Sessão
20
Ladrão
10, 11 4e
Diário,
Daqui
a algumas horas é o momento que o sacerdote espera.
Estamos
aqui faz dias, curando nossas feridas, do corpo e da alma. Mas algumas demoram
em curar.
Lavinia
mostra uma flexibilidade incrível, e em poucas horas se recuperou de ferimentos
terríveis. Ela, mesmo ainda fraca, senta-se bastante em silencio, contemplando
o sacerdote como se não acreditasse nele. Como se o deferimento a ele fosse tão
grande que palavras não seriam suficiente.
Imagino
que seja porque ele carrega junto a si o maior artefato da fé dela. Lavinia é
muito devota, e para alguém que acreditava que sua fé tinha morrido, ver não só
o seu maior defensor vivo, mas também com a maior relíquia na maior das
empreitadas de fé deve ser algo surpreendente.
O
brilho dos olhos dela é algo diferente. Diferente da apatia normal que parece
que lhe define. Fogo da fé talvez?
Eu
não tenho como medir o que isto importa para ela. Quem ele é e o que ele é, o
que é Adventia. É como se um santo aparecesse na minha frente, portanto a
presença divina em suas mãos. Ela defere ao sacerdote.
Helgraf
passa por um momento mais difícil. Ainda um dedicado cavaleiro, ele se sente
claramente incomodado com a missão nos importada pelo sacerdote. Parece que ele
vê na “vigem no tempo” um insulto à obra do criador. Lembro tê-lo visto
murmurar alguma coisa sobre “o que é feito pelo Criador não deve ser desfeito
pelos homens” ou algo ao estilo.
É
exatamente ao contrário de Lavinia. E embora sim, ele respeita o sacerdote e
nunca o maltratou ou desafiou, ele se mantem distante, com os olhos acirrados
em preocupação. Ao contrário de uma confirmação da fé, ele vê um desafio neste
homem.
Eu.
Eu fico olhando este símbolo que carrego em meu pescoço e me pergunto se ele
ainda significa algo para mim. O Grande Lobo deveria proteger a matilha. Ele
deveria me proteger do grande inverno.
Ele
deveria me dar conforto. Mas não traz. Ele me traz pesar. Me remete a algo que
não sinto mais como meu. Eu mudei tanto que parece distante a época que eu
levava os votos sagrados como sendo meu sustento.
Se
ainda acredito no grande lobo? Em Valkar? Não sei. Talvez. Ele é um símbolo de
força, de fortaleza, e talvez eu só esteja aqui, ainda viva, graças a sua
divina influência. Mas talvez não. Talvez, como a Celeste dizia, deuses só são
espíritos caprichosos que gostam de se divertir com as peripécias dos mortais.
Não
consigo achar uma solução para isto. Não consigo achar a força que achava no
Grande Lobo. Só memórias de pesar e sofrimento que parecem tão distantes que
parecem pertencer a outra pessoa, não eu.
Mas
também me remetem a vários momentos em que só me mantive de pé por causa da fé.
Porque acreditava que tinha alguém olhando por mim, acreditando em mim e me
dando forças. Algo maior que a vida.
Enfim,
não é agora que terei que decidir isto, se não estiver já decidido. Tenho uma
viagem a fazer, e com ou sem o lobo branco, irei encara-la.
***
Ladrão
11, acho, não sei que ano, nem que era...
Diário,
Estou
no local mais estranho que já estive. E isso vindo de alguém que esteve nas
entranhas de um deus aberrante e caminhou o véu durante meses.
Deixe-me
recapitular:
Estávamos
perante o portal feérico. A medida que as estrelas erguem-se no céu, o
sacerdote Graaslas iniciou um intrincado ritual. Gestos, palavras e componentes
foram usados. Ele sempre ao mesmo tempo tenso e em paz. Ele parecia alguém
fazendo a grande obra da vida dele. Um êxtase que hipnotizava.
A
medida que o ritual tomava forma uma cortina de agua se ergueu do lago, como
uma nevoa feita de diamante em pó, que refletia a luz do sol em cores e tons
que nunca tinha visto.
Ele
nos disse: teríamos até o amanhecer do próximo dia para trocar a gema. Ela
devia ser deixada em uma caverna. Só tínhamos isso.
Esta
cortina mística a nossa frente. Os olhos de Helgraf e Lavinia brilharam em
medo. Receio do que estaria no outro lado. Além do rio do tempo. Eu não tinha
dúvida. Eu sei que eles viveram coisas terríveis, cada um deles. Sei que viram
coisas tão monstruosas como as que eu vi, e ainda vivem. Mas eles ainda temem
estas... coisas misteriosas. Eu já passei dessa faze, para o bem ou para o mal.
Liderei
a passagem e senti como se meu corpo fosse arrebatado de mim. Eu vi borrões de
coisas que ainda não foram passar pelos meus olhos como a luz refletida na
agua.
Quando
me vi a mim mesma, fui jogada num rio. O sol da manhã brilhando atrás das arvores
verdes e as os pedregulhos gemendo baixo meus pés. Em menos de um respiro, Lavinia
caia a meu lado. Ela de forma violenta, arrastrada certamente de uma forma mais
bruta que a minha.
Quando
nos demos conta, havia uma garota na nossa frente, olhando com os olhos
arregalados: Bonita, olhos e rosto redondos, colhendo peixes de uma armadilha.
Ela não tardou em gritar e correr.
Nos
surpreendeu que Helgraf não passara. Não sei o que lhe aconteceu, porque lembro
ter visto ele lá, conosco, cruzando as aguas que nos trouxeram aqui? Será que
se perdeu ou não foi capaz de cruzar? Não sei dizer, espero que ele esteja bem!
Seguimos
os passos dela. Não porque queríamos pega-la, mas porque se ela fugiu de medo,
provavelmente iria voltar para sua casa, e de lá poderíamos saber o que fazer.
Saímos
da fronteira das arvores para um grande campo verdejante, com uma pequena
fortaleza aos fundos.
Ficamos
olhando o lugar durante alguns minutos, tentando saber o que fazer. Havia algo
em nossas mentes que dizia que devíamos continuar, não parar. Algo que nos
impelia.
Pouco
notamos os dois cavaleiros se aproximando a nos. Um homem alto e de aparência
nobre, seus cabelos loiros bem cortados e uma barba bem cuidada. Ao lado dele,
um homem mais baixo, com traços mais suaves e o nariz grande.
O
primeiro se apresentou como Lorde Potemkin, senhor e protetor daquelas terras.
O seu irmão, Lorde Dion, era quem o acompanhava.
Eles
apareceram de forma hostil, sacando a arma antes que nós o fizéssemos, e
olhando especialmente para Lavínia com receio e ódio. A mim, se referiram como
uma Nevastriri, ao que fui descobrir depois é um povo nortenho com o qual estão
em guerra.
Lavínia
é chamada de bruxa no momento, e apontam os olhos e o cabelo dela com rancor.
Filha de Makar, lhe dizem.
Eles
prendem Lavinia e quase fazem o mesmo comigo, se não fosse o fato de que citei
ser uma cavaleira da Ordem do Dragão. Eles não sabem qual ordem é, mas
pareceram acreditar que não lhes desejo mal.
Ao
que parece, minha posição com a Lavínia me compromete: Eles tem graves
problemas com um culto de bruxos chamados filhos de Makar, que ostentam
cabeleiras brancas e a habilidade de se transformar em monstro – e transformar
outros também. Licantropos, eles dizem.
Lavínia
tentou explicar a eles que essa não era a fé dela, e nem a intenção dela, mas
em vão. Eles a prenderam e a levaram a uma cela, onde esperaria o sacerdote de Alene
para julgá-la.
Ao
que me pareceu, esta igreja de Alene vem do culto do criador. Eles usam a mesma
simbologia, mas com esta santa que dá nome a igreja. Considerando que estou em
algum lugar do tempo, eu imagino que estou em algum futuro próximo. As coisas
não parecem mudadas, digo... as construções e as pessoas são as mesmas de onde
vim. Eles também falam de reinos que ainda não surgiram, e me dizem de
histórias passadas que ainda não aconteceram.
Todos
são humanos porém. E eles parecem chocados ao ver a Lavínia, que não é
completamente humana.
Isto
é o futuro?
Em
todo caso, fui melhor tratada que Lavínia, tanto por ser uma cavaleira quanto
por ser mais respeitosa. A insistência destas pessoas em associa-la a este
Makar irritou Lavínia, que não se importou em ser grosseira com os cavaleiros.
Nós
explicamos que estávamos em uma cruzada de fé, e que tínhamos vindo de terras
distantes para ajudar nosso povo. Tanto eu quanto Lavínia sabíamos que não
poderíamos dizer de onde viemos, e que algumas destas pessoas eram importantes
de alguma forma, então mortes deveriam ser evitadas.
Enquanto
Lavínia foi a cela, os cavaleiros me deixaram andar livre, confiantes na minha
honra como cavaleira. Colocaram um garoto a nosso lado, o Leocadius, jovem e
inexperiente soldado, mas bem intencionado.
Ele
me explicou sobre a igreja de Alene e sobre estas terras.
Este
vale faz parte da região de Taurida, uma das províncias de um reino chamado
Eimland, que está em guerra com outros dois reinos, Londolor ao noroeste e
Nevastrir ao norte, além do mar. A guerra já dura mais de duas décadas, e
embora eles estejam muito longe para sofrerem com a pior parte das batalhas,
sua responsabilidade é alimentar o resto da nação.
São
pessoas simples, com amor a terra. Há uma certa beleza nisso. Há uma certa
confiança de que talvez valha a pena tudo o que faço, sangrar e lutar para que alguém,
em algum lugar, como eles, possam viver uma vida pacifica.
Eles
pareceram desconhecer Draconatos ou Corrompidos, apesar de que amaldiçoados
pareciam ocupar seu lugar tanto no imaginário quanto nos cantos escuros do
mundo.
O
rapaz me explica também que Santa Alene era a escolhida do Criador, e que fora
queimada por hereges em um T de madeira, e por isso eles carregam o este
símbolo, para lembrar do sacrifico dela.
Em
fim, quanto Lavinia ficava presa, eu aproveitei e fui a conversar com o
sacerdote local. Ao que parece, a Igreja de Alene é a oficial, enquanto que
estes sacerdotes, chamados dos “deuses antigos”, são tolerados na medida do
costume, em especial em Taurida.
Consegui
conversar com o sacerdote do Homem-Verdejante, e sua companheira, adepta da mãe
da Colheita. Enquanto que a última não pareceu ter em bom grau a Lavinia,
associando-a com Makar, o Pai Agaeon pareceu entender a minha necessidade e se
ofereceu a me ajudar.
Ele
comentou que eu talvez precisasse a ajuda do Lorde Dion também, então fui falar
com ele.
Diversos
nobres tão visitando o Lorde Potemkin, o que me auxiliou a evitar seu severo
julgo, e quando fui falar com seu irmão, este se mostrou bastante disposto a
“fugir” do encontro com os nobres.
Eu
expliquei a situação para ele da melhor forma possível. Eu sei que ele não pode
saber o verdadeiro motivo que estamos aqui, nem o verdadeiro poder da pedra.
Mas ele entendeu o porquê o fazemos, e como um bom mago, levado pela
curiosidade e por talvez um senso de dever, ele decidiu me auxiliar.
Todavia,
ele me confirmou: não poderia fazer nada pela Lavínia. Isso era autoridade
exclusiva de seu irmão, e estava fora de cogitação solta-la. Entendo, e
lamento. Não sei se Lavínia vai conseguir fugir, mas quando falei com ela na cela ela pareceu resignada.
Não
sei o que se acomete com Lavínia, ontem ela estava vibrante com a perspectiva
de ajudar sua fé. Agora, parece estar chateada e resignada. Ela sabe que corre
um grave perigo: Eu não faço ideia como vamos sair daqui, mas tenho certeza que
se ela morrer nesta linha do tempo, ela também morrerá nossa. Ou algo assim.
Em
todo caso, estou aqui esperando a que o sol caia, o Lorde Dion prometeu me
encontrar na casa do sacerdote do Homem-Verdejante ao anoitecer. Teremos poucas
horas e a espera me é agoniante.
Espero
que Lavínia esteja bem, e espero que ela consiga fugir para me ajudar. Não sei
se consigo fazer isto sozinha.
--
***
Das
memórias de Lavinea
A minha missão de certa forma
estava completa, eu encontrei Adventia e o sacerdote que estava com ela, sua aparência
era cansada, seus olhos vivos queimavam suas ultimas brasas; ele precisava descansar.
Quantas vezes senti-me assim? quantas vezes quis apenas poder deitar-me ou
deixar o peso sobre outros ombros?
Não houve tempo para conversas
ou grandes explicações, nos sentíamos, sabíamos quem era quem, o sacerdote
dizia-me que quase perdera a esperança sobre nossa chegada, logo a data não
estaria certa, logo não seria mais possível.
Fiquei sabendo então, Adventia
era uma daquelas esferas que Urian desejava. A azul para ser exata, mas ela
estava errada, imprecisa na linha temporal, essa esfera pertencia a outro
mundo, um futuro possível, e lá, nesse mesmo futuro, nossa Adventia real
estava.
Soube que não era meu destino
usa-la, independente do que isso quer dizer, eu serei apenas sua portadora.
...Viajar no tempo dói,
desespera e desampara, nunca estive tão sozinha quanto naquela terra povoada de
gente rechonchuda, muito corada e preconceituosa. Erika e eu chegamos em um
rio, assustamos uma jovem, robusta e corada moça que xingou-,me de algo que não
sei o que era, mas não podia ser bom. Logo vieram dois homens, a língua deles
era tão rude e bruta e incompreensível, mas ao menos eu os entendia. Um deles
era rude, quase cruel e certamente um homenzinho como tantos que gosta de poder
e de pisar quem esta abaixo dele, já o outro não, parecia apavorado e curioso
em relação a mim.
Nos separamos, Erika é nobre
mesmo nessa realidade que não é a nossa... não pensei muito sobre isso, é arrogância
pensar que existimos só na imensidão do universo. Nayurai um dia foi chamada de
"A lua múltipla", porque algo precisa ser único para ser real? Eu fui
feita prisioneira, permaneceria assim até que pudesse conversar com os
sacerdotes dos deuses antigos e me provar digna; ao que parece esse mundo
cultua um único Deus arrogantemente chamado "O Criador", mas há
aqueles que conhecem o caminho "antigo" de outros deuses.
Acabei em uma masmorra, essas
parecem serem imutáveis ao longo do tempo, sujas, frias, urinadas, tristes... poucas
coisas são tão tristes quanto uma masmorra, permaneci algemada, de cabelos e
olhos escondidos sobre o manto para não assustar ou causar comoção demasiada
entre as pessoas. Mestre Dion pediu-me que me mantivesse assim, e soou tão razoável
que mesmo nessa situação não recusei. Pedi que auxiliasse e ouvisse Erika.
Fui visitada por dois nobres e
juvenis senhores gatunos e escorregadios que queriam me ver de perto; não
conheciam "minha espécie". Um deles chamava-se Vincent Calhart e seus
olhos queimavam com tanto fascínio e curiosidade que não pude não me mostrar a
ele, cabelos, pele, olhos, garras, chamou-me de Aen Shi... mas eu não sou do
povo belo...
Não devíamos interferir no curso
do futuro, precisávamos trocar as gemas sem mudar a história, eu pensava
severamente e constantemente nisso enquanto andava em meu caixão de pedra; mais
de uma vez pensei em revelar tudo a Dion, não o fiz porque me foi negado uma
conversa a sós com o mesmo. Pensava também no que fizeram com minha religião:
tão feia, triste, deturpada, nem uma sombra, nem um resquício, nem um fiapo do
que é... apenas um monstro desfigurado do que ela foi.
Os olhos azuis gelo queimaram
sobre mim quando a loucura ameaçava tomar-me, eu sabia que era somente o
instrumento da vontade divina e não
deveria interferir no tempo, mas não fazer nada me enlouquecia. Calhart é um
nome que carregarei comigo, por ter me tirado do bloco de pedras apenas por
achar que eu era fantástica demais pra ser queimada. Vincent me tirou da cidade
e me levou as bordas da floresta... os deuses, o destino, Adventia, Nayurai,
algo maior que nós fez meu caminho cruzar o de Erika novamente e o resto já lhe
escrevi....já sabes...
Ainda me pergunto se Vincent Calhart
me perdoou por nunca voltar ou agradecer decentemente, pergunto se lembra de
mim, vou me perguntar para sempre.
Porque e por quantos anos mais vou
vagar por essas terras escrevendo cartas pra ti meu amor? Quando vou dormir
para sempre? está insuportável seguir sem você aqui, ao meu lado, de mãos
dadas... Eu sei que você esta comigo, que me ouve e responde, mas queria seu
toque, seu cheiro, dividir tua cama, fraquejo a cada dia, cedo mais e mais de
tua Lavinea para a fera...socorro Joseph, está cada dia mais difícil sem sua
guia
.
Com amor, para sempre.
Alyah.
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on sexta-feira, fevereiro 26, 2016
at 23:04
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