Sessão
13
Diário,
Fazia
tempo que não me sentia assim, sabe... Tão bem. Pelo menos fisicamente. Fazia
anos que não tomava banhos tão longos, nem comia tanto de tanta coisa. Confesso
que me deixei levar um pouco em determinados momentos também, mas a sensação é
muito boa. De não ter que passar fome, e principalmente de não ter que cheirar estranho.
Só
agora percebi que eu cheirava estranho. Por quanto tempo passei isso?
Há
uma questão melancólica nisso. Durante muitos anos eu levei este voto que eu me
auto impus. Eu pensava que era através dele que eu iria conseguir entender o
que as pessoas passavam, as pessoas normais, e assim, eu poderia agir da melhor
forma para poder ajuda-las. Eu também escolhi me livrar de tudo o não essencial
para poder tomar as decisões que precisava sem ter a distração de objetos e
posses.
Durante
um tempo, isto deu certo. Durante um tempo, eu confesso, eu me senti bem, e
livre. Desapegada das coisas mundanas eu comecei a perceber detalhes de um
mundo diferente, e minha compreensão de como o mundo funciona, de baixo pra
cima, se aprimorou. Eu comecei a entender e amar aquilo inadequado, as coisas
de baixo, as coisas que geralmente são esquecidas.
Mas
ao mesmo tempo, este código começou a me drenar as forças. Não foi só a Galatea
que me falou isso. Izack, Lucian, Cibele, até mesmo Araleth me apontaram como
eu estava levando isto longe demais. Eu... eu passava fome para que outros
possam comer e não dormia para que outros possam descansar. Isto é bom eu acho,
mas eu também sou uma guerreira e sou uma figura conhecida. Eu me deixei levar,
e, de certa forma, no afã de me tornar mais do que sou terminei me tornando
menos.
Agora,
meu mundo mudou.
Não
tinha compreendido o que significava a escolha que fiz até ver que tinha a
disposição comida. Muita comida. Pareceu errado durante um tempo, mas eu
entendo que não posso mais continuar com meu voto. Minhas responsabilidades
agora são outras.
Foi
me indicado uma moça chamada Evalia para ser minha dama de companhia, ou algo
assim. Para cuidar de mim. É uma moça gentil e no começo confesso que não sabia
como agir. Jamais tive uma dama de companhia, jamais precisei de uma.
O
marido dela morreu comido por um draconato. Mas ela é jovem e bonita,
certamente encontrará logo alguém que a ame tanto.
Em
fim, irei tentar dormir um pouco. Faz diversos dias que não o faço. Talvez eu
consiga dormir sem os pesadelos...
***
Diário,
Outro
pesadelo. Eu fecho os olhos e consigo ver imagens estranhas, dor e dragões, ou
outras vezes monstros do além do véu. Às vezes vejo os pássaros do véu, e as
vezes dor e sofrimento daqueles que eu me importo. Todas às vezes angustia,
todas as vezes o terror.
Evalia
pareceu se assustar com isto. Eu falei que era normal. O triste é que os
pesadelos se tornam normais. Faz quanto? Dois meses, mais até.
Estou
cansada de não conseguir dormir bem. Eu pensei que iria me acostumar mas não
tem como se acostumar a algo assim. Eu temo ter que dormir.
Pedi
a ela não contar para ninguém. Muito menos para Urian. Especialmente não contar
para Urian.
***
Diário,
Tive
um sonho diferente hoje. Igualmente assustador. Eu vi Damon me enviando uma
mensagem através dos sonhos, utilizando o sangue e um chapéu de carcaça de
cervo. Ele me disse que “ela” tinha tomado a espada, e me mostrou imagens de
uma nortenha com um urso, de homens sendo chamados a guerra, de uma cabeça
decepada e uma espada maldita. Ele me avisa que “ela” tinha tomado a espada e
me pede auxilio.
***
Diário,
Vossa
Majestade Kelokeratos não parece bem. Ele está tentando lutar contra os
ferimentos e as infecções que o afetam, mas claramente não esta melhorando. Os
fisiólogos já fizeram tudo o que poderiam, e agora depende da sorte.
Talvez
o deveríamos levar à Elhedond, certamente algum sábio ou feiticeiro poderá
ajuda-lo. Não acho que ele morrerá se não se arriscar. Ele provavelmente
melhorará com o tempo, dado a seu corpo condições, mas talvez não esteja apto a
viajar.
Em
todo caso, a decisão é dele, não posso impedi-lo.
A
senhorita Luna veio a falar comigo hoje a tarde. Ela estava preocupada com os
nossos seguintes passos. Urian foi bastante claro em afirmar que não poderemos
nos mover antes do casamento. E eu mesma concordei com isso dada a condição de
Vossa Majestade Kelokeratos.
A
senhortia Luna me explica que está preocupada com os acontecimentos e com o que
iriamos fazer. Estamos a tempos demais parados, esperando ou nos preocupando e
qualquer outra coisa que não seja nossa missão. Ela tem razão.
Pedi
para a senhorita Luna enviar um aviso à senhorita Annika e ao senhor Volksar
sobre nossas andanças.
Por
outro lado, confesso que fico muito decepcionada e até irada com a atitude de
Luna. Não foi ela que rogou para a Ordem do Dragão tomar Hamask? Não foi ela
que organizou o espancamento aos Cavaleiros do Corno? Não foi ela que tomou
parte, que golpeou-os, que choramingava pelas crianças que iriam sofrer? E
agora, que estamos ao lado de Urian, que irei me tornar parte da Ordem do
Dragão, de certa forma, ela acha ruim e me incentiva a desconfiar do Patriarca.
Eu
pessoalmente acho grotesca a preocupação dela com as crianças. Justo ela, que
fez de sua vida e sua profissão uma missão para matar a inocência nas pessoas e
drenar os votos de sentido. Como ela diz se preocupar com o sofrimento das
crianças sendo que provavelmente ela já destruiu alguma dezena de lares?
Que
seja. Não sei se me importo mais com a decisão dela, o que ela faça ou deixe de
fazer. Ela deixou muito claro para mim que não está disposta a me seguir se
isso significar fazer algo que ela não quer.
Em
todo caso, fomos até a tenda de Vossa Majestade Kelokeratos a fim de conversar
com ele sobre nossos futuros passos. E em especial saber se eles iriam
continuar comigo. A senhorita Lindriel também veio logo após.
Eu
contei para eles o sonho que Damon me transmitira. Entendemos que se trata de
Emil, que tomou a espada e está usando ela para chamar os povos das terras
altas para a guerra contra brizzengard. Talvez, penso eu, não seja nem Emil. Me
lembro da Rainha Rosália e como ela fora possuída pela coroa de Karmassal.
Emil, sendo tola como era, provavelmente não conseguiu resistir, e não
seja ela a planejar a guerra, mas sim o
fragmento da alma deste dragão imorrivel.
Em
todo caso, compreendemos todos nos que a espada que Emil carrega é uma grande
ameaça. Não só para o norte, mas também para a Ordem do Dragão. A espada é uma
anátema para Urian.
Em
todo caso, decidimos que seguiríamos o plano original. Era de vital importância
achar Adventia e achar o sacerdote.
Além
do mais, Vossa Majestade Kelokeratos decidiu por me acompanhar nestas andanças,
mesmo que isto significasse seu sofrimento. Ele diz que não poderia
simplesmente deixar de ser parte disto. A senhorita Lina, por sua vez, também
decidiu me acompanhar. Mas com ela foi diferente.
Não
existe uma Cabala da Erika. Eu não tenho a personalidade certa para ditar os
caminhos como o fazia Izack. Eu não tenho a disposição de forçar as pessoas a
fazerem o que eu quero, só porque eu acho certo. Não somos uma cabala, somos
algo diferente.
A
senhorita Lindriel tem razão. Luna não deve ser uma seguidora. Não pode ser uma
subalterna, esperando por ordens. Eu não quero isto nem preciso disto. Ela, a
senhorita Luna, deve começar a tomar as rédeas da situação, ser uma voz ativa
dentro do que estamos fazendo e não esperar que tudo seja decidido por outros
para poder agir. O mesmo vale para Xeloksar.
Fomos
então conversar com Urian, que nos recebeu logo. Ele estava acompanhado de
diversos místicos estranhos, de olhos vendados.
Confesso
que não consigo confiar em Urian. Ele foi sincero em parte, mas também mantém coisa
demais oculta de mim e de nos. Como poderei depositar o total de minha
confiança em um homem que não está disposto a fazer o mesmo comigo?
Eu
entendo que nosso casamento nada tem de relacionamento, nada tem de amor: ele
precisa de um rosto conhecido para garantir poder politico e popular à ordem do
dragão. Eu preciso da força de seus homens e seu poder logístico. Ambos
queremos salvar o mundo de Ekaria. É conveniência.
Mas...
não sei... isto me faz sentir mal. Eu não gosto de que ele fale que vai ter “outras
matriarcas” e não gosto destes segredos. Eu estou abrindo mão de muita coisa, e
parece que ele de nada.
Eu
sei que não posso pensar nele como um homem. Ele não é humano. Não totalmente.
Ele parece que exaspera-se com ter que manter um espectro de relacionamento e o
faz de forma mecânica.
Em
todo caso, contamos a ele o que sabemos e quais serão nossos seguintes passos.
Ele entendeu: Não estamos pedindo a permissão dele. EU não estou pedindo a
permissão ele, estou avisando o que farei e quando o farei e porque o farei. A
única condição que impus ao casamento foi que ele me deixasse continuar a
investigar e combater Ekaria e os Daexir. Isto precisa ser deixado claro.
Todavia,
ele diz que considera uma guerra com Irritaria inevitável. Eu sinto que deveria
tomar uma atitude com isto, mas adventia é mais importante eu acho. Ainda que
uma guerra entre a Ordem do Dragão e o Reino Unido seja terrível, há coisas
mais urgentes. Ainda assim, me sinto compelida a tentar achar um termo de paz.
Eu
falo para ele sobre Emil e a espada. E Urian insiste para não me preocupar.
Brrzengard está longe e ele não quer que perca tempo. Ainda, no fundo eu acho
que ele teme a possibilidade da espada. Ela, na mão de alguém hábil o
suficiente, ou alguém perigoso o suficiente, será uma grande ameaça para a
ordem do dragão. Talvez ele tema que eu coloque as mãos nela. Talvez ele tema
que Saloknihr (acho que é assim) a tome. Em todo caso, ele não me quer
envolvida na procura pela espada.
Urian
promete compartilhar conosco os conhecimentos que Dragdar tinha sobre o Sem Escama
e ainda promete interceder em nome da Ordem do Dragão para ajudar Raagras. Pelo
menos para evitar sua tortura e dá-lhe a chance de ir para a montanha prateada.
Eu fico feliz. Eu queria ele a meu lado, o Raagras. Eu não confio em Luna ou
Xeloksar, mas confiava nele.
Em
fim, nutro sentimentos conflitantes com Urian. Eu temo ele, mas também ele
desperta admiração e curiosidade.
Iremos
nos próximos dias a caçar a Aurora Escarlate.
***
Diário,
Poucas
vezes na minha vida vi algo tão brutal. Já vi coisas terríveis, mas isto. Isto
é novo, até para mim. Eu já vi exércitos sendo feitos em pedaços e já vi
monstros sendo esquartejados em combate. Mas o que a Ordem do Dragão faz. O que
os Paladinos fazem é algo que é difícil de descrever.
Fomos
até o covil de Aurora Escarlate e lá enfrentamos suas crias. Monstros
draconideos.
Então
testemunhamos o que a Ordem do Dragão é capaz. Dez paladinos e seus drakes
contra uma dragonesa ancestral. Eles são super-humanos. Se movem mais rápido do
que deveriam, e são mais fortes do que deveriam. Todavia a dragonesa é brutal e
muitos deles morrem.
O
chão é jorrado de sangue e entranhas tanto dos vormes quanto dos cavaleiros. No
final, Aurora Escarlate jaz derrotada, uma lança em seu pescoço e suas feridas
se dessangrando.
Os
cavaleiros são afetados por isto. Há algo neles, uma fúria anormal, uma sede
pela morte dos dragões que não pertence a homens. Alguma coisa no ritual que os
transforma nestes seres lhes dá a voracidade destrutiva de um dragão. Eles são
forças da natureza na forma de homens, e capazes de derrotar algo que o
exercito de uma cidade inteira não conseguiu.
Eles,
todavia, são humanos. E claramente o peso de seus atos os afetam. A morte e a
violência extrema. Os dois cavaleiros que sobreviveram ficaram mal,
mentalmente. Eles estavam a ponto do colapso mental. Ainda, fizeram sua parte.
Não
sei se é algo bom.
Eles
arrancaram da dragonesa uma esfera. Talvez o artefato que o Sem Rosto tinha
especulado. Uma esfera negra que consumia, e que eu não consegui segurar. Ela
hipnotizou uma das cavaleiras do dragão e fez Luna se revigorar de poder. Há
algo nestas esferas, algo estranho e medonho.
Eu
me mantenho centrada, e percebo como Luna e Xeloksar estão claramente chocados
com a matança. Nenhum deles tinha visto algo similar antes, é bem provável.
Sem
perder muito tempo, nos tiraram de lá. Urian queria mostrar para nos isso. O
que deve ser feito, o que tinha que ser feito. E mais, ele queria nos mostrar o
poder de cada um e todos os cavaleiros do dragão.
E
ele queria que vessemos a joia. Que a sentíssemos.
O
que ela é, não sei, mas o Patriarca ficou satisfeito com ela, hipnotizado com
ela.
***
Trechos das anotações da Paladina sobrevivente
Diário,
A
matriarca chegara, finalmente. Fora apresentada com toda a pompa apropriada.
Carrasco não gosta dela. Ela cheira estranho. Engraçado como uma lenda pode ser
tão... pouco? Se não fosse pela apresentação eu não veria nada diferente de um
monge, com robes sujos e uma espada de madeira.
Uma espada de madeira.
Glória
ao Patriarca.
***
Diário,
A
espera deixa Carrasco nervoso. Eu também. Em algum lugar nessas terras marcadas
pelo flagelo uma dragonesa ancestral se esconde. Coloca ovos, gere novos dracos.
Mais dragonetes para serem criados, mais soldados. Podemos sentir seu cheiro no
ar, o gosto de seu sangue na boca. Carrasco está nervoso.
Glória
ao Patriarca.
***
Diário,
As
sacerdotisas da Noturna criaram um vagão-bordel nas beiras do acampamento. Um
bordel. Em um acampamento da Ordem do Dragão. Claro que soldados serão
soldados, e civis serão civis... Homenzinhos... vivendo dia-a-dia, como gado.
Não tornam-se algo mais, não como nós. Mas mesmo entre os homenzinhos eu
achava... Não sei. Que eles reconheceriam a Ordem como fiz? Como o algo
diferente que é.
O
Patriarca nos alimenta de propósito. O Códice nos guia. Guia a todos nós.
Não.
Hoje vejo os homenzinhos com olhos diferentes do que via ontem. Eles não são
especiais, superiores do que as massas. Para eles é apenas um outro exército.
Um outro senhor.
Mas
um senhor com dragões. Um senhor que não conhece derrota. Como podem olhar para
Carrasco e manter sua complacência?
Homenzinhos...
Glória
ao Patriarca.
***
Diário,
Os
arautos encontraram o covil da prolemadre. Dez homens foram selecionados. Eu e
Carrasco iremos. Ele sabe. Suas escamas se eriçam. Já posso sentir o gosto da
vingança e do medo da dragonesa. Irei passar a noite afiando minha lança; o
ferro negro anseia por merdê-la tanto quanto Carrasco.
Glória
ao Patriarca.
***
Diário,
Odeio
VIPs. A matriarca irá nos acompanhar. “Liderar” um contigente de homenzinhos.
Homenzinhos.
Para enfrentar uma anciã. O Patriarca deseja mortes? Pois terá mortes.
Será
um tipo de teste? Ver se ela tem o que é necessário? O rumor é que a matriarca
não será feita em uma de nós. Não, ela não é a Matriarca à toa, precisa gerar a
prole do patriarca.
Tais
pensamentos não cabem à uma verdadeira cavaleira da ordem do dragão, mas sinto
que estamos levando alguém pela mão... É um risco não apenas aos homens, mas à
própria. Chama dracônica mata; e o vice-rei Thaar nem se recuperara de seu
primeiro encontro com a prolemadre ainda.
Não
sou ninguém para questionar as ordens do Patriarca. Mas Carrasco está nervoso.
Glória
ao Patriarca.
***
capitão
stans, rabolongo
capitã
rionegro, estrela
sargento
evanell, ilgalash
dorovan,
sorridente
amaxva,
bebessangue
orrogror,
thudrogar
thenedor,
soprolongo
smith,
professor
mortos
ela
não vale nao ergueu um musculo
a
presa esta morta nos vivemos
ela
nao vale nao e uma de nos
ela
nao vale
***
Diário,
Meu
comportamento nos dias anteriores não era aceitável para um Paladino da Ordem
do Dragão. Minha mente estava nublada. O Patriarca me mostrara propósito. Queimara a dissidência para fora de mim.
Não há mais dúvidas em minha mente.
A
Matriarca Erika merece todo nosso respeito e admiração por seus grandes feitos.
Outros
sussurram como eu sussurrei. Não admitirei questionamento à vontade do
Patriarca ou da Matriarca.
Por minha honra.
Por minha honra.
Glória
ao Patriarca.
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on sexta-feira, outubro 16, 2015
at 13:40
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