BL - Diário de Erika 09  

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Sessão 9

Trecho do diário de Erika

Diário

Não sei como expressar este nó na garganta que estou sentido agora mesmo. Durante anos eu imaginei como seria meu reencontro com a Galatea. Eu imaginei tantos cenários, tantos diálogos, todos eles sempre terminando de forma boa e positiva.

O que ocorreu foi exatamente o contrário. Eu paralisei. Não consegui montar palavras nem ações, nem reações. É como seu estivesse vendo a Raquel novamente: o mesmo jeito, os cabelos, o cheiro. Galatea não é a Raquel, mas eu consigo vê-la na filha.

Droga. Que está acontecendo comigo? Eu matei deuses e demônios. Eu encarei dragões e lutei ao lado de reis e de santos. Porque me deixei acovardar por uma garota?

Galatea me odeia. Tem raiva de mim, e por motivo justo: A mãe dela escolheu morrer para que eu vivesse. E por isto, ela ficou sem a mãe. Ela também me acusa de querer forçar ela a um destino. Isto não entendi. Jamais quis que Galatea fosse minha companheira ou fosse minha discípula nem nada disso. As pessoas morrem ao meu redor, e eu não quero isto pra ela.

Eu queria que ela soubesse que havia alguém que pensava nela, mesmo estando do outro lado do mundo. Ela não leu as cartas. Isto me faz ter vontade de chorar.

Eu não me importo que ela seja uma sacerdotisa, ou uma aventureira, ou uma meio-sangue. Ela é a filha da pessoa que mais amei. Eu quero que Galatea seja feliz.

Ela claramente não quer ter nada a ver comigo. Eu entendo ela. Eu sou de muitas formas uma pessoa detestável. E estar perto de mim é uma grande certeza de morte ou sofrimento. Eu tenho que estar sozinha.

Sabe, eu tenho muita vontade de largar estas pessoas e esta cidade. Sumir de novo no mundo, para uma terra distante que não precise encarar as coisas que deixei para trás.

Estou cansada.

Se Galatea não me quer, que seja! Não tenho tempo, nem paciência, para ficar lidando com isso. Tem pessoas que precisam ser salvas. Feridos, dragões, coisas lá fora que precisam ser combatidas. Não sou obrigada a suportar chiliques de adolescentes.

Apesar de que é a filha da Raquel.

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Diário

Esta amanhecendo. Fiz uma triagem dos feridos por chama diacrônica, consegui que colocassem eles separados um pouco dos feridos normais. Não faço ideia que tipo de feitiçaria negra foi utilizada em seu sopro, e não sei como isso vai afetar as outras pessoas. Há uma aura negra em tudo isto. O sangue deles é diferente. É denso, negro, envelhecido.

Fazia tempo que não via tantos feridos e mortos, tanto sofrimento em um lugar só. Os Thaar são um povo resistente, mas nem mesmo eles suportariam o ataque surpresa de um dragão. Não um do tamanho daquele. E se mais dragões estiverem chegando? E se o dragão foi... chamado pra cá?

Não posso deixar de pensar nos esporos da meia noite. Será que estas cinzas envenenadas por esta magia negra vá a afetar o resto da população?

As palavras do mendigo ainda me soam nos ouvidos. Há alguma sombra negra pairando sobre Hamask, e tem a ver com o novo rei e seu novo conselheiro. Ele está agindo dentro daquilo pregado pelos sacerdotes do solar: esmagaram o crime, impiedosamente. Acho difícil não ver uma ligação.

Estas crianças brancas também são medonhas. Nunca vi um amaldiçoado deste tipo, e as histórias que contam sobre eles são terríveis. Deve ter algum jeito de reverter essa transformação. Ninguém merece viver uma meia-vida como aquela.

Hamask, como cidade, me traz muitas lembranças. É como se fosse uma terra de um sonho distante, onde eu, Eliza, Cibele e Raquel andávamos com menos preocupações, mais jovens, mais tolas e mais confiadas.

Me enche de tristeza ver esta cidade neste estado, pessoas com medo e mortas na rua, e a devastação feita por um dragão. Não entendo o pensamento do Rei. Durante décadas o governo foi omisso e inexistente para aqueles que não tinham o dinheiro para barganhar por sua presença. De um dia para o outro, decide tomar as rédeas em suas mãos promovendo terror e matança pior do que jamais havia sido feita pelos criminosos.

Por mais que seja a favor de um governo mais ordeiro e presente, não posso concordar com atos que são claramente tirânicos, e que ferem mais a população normal que os criminosos. Os Thaar já fugiram uma vez de seus mestres aberrantes, e isto prova que não se pode ter Thaars presos em um lugar. Eles são livres. Ganhar sua liberdade em gerações de luta. Como se atreve um reizinho a vir e insultar o legado dos seus pais?

Por outro lado. Estou envergonhada pela posição que tiver para com o Lorde Xeloksar até agora. Eu supunha que ele era mais um nobre presunçoso, mais um daqueles aventureiros e exploradores cheios de si mesmos, que esfregam na cara de todos o quão ricos e bem sucedidos são.

Lorde Xeloksar se importa mesmo com os seus, seus amigos e empregados. E faz uma série de ações boas, sem gabar-se por isso. Será mesmo que há um verdadeiro herói dentro deste Thaar. Se for, me alivia o coração.

Gostaria que tivessem ficado para me ajudar. Há muita gente sofrendo e chorando. Ferimentos infecionados e febre. Há muito trabalho para fazer.

Em fim, não posso me demorar mais.


***

Parte dos pensamentos da Alta Sacerdotisa Luna

                Hamask, olhar para a cidade é como olhar um fantasma triste e pálido. Hamask , Hamask que já foi minha, a cidade a qual já pertenci, aquela a quem devo tudo que sou, aquela que tirou tudo de mim. Já fui mais humana do que sou hoje?

                Enquanto bebemos um agradável chá na ante-sala da mesa de refeições e Xelos abre sorrisos forçosamente grandes para deixar Galatea á vontade, com seus batidos galanteios de "My lady, a senhora tem apenas padrões exóticos de beleza, em nada inferiores a qualquer humana pura" eu penso em tudo que vimos nessa cidade.

                Galatea desconcertada e lisonjeada menciona "que sua beleza deve-se ao fato de infinita bondade D'A Dama bela, mas que nunca chegará aos pés de sua mãe", e eu penso a olhos marejados que Hamask fora transformada como um dia eu fui, e que nunca será a mesma, pois a marca é permanente demais.

                O jantar fora imensamente agradável, conforme a mansão do barão parece ganhar vida com nossa chegada, uma governanta que tem de fato serviço a fazer, seguranças que tem do que cuidar, cozinheiras que tem a quem agradar, tudo vivo e colorido, diferente da cinzenta cidade griz, queimada e tão imensamente marcada.

                Formulamos teorias sobre tudo o que descobrimos e me pego pensando que Liu seria provavelmente algum desses jovens amaldiçoados, chamados de pálidos, fervoroso que era com sua castidade. Nos tempos de hoje minha ousadia o teria “salvo”

                Xelos é uma figura tão triste quanto sua cidade tomada pela chama draconica, seus belos e alvos chifres e dentes, sempre tão a mostra, parecem esconder uma tristeza tão tão imensamente grande que parece que se eu estender minhas mãos eu conseguirei toca-la, sua dor, sim eu seria capaz de segura-la sem deixa-la escorrer por entre meus dedos, tamanha a densidade de sua dor, mas não sei sua origem, nem como muda-la, apenas sei que ela existe lá, tal qual as labaredas existiram na cidade horas atrás.

                 A história que envolve Hamask nos ultimos dias é assustadora, um dragão imenso, com o peito brilhando em purpura trouxe o holocausto a cidade dos bandidos; muito descobrimos e muito mais especulamos: Um rei fraco se torna forte e toma as rédeas de sua cidade e povo, um sacrificio é necessário e isso envolve 24 belos e jovens virgens de ambos os sexos deixando sua humanidade de lado e se tornando monstruosas maquinas de guerra, aparentemente com pensamento de matilha, uma figura misteriosa surge ao lado de um rei transformado como seu braço direito e conselheiro mais ouvido, familias perdem seus filhos, enamorados perdem seus pares ou se transformam juntos,a virgindade é o selo mais procurado, seguido de beleza, a igreja do pai sol é acusada de juntar-se ao dragão, e em meio a tudo isso Hamask arde, seu povo perde a liberdade, todos perdem, todos.

                Os acontecimentos dessa cidade deixaram muitas crianças orfãs, muitas delas eu vi na Sol Nascente, onde por tanto tempo marquei encontros para a prostituição. Crianças gordinhas ou magrinhas, doentes ou saudaveis, risonhas ou quietas, todas, sem excessão tristes e carregando a perda de algo ou alguém, lágrimas gordas brotando de seus belos olhos brilhantes: castanhos, azuis, cinzentos ou estrelados, marcados pela vitória contra as aberrações: os marcados Orokul.

                As lágrimas pesadas e grossas de Galatea não deixam meu pensamento, ainda que agora ela esteja a poucos metros de mim, com um a sorriso largo e suave aberto com o copo de hipocraz quente em mãos, essa mulher linda e voluptuosa tem um ressentimento imensamente avassalador em sua alma, algo que consome sua paz de maneira bruta e cruel, feio de se ver. Ninguém viu aquela dor toda? só eu ouvi os gritos de acusações , que não pareceram nenhum pouco falsos, contra Érika e Cibele? Essas duas ladies consideradas os paragões da bondade e da justiça causaram de fato todo mal que acusa a menina-mulher mestiça? ou a dor de ver os orfãos, o mundo ameaçado depois do sacrificio de sua mãe, tudo isso corrompeu sua saudade em ódio?

                O abraço dela é firme e doído, seus soluços contra meu peito tão menor que o seu, suas palavras, tudo, em tudo me lembrou Lucian em seus piores momentos com seu pai. Ofereceram dinheiro, treinamento, estudos, fama, tutelagem, mas será que alguém além de mim viu que ela, assim como os pequenos de olhos brilhantes na Sol Nascente, é apenas uma orfã, desesperada pelo colo da mãe que nunca mais terá?

                De tudo que vimos desde que chegamos, e muita coisa me trouxe ódio, tristeza e dor, poucas coisas me trouxeram maior desespero e vazio do que essas lágrimas e punhos cerrados, porque eu tive certeza de que nada importa o mundo se não tivermos a quem amar, admirar e sentir saudades, sem isso, somos apenas ecos, fantasmas tristes e pálidos daquilo que já fomos. Enquanto sorrio e reencher o copo da menina de hipocraz e ouvir ao fundo Lindriel provocar Xelos, visto meu mais belo sorriso, enquanto meu coração se despedaça: Estou salvando o mundo pra quem?


***

Um adendo das memórias de Lorde Xeloksar

Nunca imaginei que um único dragão pudesse causar tamanha destruição, agora passo a entender um pouco mais a aflição pela qual Erika passou quando atacaram a Cabala, não é só o horror do ataque, é a obliteração de tudo que você acredita.

Nem mesmo os constantes ataques das abominações minaram tanto as muralhas e a moral de Hamask; nobres e comerciantes vagam pela Praça Central do Elevado, tão sem vida quanto os Pálidos criados.

Em estado não menos pior estava a Companhia, completamente saqueada, o vazio e o pó acumulado pesaram demais em mim... os ignorantes que as levaram talvez nem saibam o que estes objetos representavam, cada um com uma aventura, cada aventura com uma história.

Sua inauguração foi motivo de festa, propositalmente junto ao Carnaval; ambas decoradas no mesmo estilo, as pessoas, os interessados, os curiosos, os sorrisos... uma época que parece tão longe, o pó se assemelha ao das ruínas que explorei, como se ninguém a visitasse há centenas de anos, esquecida, abandonada, mesmo o jardim, coberto de cinzas, as flores ressecadas, sem nenhum cuidado.

Será que se eu estivesse aqui teria evitado tal desfecho, ou seria mais um a sucumbir perante a turba, pior, perante o dragão?

Como podemos enfrentar tal criatura se nem mesmo Hamask pôde com um Ancião? Fugimos dos asseclas de Dagon na primeira reunião, e até agora não vi progresso, belos heróis, bela Cabala.

Perdoe-me pela ausência cara amiga, tive esperanças que escapasse incólume, mas, não está destruída, objetos podem ser substituídos, as moças escaparam com vida; reinauguraremos, maior, melhor, tal como a buganvília que precisa ser podada, essa foi sua poda para que suas cores e beleza se renovem com ainda mais vida.

Não menos pior é a situação dos Pálidos, a salvação e a ruína de meu povo. Claro, resolveram as revoltas, crimes e tumultos, mas a que custo?

Iridia era uma jovem com um casamento marcado, em sua pureza a promessa a Danson, como ousaram ceifar isso deles?
Proibem a escravidão, mas permitem um destino pior, grilhões na alma que não permite que reconheçam os entes mais queridos.

Essa força... imortais, obedientes, invencíveis... golens a preço de custo, com produção em massa? É bom demais para ser verdade, deve haver uma falha, deve haver uma maneira de reverter.

Dizem que o Vice-Rei tomou as rédeas do poder, fez pronunciamentos e agora governa como deveria tê-lo feito há anos, mas há boatos de um Feiticeiro que o acompanha, portando uma máscara ornamentada... penso imediatamente em Jacopono: Um ex-arcanamach, mascarado em um primeiro contato, enviado para Hamask para o Conde, e subitamente o Vice-Rei começa a caçar  membros do Sindicato. Vingança? Queima de arquivo? Ou mais um dos planos do Conde para eliminar concorrência? Se realmente for Jacopono, precisamos tomar cuidado. Mas como conseguiu realizar tal ritual em tão pouco tempo?

Mas e depois? Se realmente houver uma maneira de reverter tal estado? Temo pelo pior, pois é justamente a presença dos Pálidos que impõe uma ordem, sem eles, Hamask não sobreviverá.

Que Cassep perdoe meu egoísmo, mas não posso deixar Iridia nesse estado.

Não só Iridia sucumbiu em razão do ataque, foi um choque encontrar Sorano na taverna de Zuniar.

Seu corpo parcialmente carbonizado, Lindriel em sua insensibilidade, mencionou que sua vida esvaia-se, havia algo místico na queimadura.

Diabos mulher, esse homem é um herói, salvou vidas em detrimento da própria; foi um pai e marido que perdeu a família para as Chuvas; e é meu amigo... até Gaborn tem mais respeito por moribundos que ti.

Não pude salvá-lo. Focar-me em Restauração não foi o suficiente, conhecer ervas não é suficiente, há algo mais, há algo maior, e pela minha ineficácia sequer posso fazer com que sua partida seja menos tortuosa.

Sempre fui fraco para despedidas, ainda mais quando sei que não nos reencontraremos, mas não deixarei que parta sozinho, foi você mesmo quem me ensinou, os cavalos podem derrubá-lo, mas isso não impede de continuar tentando montar... ninguém derruba mais que a vida, e isso não me fará desistir.

Mesmo com tantos infortúnios o destino ainda prega peças.

Eu nunca tinha visto Erika tão... precavida?

Uma meia-orokul chamada Galatea, aparentemente filha de uma amiga da paladina, e as aparências apontam que não são tão íntimas quanto deveriam.

Mas há algo mais, ela passa a impressão de, não sei, estar perdida. Passar um aspecto de durona, apesar de eu sentir que é carinhosa, ameaçar, mas preocupar-se com os outros. Usar o porte orokul para intimidar, mas também remoer-se em preconceitos por ser uma meio-sangue. Hormônios ou simplesmente uma mente em conflito?

Não posso repreendê-la, Hamask não é a mais convidativa das cidades, tão pouco são os thaars, só quem viajou por entre tantos povos sabe o que é o preconceito e como isso afeta a moral.

Acho que isso ainda se agrava por ser uma meio-sangue, sem ser considerada humana, sem ser orokul, uma pária vivendo entre dois mundos sem pertencer a ambos, tal como você Veromos, espero que tenha encontrado seu lugar ao sol.

A garota parece ser muito amiga de Iridia, e tem um par de travesseiros que eu poderia passar dias sem dá-los como perdidos, verdade seja dia, pegou o melhor de cada raça. Glória à Cassep, felicito-a pela Acólita, Mãe Amorosa.

Gostaria de poder receber meus novos amigos em situações melhores, a cidade está fechada, temos um toque de recolher e o comércio está em sua pior fase.

Luna parece estar pior, lembro-me de termos conversado sobre sua alergia à lã, agora, uma crise de espirros quando entrou na Companhia, ou seria pela fuligem no ar?

Por mais que Anabelle promova uma rápida limpeza nos quartos me preocupo se não é o mofo dos tomos trazidos das expedições, nem todos tem esse apreço por esse tipo de fragrância.

Luna, claro, prefere perfumes e a fragrância de flores, é uma pena não poder mostrar o jardim em sua plenitude, quem sabe possa recuperar algumas mudas ou ao menos salvar-lhes as sementes.

Uma pena que Erika decidiu permanecer com Zuniar, gostaria de saber mais sobre ela, mas entendo, há feridos a serem cuidados, amanhã passarei por lá a caminho da casa de Sorano, quem sabe ela tenha conseguido alguma outra informação na Taverna do Sol Nascente.

               

This entry was posted on sábado, setembro 19, 2015 at 10:14 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the comments feed .

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