Sessão
19
Ladrão
03 - 11 4e
Diário,
O
local em que estamos é estranho. Ele é silencioso e distante, os sentidos se
confundem e o clima fica aéreo. O véu é fraco, e paira a sensação de que as
coisas não são o que deveriam ser.
Como
em todo lugar em que o véu é mais suave, a natureza parece crescer de forma
exuberante. As arvores e arbustos aqui são bonitos e frondosos, e os frutos
suculentos. É como se um pouco da magia do véu transpirasse para as plantas e
os animais.
Mesmo
assim, as continuas aparições à distância, brilhos no escuro e suspiros
sinistros ao nosso redor nos lembram de que este não é um lugar onde mortais
deveriam estar.
A
medida que avançamos começamos a ver mais ruinas qesires. Carcaças de eras
distantes carcomidas pela dolorosa respiração do tempo. Quem viveu aqui já
sequer é lembrado, e todo o propósito da vida deles foi dispersado com o passar
das eras.
Me
pergunto se isto mesmo acontecerá conosco? Será que meus atos e daqueles que
estão comigo serão lembrados num futuro, e se tornaram lendas como a de Ser
Galahad, o Paladino e sua comitiva, e outro heróis cujos feitos sobrevivem as
eras?
Espero
que sim.
Irremediavelmente
me lembro de Savith e de Aveshai. São muitas poucas pessoas vivas que se
lembram que eles existiram, apesar de seu enorme aporte à história.
Deixarei
as considerações sobre história depois. Estamos viajando a encontro do alto
sacerdote de Nayurai, que está em um antigo templo em ruinas no coração deste
vale assombrado.
A
medida que avançamos, descobrimos a presença de draconatos nesta área. Ninguém
falou, mas todos tememos que eles estejam atrás do sacerdote como nos. Espero
chegar a tempo.
***
Ladrão
04 - 11 4e
Diário,
Lavinia
diz que devemos estar perto, mas continuamos a andar e não chegamos a lugar
nenhum.
Ser
Helgraf constantemente reza a seu deus por força, claramente em desgosto com a
atividade sobrenatural do local. Eu entendo que a fé do criador tem uma
percepção bem negativa sobre os espíritos.
Ser
Dominic está menos positivo que o normal, apesar de sempre mostrar-se animado e
disposto. Mas eu consigo perceber que ele está esgotado, mentalmente falando.
Ele é um cavaleiro da ordem do dragão, e não resta dúvidas sobre seu
comprometimento e sua coragem, mas não sei se ele tivesse noção de que este era
o meu “trabalho” antes de vir tão felizmente comigo.
Lavinia
parece mais à vontade aqui no ermo e a procura de algo que lhe interessa
diretamente. Por outro lado, o senhor Volksar parece tão a desgosto aqui como
em qualquer outro lugar. Não consigo entender o que se passa com este homem.
Eu
estou cansada e estou ferida. Ainda me dói a morte da Annika. Queria que ela
estivesse aqui, era a única que conversava comigo de forma sincera.
***
Ladrão
05 - 11 4e
Diário,
Hoje
chegamos as ruinas élficas. Foi um desastre.
Estou
aqui sentada frente a um bando de draconatos aprisionados, amarrados e
desarmados que me olham com o orgulho quebrado e ódio. Lavinia está deitada a
meus pés com febre, ferida mas se recuperando incrivelmente rápido. Ela vai
sobreviver.
Meu
corpo está um pouco entumecido pela dor, e tenho que confiar na visão de Helgraf
como guarda, olhando a distância em um misto de vergonha e revolta: Com toda a
morte e dor, ele sequer se feriu. Novamente.
Estou
começando a acreditar que o Criador realmente tem um plano maior para ele.
Contarei
como foi:
No
final de esta tarde, por fim chegamos as ruinas feéricas: um tempo antigo
parcialmente demolido pelo tempo e pela ação de planta que fizeram de suas
paredes e arcos seu apoio.
O
local estava ocupado porém: um bando grande de draconatos, certamente procurando
capturar o sacerdote, também estavam lá, acampando.
Eram
draconatos demais para enfrentarmos frente a frente, então Volksar se ofereceu
a “cortar” seus números com ajuda da Lavinia.
Eles
dois se esgueiraram para dentro do templo, além da vista dos guardas, enquanto
o resto de nos esperávamos o seu retorno. Não devíamos lutar, mas sim fugir,
caso eles fossem pegos.
Soube
que Lavinia e Volksar assassinaram diversos draconatos, inclusive terminando
com a vida de alguns feridos. Eles passaram um tempo lá dentro, mas foram
descobertos. Alarmados, eles seguiram o plano e fugiram para uma direção oposta
a nossa, seguidos por diversos draconatos.
Ao
que parece, não conseguiram fugir e tiveram que enfrentar alguns draconatos. A
luta de soldados contra dois infiltradores foi injusta, e Volksar comandou a
Lavinia a fugir enquanto ele ganhava tempo.
A
Lavinia veio direto a nos, e antes que pudéssemos nos organizar ou decidir o
que fazer, um grande draconato veio atrás dela. De escamas avermelhadas, era do
porte de um orokul jovem, mas muito mais feroz. Armado com boas armas e
trajando uma boa armadura, ele certamente era um oficial.
Eu
já lutei contra draconatos antes, e uma coisa que sempre me chamou a atenção
era a sua honra: Draconatos não são como os corrompidos, que lutam de forma
selvagem, valendo-se de sua fúria, força e terror para superar seus inimigos. Draconatos
não: eles lutam com técnica, e mesmo que o façam para matar, o fazem como
cavaleiros. Mesmo pecando por encontrar qualidades em inimigos tão cruéis e
destrutivos, devo dizer que neles há algo que os torna diferentes a
corrompidos. Acho que se eles não estivessem sob as ordens de um tirano
genocida como Ashardalon, eles se dariam bem com os dakhanis.
Este
oficial draconato nos enfrentou, a Helgraf, Dominic, Lavinia e eu. E embora
tenhamos a vantagem numérica, nenhum de nós usava armadura e eu e a Lavinia
estávamos bastante feridas.
O
Draconato ceifou a vida do pobre Dominic, e Lavinia somente se salvou por ter
uma cura tão surpreendente. Eu não fiquei mais ferida, nem menos, e Helgraf foi
abençoado mais uma vez e surgiu sem nenhum ferimento.
O
draconato lutava de forma surpreendente com duas armas. Gostaria de ter
enfrentado ele em iguais condições. Acho que poderia ter derrotado ele sozinha.
Mas
não foi o caso. Não naquele dia, não naquela vez. E isso custou a vida de ser
Dominic.
Não
o conheci muito, é verdade. Somente viajamos faz um mês e pouco juntos, mas ele
sempre se mostrou com um homem sábio e um verdadeiro cavaleiro. Me lembrava a
uma época que eu era mais positiva, mais parecida a ele. Não faz muito tempo.
Eu
via, como ele via, o mundo cheio de oportunidades. Agora é difícil faze-lo.
Fomos
até a ruina e descobrimos um pouco afora o corpo de Volskar, rodeado de
draconatos envenenados. O alarani aplicou muita dor a seus inimigos, e foi
morto com requintes de crueldade, atravessado por lanças e dessangrado até a
morte.
Porque
ele ficou e porque Lavinia fugiu, não sei. O plano não era esse. Não irei jogar
isso na cara dela, ela deve saber melhor que eu o que aconteceu e não vou julgá-la.
Assim
morrem os últimos membros de minha cabala. Todos eles ou se afastaram ou foram
mortos de forma terrível. Assim como a de Izack.
Somente
sobrei eu. De todos eles, de diversos rostos e de nomes famosos e corações
corajosas.
Recolhi
os draconatos feridos. Aos que agonizavam, facilitei a morte. Aos que ainda
tinham chance de vida, dei-lhes. Helgraf não concordou, ele, com sangue nos
olhos, queria a todos mortos.
Fizemos
uma grande pira e queimamos os corpos sem muitos cortejos. Em este lugar tão
tocado pelo véu achamos provavelmente eles se ergueriam rápido demais.
Me
entristece ver Volksar e Dominic queimar, seus corpos sem vida mortos. O que
será que veio a sua cabeça antes de morrer, será que pensaram em seu lar, ou
nas pessoas que amam?
Eu
deveria sentir mais do que sinto. Eu sei disso. A morte parece um lugar comum,
e mesmo sabendo que eles não voltarão, não me deprime. Me entristece, mas só
isso.
Odeio
esta... coisa, que parece que me tornei. Fria. Pragmática.
Meus
amigos e inimigos queimam.
Novamente.
Fogo.
***
Ladrão
06 - 11 4e
Diário,
Ontem
a noite, o sacerdote de Nayurai apareceu. Saido das sombras, ele estava nos
olhando o tempo todo, acho que para medir quem éramos e o que queríamos.
Mas
ao ver Lavinia, ele soube que éramos aqueles que ele esperava. Movendo-se com
sutileza, apareceu este homem de meia idade, com os cabelos brancos e os olhos
de quem viu coisas demais.
Olhos
aliviados, porém preocupados.
Não
precisamos explicar muita coisa. Ele sabia que iriamos vir por Adventia, mas
lhe surpreendeu que também vivêssemos por ele. Teria gostado que Lavinia
estivesse acordada.
Contamos
a ele que precisávamos falar com o Sem Escamas, e ele nos disse que nos levaria
até ele, em três dias. Contaria mais depois.
Ele
nos afastou desse lugar de morte e nos levou até mais adentro do complexo, onde
havia uma antigo portão feérico. Explicou que os draconatos tentaram forçar sua
entrada, mas não conseguiram.
O
local que entramos era grande e circular, possuía uma piscina na metade dele, e
havia grama crescendo entre os ladrilhos. O alto sacerdote nos disse que lá
estaríamos seguros e que tínhamos que descansar.
Estou
feliz que ele apareceu. Parece que os desafios que passamos não foram em vão.
Temia acha-lo morto, ou pior.
Mesmo
assim, ele parece preocupado.
Acho
que todos nós deveríamos estar.
***
Ladrão
07 - 11 4e
Diário,
O
sacerdote, quem pediu que lhe chamássemos de Graaslas, andarilho em Voltier, nos
fala de sua preocupação: O sem escamas falou para ele que deveria estar neste
lugar em determinada data, para poder enviar viajantes que viessem por Adventia
atrás da verdadeira gema azul.
Ele
explica que a gema azul que carregava em seu cetro, embora verdadeira, não era
a correta.
Ele
explica que a gema possuía grandes poderes, mas que muitos decidiram usar esse
poder para coisas erradas. Para tanto, algumas pessoas tinham enviado a gema
através do tempo, e trocado com outra que estava em algum outro lugar do tempo.
Eu
não entendi bem o conceito. Nunca imaginei que seria possível viajar no tempo.
Nunca tinha sequer pensando que era possível fazer isso.
Claro,
já imaginei diversas vezes em poder desfazer coisas passadas, ou faze-las.
Mas... o conceito de poder, de fato, faze-lo, jamais tinha imaginado. O tempo.
Como algo... “viajável”, como uma estrada.
A
pedra que tinha era a correta, mas não a certa. A certa está em outro lugar
distante. Isso consigo entender.
O
problema preocupava ele era que a viagem tinha que ser feita, obrigatoriamente,
em três dias. Ele disse que era quando as estrelas estavam corretas, e a antiga
magia dos qesires poderia nos enviar para onde a gema estava.
Com
a outra gema em mãos, poderíamos falar com o Sem Escamas.
Ele
sabia o ritual e poderia abrir o portal, mas estava preocupado pelo fato de
sermos tão poucos, e estarmos tão feridos e esgotados. Eu lhe assegurei que
isso não seria problema, mas somente vi em seus olhos o cansaço de quem se
resigna.
Esperaremos
uns dias aqui, descansando para curar as feridas. Ele diz
que estamos seguros aqui dentro. Espero que sim.
This entry was posted
on terça-feira, fevereiro 23, 2016
at 10:32
and is filed under
BL
. You can follow any responses to this entry through the
comments feed
.