BL - Diário de Erika 15  

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Sessão 15

Diário de Erika



Diário,

O Patriarca sobreviveu ao embate. Nisso, só eu não pareci surpresa. Já vi outros rebentos da guerra tomarem ferimentos impossíveis e sobreviverem como se nada houvesse ocorrido.

Veneno não parará Urian, nem os exércitos de irritaria, nem os dragões. Não enquanto eu estiver aqui. Para bem ou para o mal, fiz minha escolha. Acredito nele e se estiver errada no final, a história que me julgue.

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Diário,

Cibele apareceu ontem de noite em meu quarto. Não a Cibele que eu conhecia. Não, essa se foi, foi consumida por uma negridão que não consigo entender e que talvez sequer a Brianna tenha previsto.

A Cibele que conheci tão viva e energética, essa morreu nas mãos do senhor das moscas. Morreu enquanto eu estava longe, distante demais em pensamento e em ação para fazer algo. Não. Ela morreu em tolice. Ela e a Eliza, idiotamente atacando o senhor das moscas, enfrentando-o cara a cara com um punhado de pessoas. Parece que não aprenderam nada, e que não se lembraram da quantidade de pessoas que estiveram conosco, que morreram por nos, para poder derrocar a Estrela Negra.

Eu conheço a historia desse embate. Podem me culpar de me distanciar, de me isolar ou fugir, o quanto quiserem, mas eu entendi como se “luta” as lutas que devemos lutar. Que escolhemos lutar. Elas subestimaram seu inimigo e as duas pagaram. Meu erro foi estar lá para não impedi-las a tempo.

E Cibele morreu, e em seu lugar, lentamente, este monstro tomou seu lugar.

Sinto vontade de chorar ao pensar nisso. Ela sempre foi a que esteve mais disposta a amar, a ver a vida, conhecer o mundo. Ela estava disposta a dançar a cada oportunidade, e a se jogar nos ventos de seus sentimentos.

O que tomou seu lugar foi esta coisa. Esta coisa sombria e cruel que da Cibele que conheci, somente tem a lembrança. Não sei se isso pode ser revertido. Não sei se ela iria desejar isso. Cibele. Ela morreu no dia em que o senhor das moscas torceu o véu sobre ela.

Brianna pode estar orgulhosa de seu trabalho. Ou arrependida, não interessa. As ações delas são o que sobram: Ela roubou a morte de minha amiga e a transformou nesse... Monstro.

Ela apareceu em meu quarto e quase matou a pobre Evalia, me ameaçou. “Você traiu teu povo, ela falou”. Eu jamais tive povo, ela não entende isso. Eu não traí ninguém porque jamais me jurei a ninguém.

Eu escolhi estar sozinha, caminhar sozinha, para poder escolher com facilidade. Eu disse ao lucian um dia, no parque: Quando o dia chegar, eu poderei escolher sem ter que me importar com amor ou lealdade. Será a escolha mais certa para o bem de todos.

Ela se foi, deixou uma adaga que ela tinha preparado para mim. E deixou o antidoto do veneno para Evalia. Uma gentileza. Talvez a ultima.

Eu não possuo muitos amigos. E eles estão se desvanecendo aos poucos.

Eu escolhi isto.

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Diário,

O Patriarca está bem. A delegação de Irritaria está presa, alguns formam mortos. A paz não existe mais entre nos e eles.

Hoje começaram a chegar os dignitários e os convidados. Faço o meu melhor para recebê-los de bom grau. A maioria me conhece e me tece de elogios, e a maioria eu não reconheço. Talvez um nobre que ajudei, não sei. Sinceramente, os rostos dos padeiros e dos carpinteiros com quem jantei, dos soldados cujas histórias ouvi, dos sacerdotes que ajudei. Estes rostos ficam mais fácil em minha mente.

Em todo caso, não posso me demorar escrevendo. Eles querem ouvir novamente as histórias das minhas viagens a Rosseta. Talvez deveria ter ficado lá.

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Pesadelo. Dragões em chama entravam neste lugar e matavam a todos. Eu estava banhada em sangue.

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Diário,

A Rainha Rosália chegou esta tarde com sua delegação. Trouxe até mesmo seus próprios menestréis. Parece tão distante os dias que vi ela, mas faz menos de um mês.

Ela é linda. Se porta como uma nobre deve se portar, carrega uma dignidade que talvez eu nunca tenha. Eu sou desajeitada, sou grossa e não gosto de enrolação. Não tenho paciência para cortes. Ela, por outro lado, parece gracejar, se torna o centro das atenções por onde vai, gentil e bela.

Queria ser mais como ela às vezes.

Não é muito bom ser eu.

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Diário,

Lady Annika e o senhor Volksar voltaram! E trouxeram com eles a sacerdotisa Lavinia.

Eles trazem noticias alentadoras, o grande sacerdote de Nayurai está em Voltar. Lamentavelmente, não poderemos ir lá devido a meu casamento. Em todo caso, eles pareciam cansados e feridos, e lhes fará bem descansar.

Lady Annika me conta história de como encontraram a senhorita Lavinia umas duas vezes. Eles se infiltraram no submundo, tinha uma arena de gladiadores, e um vendedor de informações que sabiam. O senhor Volksar lutou contra Lavinia, atrapalharam alguns planos, sabotaram algumas lutas.

Parece que se divertiram.

Parece que faz anos que vi Lavinia pela ultima vez. Ela me traz alguma melancolia. Lembro dela na primeira reunião da cabala de Izack e o sotaque dela me lembra Rosseta.

Tenho saudades de Izack.

Em fim. Volksar me avisa que ele não iria lutar contra irritaria, mas essa não é minha intenção. A Ordem do Dragão pode lutar, mas eu não farei parte da guerra. Minha preocupação é outra e Urian sabe disso.

Em fim. Tenho que ir escolher a cor das cortinas...

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Diário.

Nunca me senti tão solitária quanto hoje.

Eliza não quis subir ao altar comigo. Não tinha ninguém que eu pudesse pedir. Ninguém importante para mim. Estão todos longe ou mortos. Ou pior, distantes.

Caminhei sozinha, e a cada passo sentia que iria desmontar. Será que fiz a coisa certa?

Não teve emoção. Não foi algo... agradável. Sempre dizem que no altar você fica feliz, mas não foi meu caso. Eu não senti nada. So o frio que normalmente emana de Urian. A festa deve ter estado linda.

Me sinto... Vazia.

As celebrações foram agradáveis, devo admitir. Na maioria do tempo. O patriarca demostra ser um marido bastante protetor, e não lhe faltou ânimos para sair a minha defesa quando um grupo de diplomatas começou a fazer perguntas inconvenientes. Ele é atencioso, do jeito dele.

Por outro lado, tive que desfrutar da companhia da Rainha Rosalia. Ela é muito bonita, sem duvidas, e é uma mulher charmosa e inteligente. Porém ela é uma tirana. Uma tirana que sequestrou meu amigo, e é um pouco difícil ficar a seu lado e falar amenidades.

Não fui feita para este tipo de política.

Em todo caso, devo me preparar. Urian deve estar me esperando.

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Diário,

Não sei como descrever o que sinto. Me sinto... suja. Usada, não sei. Sinto como se alguma coisa tivesse sido arrancada de mim. Me sinto violada e dessangrada. Foi terrível.

Minha primeira vez. A primeira vez que faço sexo.

Eu sei que para Urian também foi... ruim. Não sei. Me falaram tanto de como é se deitar com alguém, e confesso que tinha tantas expectativas...  Foi ao contrario. Foi frio, doloroso, distante. O cheiro do sangue e as vozes destes sacerdotes.
Não era para ser algo normal. Mas não sei se deveria ter sido tão desagradável. Para Urian foi somente um ritual.

Para mim, foi perder algo.

O pior e que eu queria falar isto para alguém. Chorar isto para alguém. Mas não tenho ninguém para abraçar agora. Eu queria muito um abraço.

Em todos os momentos, eu pensei em Raquel. Será que ela aprovaria o que estou fazendo? Possivelmente não. Possivelmente ela me chamaria a atenção com seu jeito gentil e me explicaria de como isto é algo importante para mim.
Sinto falta dela. Dez anos que ela morreu e ainda sinto falta dela.

Acho que nunca me senti tão sozinha como agora.

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Diário,

Fui falar com Eliza agora pouco. Queria saber porque ela não quis me levar ao altar.

Ela disse que porque não me conhecia mais, porque eu deixei que ficássemos distantes, porque eu fugi e me distanciei de tudo e todos. Ela disse que não me conhecia mais, especialmente depois de me tornar a Matriarca.

O que ela não entende, o que Galatea nem Cibele entendem é que eu não tinha nada. Nada que me prendesse a estas terras ou a elas. A verdade é que a única ligação que eu realmente tinha com Elizabeth Lancaster e com Cibele Louren era a Raquel. E a Raquel morreu. Por mim.

Meu irmão morreu e a esposa dele que nunca conheci também. Minha mãe e Illena do Sorriso Perpetuo também morreu. E Raquel...

Cibele tinha sua família, sua mãe e seu irmão, e tinha Irritaria. Eliza tinha a Brianna e seus pais, e tinha Tifon. Elas podem se dar o luxo de sentar e descansar. Elas tem esse direito, se ganharam eles. Mas eu? O que tinha para mim nestas terras além de recordações ruins?

A Raquel morreu por mim. A pessoa que eu mais amei não estava mais lá, e eu estava banhada no sangue dela. Ela era a ultima coisa que me prendia as terras centrais, e sem ela, porque eu deveria ficar aqui, em um lugar que só me trouxe mal?

Eliza não entende isso. Ela acha que eu me afastei. A verdade é que nunca fui presa. Eu estava lá pela Raquel, e acho que só. Sem o Fernando e sem o Garred, e sem ela, o que deveria eu fazer senão me lançar ao mundo?

E não me arrependo. Não importa quanto a Eliza tente pintar minhas ações de ruins. Eu fiz coisas incríveis, eu vi coisas maravilhosas e conheci o mundo. Enfrentei males e ajudei incontáveis pessoas. Não. Não me arrependo. Eu tenho orgulho de ter me afastado, pois eu cresci.

E alias, só eu carrego as culpas? Eu chamei eliza para a Cabala, e ela não aceitou. Ela sabia de tanta coisa que nos não sabíamos, tantas informações que teriam feito a diferença. Se ela estivesse lá, se ela pelo menos tivesse se esforçado para nos comunicar o que sabia, sobre as gemas, sobre Nuália, talvez Izack e Sigfried ainda estivessem vivos. Talvez Lucian ainda estivesse consciente.

Como ela vem me falar que fui eu que esqueci o que Raquel ensinou. Ela nunca foi tão próxima da Raquel quanto eu fui. Não importa o que ela diga, o que tudo mundo ache. Eliza não amou a Raquel como eu a amei.

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Diário,

Um pesadelo estranho hoje. Dragões e pássaros. E frio. O chão se tornava carne e o sangue era gelado. Os dragões eram maiores. Cada um deles era uma Aurora Escarlate. Urian estava lá. Ele estava frio. Ele veio até mim, como querendo me estuprar. Eu não consegui fazer nada. Não conseguia me mexer e via como meu ventre crescia e de lá saia um monstro. Um dragão colorido coberto de sangue.

Estou com náuseas. Evalia esta dormindo no canto. Ainda é de noite.

Queria que alguém me abraçasse. Queria abraçar alguém e dormir assim. Estou cansada de dormir sozinha.

Eu sei que posso estar sendo chorosa, ou sei lá... Sentimental demais. Mas estou com saudades da Raquel. Às vezes eu consigo lembrar do tom da sua voz, e do cheiro. Do seu toque gentil.

Estou chorando. Que absurdo.

Fazia anos que não chorava. Eu achei que não conseguia mais. Nem quando Izack morreu nem quando senti o desprezo da Galatea.

Está tudo tão quieto que consigo escutar o som do meu lápis neste papel. A minha garganta doi como se tivesse um nó. Estou tremendo, mesmo que não tenha frio.

Evalia está dormindo no canto. Eu queria que ela fosse embora. Eu queria abraçar a Raquel agora, queria dizer a ela quanto eu a amava e queria dormir com ela. Queria descansar.

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Diário,

Vamos partir por fim. Lady Annika fez todos os preparativos e estamos prontos para ir encontrar o sacerdote de Nayurai.
Tive uma conversa rápida com Urian. Avisei a ele o que iriamos fazer e queria conversar dele sobre as gemas. Ele confirmou algumas coisas para mim, como a importância das gemas para enfrentar Ashardalon, e o fato que são cinco delas.

Ainda, tive que tirar uma duvida da cabeça: Se Urian tinha algo a ver com o culto dos dragões em Hamask. Ele afirma que não, e a posição conveniente deles foi graças as profecias dos seus três místicos Thaars. Eu acredito nele.

Fui também ver Sua Majestade Kelokeratos, e percebi que ele estava... mudado. Ele aceitara o convite da ordem do dragão, e com isso, ele disse, desejava ficar ao lado do Patriarca e da sua cidade. Eu entendo. Lamento, tinha começado a gostar de verdade deste Thaar.

Ele tem seus problemas, e suas falhas, mas ele parece sincero em suas intenções de ajudar as pessoas e tentar ser uma pessoa melhor. Olhando para trás, me surpreendeu de maneira positiva o interesse que ele teve para fazer de hamask algo a mais.

Isso é inspirador. Mesmo fazendo um mal da forma que ele fez aos Cavaleiros do Corno, Sua Majestade provavelmente acredita que os rumos dos Thaar, de Hamask, poderiam ser melhores, com ou sem Cavaleiros do Corno, com ou sem Ordem do Dragão. Ele tinha total noção de que teria que desafiar a vontade do Patriarca e se angariar inimigos perigosos para fazer algo melhor para seu povo. E ele não recuou. É admirável.

Ele até mesmo se arranjou um casamento. Eu não sei os detalhes, que estava ocupada demais com o meu casamento, mas ao que me informaram, a família Vorar se aproximou dele e “exigiu” um posto no conselho de Hamask. Sua Majestade antes devia muito aos Vorar, mas sabia que eram criminosos. Ele descobriu que outra família nobre antiga estava planejando destituí-lo porque ele era um feiticeiro, e pelas leis vigentes, não poderia governar.

Ele então fez dois movimentos: Arranjou o casamento uma moça de uma outra família antiga para que lhe ajudasse a governar, afirmando que seria temporário e logo deixaria o cargo de poder; Ao faze-lo, conseguiu a aprovação legal para continuar a exercer o poder, mesmo que temporariamente. A segunda cosia, foi estender a politica de tolerância zero, agora com ajuda da Ordem do Dragão. Ele desafiou os Vorar e outras famílias antigas e mandou prender diversos membros. Dizem que diversas provas foram forjadas, e que algumas pessoas não eram criminosas e só inimigos políticos. Seja como for, ele não teve receio de enfrentar o crime de Hamask.

Mas... Sinceramente não sei o que levou ele a se juntar a Ordem do Dragão. O Patriarca disse que foi de própria vontade. Não sei o que se passou na mente dele para fazer isso. Depois de tudo que o LordeXeloksar me disse, ele se juntar à Ordem parece... contra os planos.

Em todo caso, a escolha é dele, concorde eu ou não. Ele não vem conosco e parece convicto nisso. Foi uma honra viajar com o senhor Xeloksar Kelokeratos!

Em fim, estamos prontos para viajar. E embora Urian me oferecesse diversos homens para me acompanhar, somente escolhi o ser Dominic Eves, que é um diplomata, algo que parece nos faltar, e também um contato direto com a Ordem do Dragão.

Partiremos amanhã de manha. Por fim...

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Diário,

Chegamos à Cidade de Prata logo depois da metade do dia. Fazia anos que não estava nesta cidadezinha. Parece que tudo mudou, tudo ficou... menor. Ou eu fiquei maior, não sei. Foi por aqui que eu fui para Silverar a primeira vez, anos atrás. Uma vida atrás.

Nos acompanhou na visita um senhor que não decorei o nome ainda. Ele é um caçador de bruxas devoto do Criador, que jurou lealdade á Ordem do Dragão. Urian fez questão de que ele nos acompanhasse. Parece um bom homem, apesar de calado.

Ele se veste ao estilo de Kristvar, e tem uma cicatriz horrível baixo o olho. Pior que a minha, talvez por ser mais recente, a minha tem mais de uma década. Ele é educado e gentil, apesar de não disfarçar a desconfiança com que olha para a senhorita Lavinia.

Eu sei que os devotos do Criador não vem com bons olhos a magia. E em especial aqueles que conseguem manifestá-la de forma diferente ao estudo da do nas escolas de magia, ahn, "bruxos". Espero que não haja nenhum conflito.

Em fim, é um homem elegante e bastante educado.

Lady Annika contou para nos que o sacerdote tinha adquirido um artefato que lhe permitiria passar como amigo pelo território dos Senhores dos Ceus, uma comunidade Orokul guerreira perto da Cidade de Prata. Ela nos avisa que tinha outra tribo hostil na região, os Punhos Sangrentos, apesar de que ao contrario do que o nome faz pensar, eles são menos violentos que os Senhores dos Ceus.

Descobrimos que este artefato, que foi dado pelo Mestre Arakozdo coliseu local ao sacerdote é um objeto feito pelos Augurios dos Senhores dos Céus, algo parecido a um xamã, eu acho.

Confesso que apesar de ter estado em diversas terras Orokul antes, nunca me interessei muito por eles... Acho que deveria me dedicar um pouco mais a isto...

Em fim, decidimos procurar informações sobre as tribos locais e sobre Voltar. Descobrimos, voltar não é mapeada, e é difícil dizer para onde o sacerdote estava se dirigindo. Acho que teremos que perguntar para as tribos.

Para dentro de Voltar eu tenho um contato, um velho conhecido que agora lidera uma tribo. Se conseguíssemos alcançar ele, contaríamos com alguém que conhece as terras e os jeitos Orokul. A senhorita Lavinia me diz que ela também conhece uma Bruxa que poderia nos ajudar.

Lamentavelmente os dois estão muito adentro do território de Voltar. Nenhuma caravana os cruza, e nenhum viajante deseja ir para lá.

Lady Annika não conseguiu descobrir nada substancial sobre os Orokul da região. Nada além daquilo que era mais ou menos obvio. Os Dakhani não se importam muito com a cultura dos outros, ao contrario dos humanos. Acho que isso é uma coisa que tenho que admirar na minha espécie.

Em todo caso, decidimos procurar um artefato similar que nos ajudasse a entrar nas terras dos Senhores dos Ceus sem ser atacados. Demorou um pouco, e o senhor Volksar conseguiu o contato com uma capitã de um navio pirata chamada Craca Encandecente, e uma entrevista com ela.

Fomos para lá, um pequeno navio com uns dez tripulantes. A capitã era Mogda, uma Orokul e pelo seu tamanho, com bastante experiência em combate. Ela tinha algumas cicatrizes que não a deixavam exatamente bonita, mas ela não parecia se abalar muito com isto.

Bom, a negociação foi rápida. Ela disse que tinha o artefato. Nos oferecemos uma boa quantia de moedas, ela aceitou e nos despedimos.

Bom. Mais ou menos.

Ela nos ofereceu rum e arenque e quis saber o que queríamos com esse artefato. Obviamente, não queríamos nem precisávamos lhe contar nada, então a senhorita Lavinia se limitou a dar uma resposta esquiva. Também, ela demostrou diversas vezes uma falta de educação bastante clichê nos piratas, como morder as moedas de Annika na nossa frente e volta e meia lançar ameaças veladas contra nos.

Confesso que não consigo sentir o mínimo de simpatia com esta laia. Com piratas, bandidos de estrada, com corruptos. Eles parasitam o sofrimento dos outros, e fazem seu sucesso um caminho de lagrimas e sangue. Nosso mundo já é violento sem que as pessoas ajudem a torna-lo pior. Não consigo ser agradável ou simpática com gente que sei que é cruel, e que não tem medo de fazer outros sofrerem para conseguirem algumas moedas a mais.

Ao sair da reunião, Volksar me chama a atenção de que eu tinha acabado com qualquer chance de poder usar os serviços dela de novo, me recriminando como se a falta de empatia e educação não tivesse sido mutua. Não me importa o titulo que Volksar desejar dá-lhe, essa mulher é uma criminosa, e prefiro não ter que tratar com ela ou os seus jamais.

Temos o que precisamos e decidimos partir o dia seguinte pela manhã. Lavinia diz que consegue nos guiar para as terras dos Senhores dos Céus, ao ponto de encontro onde eles acham os mercantes.

Eu gosto destas viagens. Faz-me sentir mais viva. A expectativa é revigorante.

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Diário.

Viajamos durante um tempo até as terras dos Orokul. Acho que umas seis ou sete horas. Voltar é uma terra bastante bonita, e Lady Annika não poupa palavras nos descrevendo a flora e a fauna local.

A senhorita Lavinia está usando roupa de frio. Ela não se acostumou ainda com o clima das terras centrais. Kerra é muito úmida e muito quente, e lembro que demorou varias semanas para que eu me acostumasse quando estive lá. E quando voltei, senti falta do calor e estava igual que ela, com casaco no meio do verão.

Paramos num mirante agora. Teve uma pequena discussão sobre como iriamos reconhecer o sacerdote, e como ele iria nos reconhecer. Volksar afirma que ele saberá quem é Lavinia assim que olhar para ela. Eu sou mais cética. Gostaria de ter pelo menos uma descrição dele. Poderíamos ter arranjado com o Mestre Arakoz, mas eu confiava que Lavinia sabia.

Arranjamos uns lagartões para nos levar até lá. Eu detesto montar lagartos. Eles cheiram mal e me deixam nervosa. Apesar de que cavalgar eles é mais suave que cavalgar cavalos, e muito mais cômodo que ir de aves de guerra.

Alias, a Senhorita Lavinia fez questão de viajar em sua forma de gato gigante. Ela diz que é um Leopardo branco. Eu nunca vi um leopardo branco. Um par de vezes vi uns laranjas com bolinhas pretas, então não acho que ela seja um leopardo. E se for, deve ser sofrível se esconder na colorida selva de Kerra quando você é a coisa mais brilhante na paisagem. Estranho.

Em todo caso, é bonita a forma. Alias, a senhorita Lavinia é muito bonita. Seu corpo é esbelto e firme, com a elegância das fadas e o vigor dos humanos entrelaçados. Sua pele é bem branca, mas não passa fragilidade e doença como a da Luna. Os olhos dela são estranhos, como os dos Alarani, mas tirando isso, ela é uma mulher muito atraente.

Ela tem uma cicatriz nas costas. Ou uma tatuagem, ou uma escarificarão. Na altura do ombro. Me pergunto o que é.

Em fim, vamos esperar que os Orokul venham.

Tenho confiança que vai dar tudo certo!

Lavinea




Carta de Skald Hersis Ulf Drunjak, enviado pelo Jarl Alvar ao casamento de Erika e Urian




Ao meu senhor Jarl Alvar Cabeça de Diabo,

Milorde, vossa comitiva chegou sem percalços às terras do sul, e o bom clima ajudou a nos mover rapidamente. Os sulistas ainda olham com receio a vossa comitiva. Os irritarianos ainda tremem ao ver nosso povo carregando armas, ainda que o Imperador tenha lhes oferecido a paz.

Em todo caso, chegamos à cidade de Hamask em menos tempo do que esperávamos. Devo lhe conversar milorde que as noticias que colhemos na nossa viagem não fazem justiça ao que vimos na capital dos thaar: O local estava devastado. Centenas de casas estão destruídas em linhas de chamas dracônicas que derreteram o chão de pedra e os corpos dos residentes com igual facilidade.

É uma cena grotesca.

Apesar disto, o povo não está taciturno como se imaginaria. Confesso que possuo dificuldades em dizer quando um Thaar está sorridente ou quando ele te ameaça. Ao que nos disseram, um herói local chamado Xeloksar Kelokeratos derrotou o dragão que atacou o lugar com ajuda da Ordem do Dragão, e agora exibia a cabeça do grande vorme em praça publica.

Certamente era um dragão gigantesco, pelo tamanho do crânio do ser.

Este Xeloksar Kelokeratos é o mesmo que declarou a independência de Hamask. Cumprimentá-lo-ei quando chegar ao tempo, pois certamente estarão muito melhor sozinhos que a serviço dos cavaleiros de galinhas.

Junto com esta carta, lhe envio um dos livros deste Xeloksar, sei que a Jarlessa é uma avida leitora e talvez lhe agrade ler sobre as aventuras deste peculiar personagem.

Continuando, a Ordem do Dragão é uma organização surpreendente. Os seus homens realmente parecem dedicados a sua causa e é verdade que eles cavalgam dragões. Vi diversos cavaleiros em armaduras leves voando em drakes diversos, com uma expertise bastante peculiar. Contei pelo menos 20 cavaleiros diferentes. É uma força a ser reconhecida.

O líder da Ordem do Dragão é um tal Urian Coração de Dragão. É um homem de poucas palavras e certamente com algum sangue nobre em suas veias, meu Jarl.

No dia em que chegamos houve um ataque.

A comissão de Irritária tentou assassinar o líder da Ordem do Dragão, mas foram repelidos e fugiram. Há diversos guardas na cidade os procurando agora. Me surpreende a atitude destes irritarianos, mas eles já demostraram alguns vezes que não possuem verdadeira noção de honra.

Os rumores contam que fora nossa conterrânea Lady Erika que salvara o patriarca, e que no combate com o mago real de Irritária, um dos Cavaleiros da Fênix morrera. Se for verdade, é algo surpreendente, levando em consideração as lendas de que eles não podiam ser mortos. Mais uma vez, as lendas do sul se provam erradas.

Fomos recepcionados pela nossa conterrânea Erika Midnattsol. Como as lendas contam, ela é uma mulher bastante bonita e simples, e fez questão de que nos sentíssemos a vontade. Apesar de ser desajeitada, ela caminha e age com uma dignidade difícil de ignorar. É difícil acreditar que esta mulher seja uma das que derrotou a estrela negra e exorcizou o demônio corvo, e toda os outros contos que dizem sobre ela.

Sem querer desrespeitar a sua honrada figura, a Lady Erika passa a impressão de ser mais parecida a um veterano de guerra que uma jovem de menos de tres décadas. Assim como o senhor milorde tinha comentado, parece que seus olhos viram coisas demais.

Em todo caso, ela é uma lenda viva, não menor a nosso próprio imperador, e é uma honra presenciar este momento histórico.

O casamento foi magnifico, sem duvidas. A senhorita Elsa adoraria presenciar este acontecimento. Diversas cortinas brancas e vermelhas decoravam a praça publica onde fora a solenidade. Fora o mesmo rei de Hamask a proclamar os votos, perante uma estatua de seu povo e do crânio do grande dragão derrotado.

Grinaldas multicoloridas, tropas e estatuas e arranjos florais em branco e vermelho decoravam o local, e o cheiro destas flores eram exuberantes para nós, homens do norte. Haviam diversos dignitários na região, e em destaque a própria Rainha de Selvalis, que comparecera em pessoa.

Urian coração de dragão é um homem digno e com um olhar feroz. Trajava uma elegante vestimenta militar vermelha e branca.

A entrada da Lady Erika foi magnifica. Ela entrou desacompanhada, caminhando em um elegante vestido branco e prata que lembrava uma armadura, segurando sua espada a seu lado. Ela carregava a determinação do nosso povo nos olhos e caminhou ao altar altiva, como uma rainha deveria o fazer.

Escolhera bem o vestido, devo comentar. Ela quis lembrar a todos que não era uma nobre ou uma aristocrata, mas sim uma cavaleira e uma guerreira, que carrega com orgulho a sua espada e suas cicatrizes. Ela é uma figura mais imponente que o seu marido, devo dizer. Ela é mais alta e tem uma aparência mais feroz. Neste momento, é difícil duvidar de quem ela seja.

Os votos foram selados com um pacto de sangue, como é nosso costume, milorde. Não consegui parar de sorrir ao perceber que mesmo estando longe da mãe-terra faz tanto tempo, Lady Erika ainda é uma nortenha!

Com os votos jurados, se prosseguiu uma festa magnifica. Os doces do sul realmente são diferentes. Eles tem uma variedade de comida bastante extensa, e como foi uma ocasião social, muitos nobres e convidados aproveitaram para fazer alianças ou reatar amizades. Acredito que tenha sido esta a intenção dos noivos.

Cantamos e contamos as histórias de Erika Midnattsol, como é a tradição no norte, e mesmo os mais abatidos nobres do sul não resistiram ao canto e ao vigor dos homens do norte. Lady Erika, agora a Matriarca da Ordem do Dragão, com certeza apreciou estes gestos!

Iremos ficar só mais uns dias nesta cidade e voltaremos a suas terras, milorde, e lhe contarei então com todos os detalhes que desejar como se desenvolveu os encontros.

À sua gloria!

Hersis Ulf Drunjak



Relatório do diplomata e mestre espião Dominic, à Ordem do Dragão, em código de intenção reversa



Caro colega,

A Cidade de Prata avultua-se perante nós em sua glória majestosa. A cidade dos Dakhani é um marco de civilização em uma terra perigosa e distante. Curioso que o diga devido à minha descendência, mas tendo crescido em terras humanas e absorvido seus costumes sou obrigado a dizer que a majestade do povo da Cidade de Prata é incrível.

A cidade é muito bem defensável, com muros altos e resistentes que podem abrigar bem a população. Parece ter sido projetada para defender-se de todo tipo de perigo, não apenas de ataques de Orokuls vindos da serra acima. É de minha crença que a cidade será capaz de resistir ao ataque de draconatos e dragões menores caso venha a ser necessário.

A guarda e a inteligência local da Legião de Obsidiana são fenomenais. Seus hábeis soldados mantêm a cidade relativamente livre de crime, e as regiões centrais são seguras para todos os povos. Apesar de terras dakhani, Akiaks, Humanos e Orokuls são aceitos e conseguem posições sociais apropriadas para suas habilidades, especialmente físicas. Pude notar também um número grande de imigrantes Thaar fugidos de Hamask. São recebidos como refugiados, e apesar de precisarem assumir trabalhos braçais são integrados na sociedade.

As lavouras próximas poderiam ser melhor construídas e preparadas para aproveitar a riqueza do solo. É de minha crença que o povo ficaria mais contente e com isso com moral mais elevada caso a produção fosse maior, e com isso o sobressalente. Fico contente em saber que a civilidade é mais abrangente nessas terras e uma parcela significativa das lavouras é cuidada por homens livres, e não pelo método de serventia e arrendatários comum aos Qesir.

Apesar de meu estudo não ter sido muito extenso, posso afirmar com alguma certeza de que a cidade de Prata não está vulnerável, e que uma tentativa de anexação não renderia frutos, pelo contrário consumiria muitos recursos.

Não sei quais são os próximos planos da matriarca, mas a onde fiquei sabendo sua comitiva tenciona mover-se às terras de uma tribo Orokul local conhecida como Punhos Sangrentos, as quais a Matriarca possui contatos e grande amizade. Enviarei nova mensagem tão logo estejamos seguros em suas terras.

Fico contente em terminar essa carta em tom positivo.

Glória ao patriarca.


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