procura... há de ser encontrado lá.”

 

“Rumamos para Sildalar então, ao raiar do Sol”, completa Alan.

 

Eric assente e seu olhar se cruza com o da familiar...

 

 

Castelo de Addford - Himline - Ladrão 20 de 589E

 

Após passarem uma noite de descanso nas humildes acomodações de Addford, os Dragões Pálidos e Alyssas são acompanhados de Karissa para fora do castelo, para despedidas. Após um pouco de conversa fiada eventualmente alcançam a ponte levadiça que conecta ao poderoso castelo, exatamente onde a capitã fica. Novamente ela os agradece pela escolha que fizeram.

 

“Sera Karissa”, dia Alan, “sabe que sempre pode contar conosco. Caso algo ocorra, estaremos aqui com absoluta celeridade.”

 

“Obrigada milorde. Tais palavras me trazem calma.”

 

Após uma rápida despedida, Lian aproxima-se, e toca no antebraço de Karissa.

 

“Eu regressarei à ti” ele diz, apenas, e o olhar da cavaleira passa de sua mão para a espada encantada, Toque Róseo, que carrega na cintura. Logo, ela espanta seus demônios e diz, pouco confiante.

 

“Tal é teu dever. Lord Calhart.”

 

***

 

Torna-se prioridade decidir o que os Dragões Pálidos irão fazer. A garota Rose-Marrie tendo conseguido a intervenção do Cardeal tenciona ir para a Sildalar, a Cidade do Homem, para aproveitar a força da Cruz Solar e reaver seu raptado mestre. Lian, movido por motivos particulares em relação à garota tenciona acompanhá-la, e com isso o acompanharão o resto da companhia.

 

Acabam por decidir que tomarão o caminho mais longo, porém usando as rotas mais centrais e passando por Barrault antes de tomar caminho ao Porto de Valis e então de navio para Sildalar, retraçando os passos de Rose-Marrie. Em Sildalar tencionam estacionar suas forças por alguns dias e, Alene querendo a libertação do ancião Dion, decidirão que rumo deve tomar a companhia mercenária.

 

 

Cidade Livre de Sildalar - Himline - Ladrão 27 de 589E

 

Sildalar é uma cidade diferente do que a maioria deles havia visto. Mesmo Lian já havia visto cidades grandes, tendo inclusive crescido em uma, mas não é o tamanho de Sildalar que impressiona, e sim sua variedade. Sildalar é uma Cidade Livre, significando que enquanto paga imposto para Himline e, com isso, para a Coroa, ela é livre para se governar, criar suas leis que não contradizam com as do território e, em geral, cuidar de seus próprios problemas. E como toda Cidade Livre, o porto atrai todo tipo de mercante e, com isso, todo tipo de gente.

 

Pessoas das cores mais diversas podem ser encontradas, especialmente nos distritos mercantes e de porto. Homens e mulheres de pele parda, oliva, um tom incomum ao povo de Eimland, encaram os passantes com olhos que vão do amêndoa ao cor de jade. Outros possuem pele ainda mais escura, não apenas enegrecida pelo sol mas sim por uma etnia de aparentemente muito longe no mar. Além disso o povo de pele clara troca de lugar com mercantes e marinheiros e marinheiras de pele bronzeada, tocada diariamente pelo sol dos Mares do Sul.

 

Perante tamanha diversidade, oportunidade e variedade, decidem que darão três dias de descanso, em escala, para os soldados, para que usem seu soldo da forma que preferirem. Após isso recrutarão mais pessoal e, Alene querendo, poderão usar tão diversa cidade como base de operações para seus serviços mercenários.

 

Isso tudo supunha, porém, que a pesada mão dos Filhos de Kargath, coalisão de contatos criminosos tão presente nessa cidade, fosse forçosamente retirada pela espada afiada da Cruz Solar, o que Rose-Marrie se prontifica a descobrir com pessoas bem-informadas se de fato ocorreu.

 

***

 

A Estalagem da Dama Empoeirada é um ambiente silencioso perto do coração mercante de Sildalar. O local atende a uma clientela de mercantes e oficiais de navios de boa reputação, pessoas desinteressadas em espeluncas, procurando acomodações decentes, e capazes de pagar por tal. O local é relativamente escuro e discreto, perfeito para negociações e assuntos privados.

 

E é nesse ambiente, entre uma refeição de ave e peixe assados, ervilhas, farofa de miúdos, mirtilo, queijo e pão doce com frutas, que Rose-Marrie os encontra algum tempo depois.

 

“Tem algo errado”, ela diz, entrando pelo lugar e se sentando à mesa.

 

“Diga”, diz interessado Verner, ao mesmo tempo em que lhe estica um dos pães doces.

 

“Por que o fala, Rose-Marrie?”, também indaga Calhart.

 

“Bom, por que ninguém viu nenhum contingente maior da Cruz Solar na cidade tampouco algo semelhante”, ela segura o pão com as duas mãos mas não o morde, consternada. “Eu parcialmente esperava que marchassem cidade adentro...”

 

“Chamariam atenção demais”, diz Eric. “Seria iniciar um conflito com as famílias patrícias. A burguesia não o admitiria.”

 

“Tens razão. Tal atitude não os favoreceria em nada”, comenta Lian.

 

“Por certo tomaram um caminho mais furtivo. Golpear sem serem notados. Tomar de assalto os assaltantes”, completa Verner, não particularmente elegante em modos, enquanto descasca uma laranja.

 

“Hm... é... Deveras. Vós tendes razão”, diz Rose-Marrie. “Eu irei perguntar a algumas pessoas bem-informadas o que se ouviu falar”, e perante o olhar preocupado de Alan completa, “Eu tenho alguns contatos, posso conseguir alguns favores” e se levanta então, mordendo o pão.

 

Alan não parece concordar, e aponta para Arthur. “Arthur, acompanhe-a. Tu sabe cuidar-te, e poderá cuidar de Rose-Marrie.”

 

“Eu sei me cuidar, comandante”, protesta a garota, mas com um quase sorriso. Conforme o comandante não responde e apenas a encara, e Arthur termina de virar uma caneca de cerveja enquanto levanta-se, ela adiciona. “Encontrem-me ao entardecer, na Gata Amargurada, na região do porto. Verei o que descubro até lá”.

 

Uma breve discussão começa então, com Eric novamente informando que não confia no familiar Chérie. Durante a viagem havia confidenciado com Verne e o comandante Alan que acreditava que a história de Rose-Marrie era falha; a maioria dos aprendizes de feiticeiros que não possuem dom e não prosseguem seus estudos após os dois anos de introdução, não são capazes de manipular o véu. Fontes como ele, por outro lado, que possuem um dom particularmente forte para controlar o véu, não são permitidos abandonar seus estudos, e aqueles que o tentam fazer são marcados como apóstatas e purificados pela Inquisição. Rose-Marrie conseguir manipular o véu, e atrair a atenção de uma criatura mágica ligada aos Aen-Sidhe, o povo antigo da colina, era incongruente. O mago de guerra temia as intenções do familiar para com a Jóia. As consternações de Alan eram outras, porém, pois o familiar já se encontrava com a garota antes da captura de Dion.

 

“Questionar Rose-Marrie enquanto seu mestre estiver desaparecido é um exercício em frustração”, diz, coçando a cabeça, Verner, para receber o olhar de concordância de Lian.

 

“Deixe-a estar. Por hora”, diz o comandante. “Quando a hora chegar, teremos diretamente com esse Mestre Dion.”

 

***

 

O lugar é um buraco.

 

É a primeira impressão que em sua maioria têm ao observar A Gata Amargurada. O local é uma construção grande de pedra e madeira, uma casarão de três níveis com varanda superior e aparentes diversos quartos. Não apenas essa varanda como também os bancos por fora do nível inferior como as ruas próximas estão não apenas apinhadas de marinheiros e marujos dos tipos mais diversos como também meretrizes.

 

Mulheres de vida fácil, algumas belas, a maioria nem tanto, insinuam-se mais ou menos casualmente para os passantes, seus bustos espremidos em espartilhos simples ameaçando saltar para fora de seus vestidos, lábios pintados em tons agressivos de vermelho, alaranjado e roxo. Não apenas mulheres mas homens também trabalham com os prazeres da carne ali. De poderosos exemplares de músculos, peitos e braços desnudos e tentando atrair os passantes, a garotos delicados e jovens, vestidos à imagens de nobres ou mesmo transvestidos em vestes semelhantes às mulheres.

 

Os trabalhadores de meretrício envolvem-se com os passantes, conversam com o povo ou riem entre si, completando o colorido visual e som de um ambiente de onde vem o som de risadas, conversa alta e de cantoria desafinada. Tão bagunçado quanto o distrito das docas onde fica, o lado de dentro da Gata Amargurada é uma verdadeira espelunca, repleta de mesas quase todas ocupadas por tipos diversos que bebem, jogam cartas, riem como meretrizes ou parecem ameaçadores enquanto em seus cantos escuros.

 

Lian e companhia se surpreendem com o ambiente, e o fato que Rose-Marrie escolheria tal local como ponto de encontro. Um véu de questionamento sobre a profissão de escolha da garota passa entre os membros do grupo, que silenciosamente indagam-se se a garota seria do meretrício, ninguém ousando erguer a questão a um aparentemente desinteressado Lian, até que Verner, sutil como uma nevasca, pergunta alto “Huh! Ela trabalha aqui?”.

 

***

 

Enquanto Eric mistura-se ao povo, dança um pouco e aproveita as histórias de marinheiros de portos distantes, e enquanto Verner perde muitas moedas em jogo de cartas, as horas se passam, e os vivazes e meretrizes vem e vão, conforme o grupo aguarda por Rose-Marrie.

Consternado, Lian vai até o balcão a fim de ter com o atendente. Ao ver uma mulher adulta de cabelo loiro em tranças esperava alguém agradável, talvez com flerte, mas é surpreendido por uma mulher dura, ríspida e com a atitude de um capitão durão; um tipo perfeito para manter o bar de um prostíbulo grande em plenas docas em ordem.

 

“O que vai beber?”, rosna a mulher.

 

“Desejamos informação, minha dama”, diz, educadamente, Lian.

 

A mulher suspira, ou bufa, e logo repete. “Se quiserem usar o balcão terão que pedir algo. O que vai beber?”

 

“Vinho, minha dama”, reage rápido Lian, que lhe estica uma moeda de prata. A mulher toma a moeda e a joga debaixo do balcão, antes de lhes servir uma caneca de um tipo apimentado e suavemente salgado de vinho.

 

“Procuramos por uma amiga”, diz Calhart.

 

“Há muitas amigas nesse local, eu não sou cafenita. Escolha uma amiga e se divirta.”

 

“Ela não é esse tipo de amiga”, diz Lian, “ou ao menos nós achamos que não...”, completa em murmuro. “Conheces uma garota dessa altura, cabelos loiros até os ombros. Jovem. Porte bem educado...”.

 

“Tenho cara de quem presta atenção em cada meretriz e pirata que cruza meu caminho?”

 

“O nome dela é Rose-Marrie”, ele revela. A mulher se surpreende, e primeiro cerra os olhos, antes de demandar que comprem mais bebida para completar as canecas vazias.

 

“E o que querem com ela?”

 

“Nós estamos com ela. Ou ao menos estávamos a até algumas horas passadas. Era combinado de encontrarmo-nos aqui ao crepúsculo, porém ela não compareceu.”

 

A mulher meneia a cabeça, e fala agora menos mal-educada. “Não a vejo a semanas. Ela estava sendo perseguida por Danny Garreau, um tipo desagradável dos Filhos de Kargath. Estava saindo da cidade da última vez que soube... ela está bem?

 

“Temo que não”, diz Lian, virando seu vinho com grande eficácia, e deixando balcão e conversas para trás.

 

***

 

Faz-se necessário remover Verner de uma desagradável situação envolvendo um Selvagem de meretrício e uma dama da noite mais idosa, ambos que o pressionavam em um canto com provocações e insinuações por parte do Selvagem que parecia desejar lhe cobrir, exigindo a intercepção rápida de Alan antes que Verner causasse problemas em um bordel repleto de marinheiros e prostitutas não exatamente desarmados, mas por fim conseguem se ver fora da casa de meretrício.

 

Ponderando as opções, decidem que como não possuem informações válidas além de um simples nome, que partirão atrás desse Danny Garreau ou seu esconderijo. Sem poder contar com seus homens para dar volume a essa empreita, veem-se obrigados a partirem atrás de um mercante de informações. Após longamente discutir decidem por procurar cafetões e cafetinas, bem como gangues menores de bandidos de porto, ladrões de meia-tigela e outros tipos menores, com menos chances de serem envolvidos com o submundo do crime organizado.

 

De acordo com Eric, os Filhos de Kargath são uma coalizão de nomes grandes e poderosos que enquanto não necessariamente se gostam, se apoiam e com isso projetam sua sombra sobre as corruptas cidades de Himline; mas não apenas o povo comum sofre suas depredações, figuras menores do submundo também precisam lutar para sobreviver debaixo de seu julgo, ainda mais por não poderem contar com autoridades.

 

Encontram alguém disposto a lhes dizer algo porém prova-se muito mais difícil do que inicialmente aparentava. Não apenas são novos na cidade, não possuem uma fama prévia e não fazem questão de espalhar serem ex-soldados de Le’Berry, não antes de garantirem que o vingativo comandante não está atrás deles. Lian não possui a desenvoltura de se envolver com as classes baixas, Verner é quase mais fera que homem, Alan é tão amistoso quanto um graveto. Felizmente, Eric é um local, e demonstra não pouca habilidade em conversar com navegantes, meretrizes e bandidos locais.

 

São diversas horas noite adentro antes de eventualmente conseguirem alguma informação útil. Conseguem o nome de um contato, bem como o local para onde encontrá-lo; Madre Jeaninne é o nome, que pode ser encontrada mais para dentro no distrito mercante. Tudo que o criminoso menor que lhes deu a informação pede em troca é que quebrem os joelhos de um dos asseclas de Danny; um tal de Zigrun.

 

“E o que tu tens a ver com isso?”, indaga Verner.

 

“Zigrun estuprou minha irmã. É a vida. Mas eu ainda tenciono o ver pagar.”

 

Lian cirra os olhos. “...lady Rose-Marrie...”

 

Alan deixa a conversa e toma o rumo do distrito residencial apontado. “Considere-o feito.”

 

Cardeal Amoch, durante a Guerra dos 50 Anos

 

This entry was posted on segunda-feira, novembro 02, 2020 at 22:24 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

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