Guerreiro
22 - 11 4E
Diário,
Eu
não entendo que há de errado com estas pessoas! Como que podem agir desta
forma, tão indiferentes com o que os demais, mesmo seus companheiros de
aventura pensam ou sentem? Enchem a boca para falar que abriram mão de tudo
para salvar o mundo, mas quando sugiro que gastem menos dinheiro com cafés da manhã
pomposos ficam ofendidos.
Como
podem ser tão cruéis? Carregam orgulhosos símbolos que nada significam, e
parasitam dele o veneno doce da simplificação: Tudo vale, tudo pode ser
trocado. Todo sacrifício é aceitável. Para eles, as coisas não tem peso, elas
se desfazem no ar porque tudo é volúvel e simples, mesmo os valores pessoais.
Tudo é um mero capricho volátil.
Não
existe diferença entre mercenários e prostitutas. Tudo é uma moeda de troca
pelo preço correto, ao que parece, mesmo aquilo que nos faz nós mesmos. Luna
lançaria a lama seus amados, sua vingança e sua fé? Gaborn abriria mão de seu
exercito e de sua espada? Xeloksar negaria a sua companhia e o que diabos seja
que ele acredita? Por uma chance? Cínicos. Hipócritas. O fazem de boca para
fora, eu sei que não o fariam.
Mas
obrigam o Raagras a abrir mão de sua arma, de um pedaço de memoria que ele
jurou jamais compartilhar por uma chance, não uma certeza, uma mera hipótese de
poder falar com a merda de uma rainha caprichosa. Tudo o que vive morre e nos
somos julgado pelo que fazemos até lá. Sejam Santos ou pecadores, Reis ou
mendigos. O que nos separa é o que somos.
Mas
não importa pare eles. Não. Cruéis e cretinos mercenários e prostitutas.
E
sou eu a mensageira de tal prostituição. Os covardes sequer tem o animo para ir
a falar para Raagras que ele tem que abrir mão de sua fé para ter uma maldita
chance de falar com a maldita rainha. Assumi a culpa.
***
Guerreiro
22 - 11 4E, noite
Diário,
Estava
raivosa. Não devo ficar assim. Entendo o ponto de vista deles. Não concordo,
mas entendo... É... Difícil.
Em
todo caso, acordei hoje em outro pesadelo. Estranho desta vez. A senhorita Luna
diz que estou com olheiras. Raquel me mataria se me visse nesta aparência.
O
que esta acontecendo comigo?
Acho
que a cerveja me fez mal. Acordei numa estalagem pomposa. Desde quando eu passo
mal com cerveja? Enfim, como íamos fazer muitas coisas, decidi colocar minha
armadura. Luna diz que as minhas roupas fedem. Isso é meio ofensivo, apesar de
que tenha que admitir que sim. Mas não tenho o que fazer.
A
senhorita Lindriel vestiu uma roupa bonita. Ela é uma qesir muito bonita,
mesmo. As tatuagens ajudam. Já sei porque Lucian gosta tanto dela.
A
senhorita Luna também. Vestiu uma roupa que parece que vai cair. Não faço a
mínima ideia de como ela fica grudada no corpo dela. Parece uma daquelas roupas
do povo de Kul, mais ou menos. Mais curta, menos tecido. Será que é uma técnica
da Mãe Negra? Se for, é uma verdadeira arte!
O
café da manhã deste lugar parece ser feito para uma família inteira. Muita
comida. Tem cheiro bom, mas... É ostentosa demais. Eles não parecem se
preocupar? Porque deveriam? A senhorita Luna só come coisas claras. Devo
lembrar-me disso. Coisas claras. Lorde Xeloksar come a gosto. Raagras também,
mas não com nos. Ele parecia estar trabalhando.
A
senhorita Lindriel foi tomar sol. Eu não sabia que Qesires se bronzeavam.
O
resto de nos foi a casa do professor Mario Constantini. Não tivemos sorte em
falar com ele, apesar de que um senhor bem elegante e gentil falou com nos. Eu
não sei o que ele falou mas temos uma entrevista com ele amanha de manha. Com o
professor Mario. Há sim, vimos também a filha dele. Acho que era. Ou a esposa.
Deve ser a filha. Era tão bonita quanto a Nualia falava.
Como
tínhamos a tarde livre, pedi para me acompanharem a fazer uma espada nova. Uma
de madeira. Luna não quis ir. Khain é uma cidade bem grande, e tem um comercio
bem interessante. As pessoas gostam de musica por aqui. Sempre há um senhor
tocando violino ou um daqueles instrumentos estranhos que é uma caixa com uma
parte mole no meio que tem que ficar esmagando e puxando e fazendo careta
enquanto se aperta uns botões nos lados e sai um som bem feio, mas que de
alguma forma parece legal. Não sei o nome.
Tem
vários garotos de rua também. Um deles tentou roubar a sacola do Lorde Gaborn,
mas este agarrou a criança e deu um cascudo que quase desmaiou o tadinho. Ele é
um homem severo, o Gaborn. Sempre que cruzamos com alguém com aparência de
guerreiro ele o encara. A maioria vira o rosto. Estou acostumada a companhia de
pessoas altivas, mas este homem, Lorde Gaborn, parece que traz a morte
aprisionada em seus olhos negros.
Comprei
minha espada em uma loja que tinha uns cachorrinhos de madeira muito
bonitinhos. E uns coelhos também. E um mamute pelado. Queria mostrar pro Lúcian,
ele não acredita que tem mamutes pelados no sul.
Bom,
passei a tarde conversando com as pessoas da cidade. Elas passaram muito
sofrimento. Um marceneiro chamado Vincenzo teve sua família inteira morta pela
praga. O padeiro Luigi, que se dizia um artista do pão, teve sua loja saqueada
e incendiada por bandidos. A senhora Lucrécia teve seus três filhos mortos
porque quiseram esconder um amigo homem-rato deles. Queria ter tempo para
ajudar todos eles.
Pedi
para o Lorde Xeloksar localizar um chefe da gangue local para tentar falar com
ele para parar de fazer mal a estas boas pessoas. Não deu certo. Lorde Xeloksar
não acredita que eles estão fazendo isto porque querem. Ele acha que eles não
tiveram outra oportunidade. Eu discordo, mas não vou discutir com ele sobre os
méritos da criminalidade. Não agora.
Me
aperta o coração ver gente boa, gente honesta, denegrida deste jeito. Vivendo
em medo e carregando um sofrimento que não deveria ser deles. Como podem os
ricos e poderosos simplesmente ignorar isto?
Acho
legal como as pessoas me reconhecem de armadura. Elas apontam para mim e falar
aquele idioma estranho delas, mexem com as mãos, cutucam umas as outras,
apontam e gesticulam para mim, na maioria das vezes com olhos arregalados de
quem não acredita o que vê. É legal. Apesar de fazer calor. Armadura é quente
demais.
A
senhorita Lindriel me pediu para ir com ela a festa hoje de noite. Faz anos que
não vou a uma festa. Os outros parecem animados. Inclusive Lorde Gaborn que
comprou um elegante traje negro para ir. E Lorde Xeloskar também, se portanto
como Barão que é. É um Thaar bastante belo, este meu companheiro de aventura, e
ele sabe disto. Vi ele se aproximando de uma das mais belas damas da festa e
com um leve gesto faze-la corar e sorrir.
A
senhorita Lindriel foi com o traje de sacerdotisa dela. É... Distrativo. Acho.
Acredito que a logica dele seja para ser desafiador você olhar a sacerdotisa no
rosto com aquele decote. A senhorita Lindriel tem belos seios, incomuns numa
qesir.
Quem
estava muito bonita foi Luna. Um rapaz galante lhe fez um belo vestido que
parecia que ia cair. Ela gosta disto. Em todo caso, era muito bonito, mesmo.
Ressaltava bem como Luna é uma moça esbelta e curvilínea. Não é por nada que a
Insaciável a abençoou! Os homens da festa pareciam querer quebrar os próprios
pescoços para velos, e controlar os ventos para fazer aquela roupa temerária
cair dela. Acho que esta era a intenção.
Falamos
naquela noite com Karlanar. Lhe entreguei a arma de Raagras. Não gostei de
faze-lo, me sinto como traindo ele, mas se isso servir para alguma coisa... Ele
vem com uma conversa solta de que tinha que ajudar ele primeiro para então ele
me ajudar, algo de ganhar a amizade. Não gosto dele. Não gosto dele nem daquele
Akiak insano, o Bum. Não são de confiança.
Ele
prometeu me ajudar. Espero que me ajude mesmo, detestaria olhar para Raagras e
falar que sua arma foi aberta e desmontada por uma promessa vazia. Ele disse que em uma semana poderia me confirmar.
É o tempo que ele tem com a carabina.
Todos
se divertiam. Menos Gaborn. Ele nunca parece se divertir, exceto quando come
aquelas sementinhas. Ele é um homem estranho, que certamente lida melhor com um
campo de batalha cheio de pessoas que querem sua cabeça que com uma noite
quente numa mansão. Ele é um homem atraente, certamente, pela forma que as
moças mais jovens o fitavam de longe. Pela minha experiência com a Cibele e com
a Elizabeth, garotas jovens gostam de garotos maus. Gaborn parece não notar.
Falamos
com a senhorita Felícia. O corpo da Rainha Sorshen é algo digno das lendas: A
rainha da luxúria, algo difícil de esquecer. Eu já vi muitas coisas, mas nunca
como os seres humanos se pareciam nas primeiras eras. Sua pele
parecia tão macia e seus cabelos tão negros e sedosos, seus olhos e seus
lábios...
Deve
ser terrível, estar presa em um corpo de outra criatura. Ela demonstrava
incomodo ao ser chamada de Sorshen ou ser elogiada. Pelo que a Celeste contava,
a senhorita Felícia era uma mulher mais varonil, e custa-lhe viver na expectativa
que se tem daquela que leva o corpo de Sorshen.
Ela
explica sua parte da historia. Coisas não batem. A maioria sim, mas no final.
Nualia estava lá, estava lá quando a magia de sangue se tornou Ashardalon, ela
fez alguma coisa. Não houve o sangue de Dragdar... Ashardalon não é Dragdar.
Pode não ser.
E
mais, Tiphon estava lá. O mesmo marido de Elizabeth. Os estrelas negras sempre
souberam do que aconteceu. Porque eles não vieram até mim, até Izack?
Até
onde vão as maquinações de Nualia?
***
Diário
de Lindriel (traduzido do Silari)
22
de Guerreiro - Ano 11 da Quarta Era
Sol, mar e areia.
É
deveras interessante notar que mesmo morando na costa eu não tenha a
oportunidade de aproveitar essas três simples coisas diariamente. Não faz-se
necessário dizer que a costa de Elhedond não favorece praias de areias brancas,
e sim penhascos rochosos e portos fétidos, mas é de se imaginar que um morador
conseguiria tempo para aproveitar as belezas naturais da região.
As
milhas ao Sul fazem toda a diferença. Não apenas pela costa abençoada e os
agradáveis graus a mais que elevam a temperatura de “deselegantemente frio”
para “confortável”, mas também pela situação. Os outros desesperam-se e
tencionam viajar por todos os cantos de Khain tencionando fazer todo o possível
dentro do curto espaço de horas em que o sol ilumina essa bela terra.
Agarram-se ao dia como se fosse seu último. Mortais.
Sua
ânsia de viver e alcançar lhes faz acreditar que estão vivendo o presente ao
máximo. Humanos em particular adoram fazê-lo. Correndo de um lado ao outro
improvisando planos e tentando escavar uma solução. E durante isso esquecendo
de aproveitar as imagens, sons e sabores que Khain tem a oferecer. Claro que o que
Erika e os seus estão atrás é algo importante, mas o mundo não acabará amanhã,
e se o fizesse eu preferiria passar meu último dia banhando-me em sol e
recuperando minha cor do que andando por docas fétidas...
Temos
um jantar para ir hoje. Conheço o gosto Alarani, e histórias o suficiente sobre
nosso anfitrião para esperar tudo menos um, como ele colocara, “jantarzinho”.
Um encontro com personalidades é o mais provável. Um baile talvez se Tu
permitir.
Oportunidade. Tolo
em fornecer-nos tal oportunidade.
Não
deveriam preocupar-se com becos, canais e docas. Misturam-se com a escória do
mundo e gastam seu precioso -e curto, admito- tempo; tudo quando a noite será
de Ouro e Prata, e nisso possuímos “alguma” vantagem. É certo que o Alarani
tentará engambelar-nos. “Uma semana”, provavelmente será seu ardil; talvez
mais, caso possua tanta coragem quanto gosta de aparentar. Admiro sua coragem, não, é mais que mera coragem: É audácia. Tu ensina-nos à admirar nossos inimigos, afinal, e admiro sua audácia.
Erika
seria decididamente ingênua em atender seu pedido. Que sirva de teste, vejamos o
quanto a famosa Paladina é hábil em lidar com os homens. Será capaz de notar
suas intenções e evitar ser presa em sua teia? Ou tombará vítima da peçonha
disfarçada com doce sorriso?
O
suspense me excita. Tanto que me pego escrevendo essas palavras em um diário. O
furor me cora e sinto-me particularmente viva, essa curiosidade me corroendo de
forma agradável por dentro, me deixando no melhor dos humores. Não consigo
esconder o sorriso. Graças à Ti por essas emoções.
Mas
não devo perder o foco. A dúvida quanto a força, ou ainda a fraqueza, da humana
é tão doce apenas quanto sua irrelevância. Nada resultará dessa interação. É
previsível e tão claro quanto essas águas que tocam meus pés. Mas se a fada
sombria acredita ser capaz de parar o inexorável avanço do sol então ela está
plenamente enganada.
Tolo
em fornecer-nos tal oportunidade.
Khain
está acostumado com os sacerdotes da Imperdoável. Distantes e agradáveis, uma
fonte de informações e conselhos respeitadíssimos. Conheço seu templo, um altar
em uma bela sala, um local de encontros, negócios e palavras sussurradas,
apenas para convidados. Não esperam pela Insaciável, pelo furor e vulgaridade que
somos capazes de prometer. Estão acostumados com a ameaça do açoite do ferro. Não
esperam por Ouro, não esperam por Prata.
Preciso
estar radiante como o sol de Khain. Por isso a praia. Ou talvez isso sirva como
desculpa para a praia. Reforçarei a beleza pálida d’ela com pós e maquiagens;
os dias de viagem em um navio fizeram mal à sua clareza, e uma aparência
mundana não nos servirá de nada. Como Prata Verdadeira Luna irá cortar pela
carne dos convidados e revelará a verdade oculta. O sol inexorável raiará para
banhar-nos em frutos do duro labor. Luna nos conseguirá alguma coisa, um
atalho. Aposto em uma forma de conseguirmos correspondermo-nos com a monarca;
aposta alta, mas nada que duas sacerdotisas não consigam. Uma carta entregue à
suas mãos servir-nos-ia muito bem. Só faz-se necessário um bom alvo.
Contorço-me
de prazer ao imaginar a face de Karlannar ao receber tais notícias.
Ah
Intensa, sinto-me juvenil hoje. Pareço uma ninfeta atrevida com risinhos tolos,
escrevendo um diário deitada nas areias de uma praia, o inexorável sol às
minhas costas. Tu faz sentir-me viva hoje. Banhar-me-ia nua em homenagem à Tua
forma, mas não tenciono ser presa hoje.
Sentirei
o toque das águas mais uma vez antes de meditar; faltam poucas horas para o
crepúsculo e preciso controlar-me. Os
anos perto de humanos estão fazendo com que eu aja como uma mortal: Mal posso
esperar o anoitecer.
Tua glória ilumina-me ó Insaciável, sou o mero avatar de Tua radiância. Torne-nos Tua ferramenta.
Tua glória ilumina-me ó Insaciável, sou o mero avatar de Tua radiância. Torne-nos Tua ferramenta.
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on quinta-feira, julho 30, 2015
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